
Come�amos a envelhecer ao nascer. Inexoravelmente, a cada dia avan�amos na nossa viagem, quase sempre curta, chamada vida. Por mais que se fa�a para estender a juventude, a natureza vai deixando os tra�os dos ciclos vividos no nosso corpo, face e olhos. Creio que nestes est� a prova mais contundente desse processo.
H� um brilho no olhar que demonstra, claramente, os trajetos da viagem da vida, se a est� sendo boa ou ruim. Pode-se fazer todos os procedimentos, protocolos de manuten��o d�rmica da juventude, mas o olhar seguir� sua trajet�ria natural. Ele amadurece e traz um mist�rio, uma beleza t�o magnificamente encantadora, que arrebata os poetas e os mais sens�veis. O olhar expressa os meandros do viver. Como dizia Victor Hugo, nos olhos dos jovens vemos chama, mas nos olhos dos velhos vemos luz.
VITALidade: 'Cidade Amiga das Pessoas Idosas'
Mas nem todos est�o preparados para reconhecer o belo que est� em envelhecer. Bete Davis j� havia cantado a pedra “a velhice n�o � para os fracos”. Deseja-se viver como Matusal�m, mas apagando as marcas deixadas pela caminhada, mesmo que isso signifique perder a magia que foi percorrer o tempo vivido.
Hoje, a busca para preservar a juventude facial tornou-se um v�cio. Um v�cio caro, que movimenta bilh�es de d�lares, anualmente. Surfando na mesma onda, as redes sociais trazem filtros que nos tornam primores da beleza em um toque!
Um corpo jovem passa a ser um objeto de representa��o nos dias atuais. � visto como um facilitador de sucesso profissional. Dessa forma, combater os sinais de envelhecimento, n�o � s� uma quest�o de sa�de e autoestima, � um trunfo nas rela��es humanas. Beleza e sucesso representam a sociedade de imagens que vivemos.
A globaliza��o econ�mica acentuou esse ide�rio, estabeleceu novos padr�es dif�ceis de serem alcan�ados pelos seres humanos normais. O �ndice de Massa Magra (IMC) desejado �, quase sempre, abaixo dos recomendados pelos �rg�os de sa�de. A ditadura da magreza ganha contornos cada vez mais sombrios, alimentando a ansiedade, a solid�o e os maus h�bitos de um n�mero crescente de indiv�duos, especialmente entre os jovens, que deveriam concentrar seus esfor�os em outros desafios.
Bem, voltemos aos mais velhos.
A pandemia evidenciou algo importante. Estamos prologando a vida com os avan�os da medicina (e isso � maravilhoso!), mas estamos abandonando nossos idosos. H� paradoxos e hipocrisias nesse processo. Em 2020, o mundo parou para proteg�-los. Eram os mais vulner�veis � doen�a naqueles dias sombrios. Todavia, cr�ticas explodiram globalmente a essa alternativa.
De repente, deparou-se com o n�mero expressivo que os idosos representam (dados conhecidos de todos os �rg�os demogr�ficos, mas ignorados por muito) e com o isolamento que muitos estavam submetidos. Criou-se um hiato no conv�vio di�rio com aqueles que comp�em o passado. Dedica-se menos tempo e zelo para com eles. N�o se compartilha das lembran�as, sabedoria e valores que acumularam ao longo da vida.
Ao longo do tempo foi se perdendo o contato com aqueles que envelheceram. � certo que em algum momento seremos vitimados por essa escolha. No passado, aqueles que envelheceram, eram mais enaltecidos, talvez porque eram em menor n�mero. H� uma tend�ncia em valorizar menos o que se tem demais, ironicamente.
Hoje, mundialmente, existe cada vez mais pessoas na faixa et�ria considerada de idosos (mais de 65 anos) e esse n�mero s� tende a aumentar. Um j�bilo para uma sociedade, pois implica que est� garantindo melhores condi��es de vida. Mas para o idoso nem sempre � acompanhado de igual sentimento, pois ele se v� cada vez mais sozinho, com menos envolvimento no dia a dia dos filhos e netos, com exce��es cada vez mais raras. Viver torna-se para eles um tranquilo e, �s vezes, um triste arrastar nas terras da solid�o.
O isolamento imposto pela pandemia devia deixar como heran�a o qu�o sofrido � o peso do n�o conv�vio di�rio com o outro e servir de alerta que essa realidade � o cotidiano de muitos anci�os, que v�m o envelhecer como a perda gradativa da aten��o alheia. � dolorido pensar assim, mas � a triste realidade a que muitos est�o expostos.
Por que falar disso com tanta coisa acontecendo no mundo e no Brasil, Sueli? Porque hoje � meu anivers�rio. Talvez deva pensar um pouco mais a respeito e o que me aguarda. Como disse Elias Canetti: - Mas, desde quando voc� � velha? Desde amanh�.