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Estado de Minas EMO��O

Os dilemas da pediatra que cuida de crian�as em estado terminal

Manuella, de 1 ano e 8 meses, p�de passar as duas �ltimas semanas de vida em casa, cercada pelos pais, av�s e outros parentes, em vez de aguardar a morte na UTI


18/05/2022 06:49 - atualizado 18/05/2022 13:16

Manuella cercada da equipe médica
Manuella, de 1 ano e 8 meses, p�de passar as duas �ltimas semanas de vida em casa, cercada pelos pais, av�s e outros parentes, em vez de aguardar a morte numa UTI (foto: Cinara Carneiro)

M�dicos e enfermeiros emocionados se despediam de Manuella, que, vestida de azul e rosa e la�o na cabe�a, recebia naquele dia alta do hospital ap�s meses de interna��o. Um misto de alegria e tristeza se desenhava no rosto dos cuidadores. Era uma alta diferente.

 

 

 

Manuella, de 1 ano e 8 meses, estava indo para casa para viver seus �ltimos dias, cercada pelos pais e av�s. Iria rever toda a fam�lia, o seu quartinho e brinquedos antes de morrer.

 

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"A equipe de pediatria estava toda l� e o pessoal da UTI saiu para v�-la. At� quem estava fora do hospital foi at� l� tirar foto com ela e se despedir. Ficamos muito emocionados. Tinha a tristeza de saber que era o fim da vida dela, mas foi tamb�m bonito, porque sab�amos que ela estava saindo para ser cuidada pela fam�lia", relatou � BBC News Brasil a pediatra intensivista Cinara Carneiro, que cuidou da beb� enquanto ela esteve internada na UTI do Hospital Otocl�nica, em Fortaleza.

Carneiro trabalha com cuidados paliativos no Sistema P�blico de Sa�de (SUS) e em hospital particular. Ela se dedica a cuidar de crian�as com enfermidades ou condi��es de sa�de s�rias, que podem n�o ter muito tempo de vida pela frente. A miss�o � garantir que o tempo que a crian�a tiver de vida seja o melhor poss�vel- que ela receba aten��o individualizada, afeto, tenha experi�ncias, e n�o sinta dor.

Por isso, quando poss�vel, Carneiro tenta viabilizar que a crian�a tenha alta do hospital e receba cuidados em casa. No caso de Manuella, a preocupa��o era garantir que a menina convivesse o m�ximo poss�vel com toda a fam�lia - que a m�e e o pai pudessem aproveitar cada minuto com a filha e se despedir.

"Em casa, eles iam conseguir ter uma din�mica mais saud�vel, com mais privacidade e com a presen�a de outros familiares. No ambiente hospitalar, a gente n�o tem como receber a visita da av�, da tia, de amiguinhos", diz.


Cinara Carneiro e equipe médica
Cinara Carneiro (ao centro) trabalha no SUS e num hospital particular, cuidando de crian�as com pouco tempo de vida (foto: Arquivo pessoal)

Carneiro lembra que ficou emocionada ao receber da m�e de Manuella uma imagem da beb� em casa.

"Tinha uma expectativa grande de ela estar no quartinho dela. E, quando ela chegou em casa, a m�e mandou foto para a gente. A Manu estava l� na caminha, com coberta toda rosa e ursinho."

Qualidade de vida x mais dias de vida

Carneiro diz que a decis�o de dar alta a Manuella envolveu toda a equipe m�dica e a fam�lia da menina, ap�s perceberem que n�o havia mais tratamento para o c�ncer de c�rebro que ela enfrentava.

A menina chegou a passar por cirurgias e fazer quimioterapia, mas o tipo do tumor era muito agressivo. Em busca da cura, os pais pediram opini�es de diferentes profissionais. Mas a beb�, que no in�cio do tratamento era ativa e at� mandava beijinhos para as pessoas, j� n�o se comunicava, n�o se mexia, nem sa�a da cama. Foram muitas idas e vindas ao hospital durante o tratamento, totalizando cinco meses de interna��o.

Pai e m�e se desdobravam para trabalhar, se deslocar ao hospital e ficar com a filha o m�ximo de tempo poss�vel. "Eram pais muito dedicados, presentes, nunca reclamaram nem de cansa�o, embora pudessem estar exaustos", conta Carneiro.

A m�dica afirma que um dos dilemas ao enviar um paciente terminal para casa e evitar interven��es invasivas � aceitar que, em alguns casos, a crian�a poder� viver menos dias, embora tenha dias melhores enquanto viver.

"Pode ser que aconte�a (a morte) mais cedo, porque, querendo ou n�o, n�o vai ter uma equipe l� que para fazer uma interven��o mais invasiva, intuba��o ou tratamento r�pido de um quadro infeccioso".


Manuella
Manuella cercada pelos pais pouco antes de ser liberada do hospital (foto: Arquivo pessoal)

"Mas � importante entender que a proposta � ter qualidade naqueles poucos dias e n�o obrigatoriamente ter mais dias."

Carneiro destaca, no entanto, que o excesso de interven��es em alguns casos tamb�m pode acabar encurtando a vida, em vez de prolongar.

"Quando voc� entra com um plano de cuidados paliativos, algumas interven��es que s�o entendidas como f�teis n�o s�o oferecidas. E essas interven��es, �s vezes, s�o a causa de um fim mais breve, com paciente morrendo na mesa de opera��o."

'Retorno � maternidade na sua plenitude'

Para os pais de Manuella, ter a filha em casa significou a oportunidade de exercer o papel de pai e m�e na sua plenitude. Eles voltaram a ser os cuidadores principais da filha.

