
Mergulhar em uma banheira de gelo ap�s o treino pode ser a forma como alguns atletas profissionais optam por se recuperar do exerc�cio intenso, mas qualquer pessoa que tente se manter em forma no inverno sabe que o frio pode ser t�o forte quanto rejuvenescedor.
Para Matilda Hay, uma nadadora amadora, n�o h� d�vida na hora de escolher entre uma piscina aquecida ou a �gua gelada de uma piscina natural. Embora esta �ltima op��o seja enaltecida por seus benef�cios � sa�de, ela n�o � para todos e certamente n�o para Hay.
"Quando tentei nadar na natureza, n�o consegui ficar muito tempo — aguentei talvez alguns minutos antes de sair correndo", diz Hay. "Minha irm� � capaz de ficar muito mais tempo do que eu por algum motivo. Acho que lidamos com o frio de maneira diferente."
As evid�ncias de alguns dos benef�cios de nadar na �gua fria para a sa�de mental citados na m�dia tamb�m s�o um pouco t�nues. S�o amplamente baseados no estudo de caso de uma mulher de 24 anos.Mas por que se mostrou t�o popular? E ser� que Hay est� certa: algumas pessoas apenas lidam melhor com o frio do que outras?
O clima afeta nossos n�veis de desempenho.
No frio, nossos m�sculos ficam mais lentos, demoram mais para ficar tensos, reduzindo tanto nossa capacidade de entrar em a��o quanto a quantidade total de energia gerada (embora isso possa ser amenizado com um bom aquecimento pr�vio).
As raz�es para essa diminui��o no desempenho em climas frios s�o um pouco complexas, at� porque a toler�ncia ao frio depende da nossa gen�tica, n�veis de gordura subcut�nea — a gordura logo abaixo da nossa pele — e tamanho do corpo.

Uma sugest�o � que, quando nosso corpo esfria, o ritmo com que liberamos energia nas c�lulas musculares diminui.
Mas o exerc�cio no frio tamb�m tem sido associado a uma melhor sa�de card�aca, um sistema imunol�gico mais forte e � convers�o de c�lulas de gordura branca em marrom, contribuindo para maior perda de peso. Portanto, se feito com seguran�a, pode trazer s�rios benef�cios � sa�de.
O 'gene da velocidade'
Alguns de n�s podem ter uma certa vantagem quando se trata de praticar exerc�cio no frio. Uma em cada cinco pessoas n�o possui a prote�na α-actinina-3 na fibra muscular.
Essa