"No hospital, a rotina � orientada por n�s, m�dicos, a medica��o � dada pela equipe m�dica. Com a ida para casa, a m�e e o pai puderam voltar a ser a refer�ncia no cuidado, a planejar a rotina e a vida da filha, como faziam quando ela nasceu", lembra Carneiro.

"Foi muito especial ver essa volta da maternidade e paternidade na sua plenitude."

Os pais tiveram duas semanas em casa com Manuella, antes de ela morrer.

A oportunidade de se despedir de um parente em casa ainda � muito rara no Brasil. A imensa maioria das crian�as e adultos com doen�as incur�veis acaba morrendo nos hospitais. Alguns acabam passando por interven��es que prolongam a vida, sem necessariamente garantir conforto ou qualidade de vida.

Dilemas e desafios


Cinara Carneiro
'Se dou alta, a paciente ter� mais qualidade de vida, mas pode ter menos dias de vida', diz Cinara Carneiro (foto: Arquivo pessoal)

Cinara Carneiro destaca que uma equipe especializada precisa desenhar um plano de cuidado para viabilizar que o paciente passe seus �ltimos dias fora do hospital. E, segundo ela, muitos profissionais resistem a autorizar a alta por receio.

Isso se deve, diz a m�dica, � cultura da hospitaliza��o que prevalece no pa�s. Burocracia e inseguran�a jur�dica tamb�m dificultam o acesso ao direito de morrer rodeado pela fam�lia.

"O sistema � burocr�tico. Morrer em casa � muito dif�cil para adultos e crian�as. E quando ocorre o �bito domiciliar, a declara��o de �bito � complexa. Uma equipe m�dica precisa ir at� a casa para verificar a morte. Sem isso, o corpo n�o pode ser liberado e vai para o Instituto M�dico Legal", diz.

Portanto, ela destaca, � preciso ter um planejamento que envolva diferentes profissionais e um m�dico ciente do prontu�rio da crian�a para ser acionado no momento da morte e garantir a libera��o do corpo, se o paciente estiver em casa.

"Esse m�dico vai conhecer o hist�rico da crian�a e vai fazer a declara��o de �bito, porque sen�o essa crian�a vai para um IML. Num momento de sofrimento, essa seria uma din�mica que traria mais dor. Ent�o, eu tenho que ter constru�do do hospital ao domic�lio um plano de a��o que inclua o momento do �bito."

Em caso de plano de sa�de particular, a fam�lia do paciente precisa encontrar uma equipe de m�dicos disposta a esse tipo de cuidado, com home care (estrutura hospitalar em domic�lio) e m�dico de home care ciente que, em alguns dias ou meses, poder� ter que declarar o �bito da crian�a em casa.

"Se voc� � paciente e tem um plano de sa�de, a� voc� tem que ter home care e o seu meu m�dico do home care tem que estar alinhado com voc�.", diz.


Menina Manuella
Os pais de Manuella mandaram uma foto da filha no pr�prio quartinho, assim que chegaram em casa. Ela teve duas semanas de conv�vio intenso com a fam�lia toda antes de morrer (foto: Arquivo pessoal)

No Sistema �nico de Sa�de, essa possibilidade � mais remota, porque o m�dico da unidade de Pronto Atendimento pr�xima � casa da fam�lia tem que estar ciente do prontu�rio da crian�a e alinhado com a estrat�gia de cuidado paliativo.

"Mas, se voc� estiver no SUS, voc� n�o consegue morrer em casa. A n�o ser que voc� tenha o seu posto de sa�de funcionando bem. E l�, tem que ter um profissional de refer�ncia seu, que te conhe�a, e que ele n�o rode. Mas a gente sabe que os profissionais de sa�de circulam", diz.

"E a gente tem muito profissional rec�m-formado trabalhando na ponta. Ent�o, entendo que ele se sinta inseguro, e ele precisa que n�s, que somos especializados, entreguemos um plano completo, e que ele confie em n�s. Ent�o eu preciso ter um especialista, um paliativista e um colega na ponta que pode ser o m�dico da aten��o prim�ria � sa�de ou o m�dico do home care alinhados com o plano de cuidado."

Cinara Carneiro defende que o SUS invista mais em cursos sobre cuidados paliativos para profissionais da aten��o b�sica, para que se sintam menos inseguros diante da op��o pela morte em casa.

"Eles t�m que come�ar a entender que esse fim de vida, seja para pacientes idosos ou crian�as, pode ser proporcionado em casa."

Ela destaca, por�m, que a fam�lia do paciente precisa receber apoio e informa��o para garantir que os �ltimos dias de vida dele ocorram da maneira mais leve poss�vel e sem dor f�sica.

"N�o � simples. No caso da Manu, tivemos que ensinar a usar o opi�ide, porque ela precisava de morfina. Os pais tamb�m aprenderam a usar sonda, porque ela era alimentada por l�, e a lidar com sintomas como constipa��o causados pela morfina", relata a m�dica, acrescentando que a equipe tamb�m detalhou para os pais os sintomas e comportamentos que ocorrem no momento da morte.

A m�dica e a fam�lia da menina acreditam que o esfor�o valeu � pena. A m�e de Manuella autorizou a BBC News Brasil a usar as fotos da beb� e a contar a hist�ria dela.

"Infelizmente, n�o foi poss�vel curar a Manuella, mas conseguimos fazer com que esse processo fosse mais leve para que a fam�lia pudesse fechar esse ciclo. A despedida � sempre dolorosa, n�o � f�cil, mas � tamb�m um processo que envolve muito amor", conclui Cinara Carneiro.

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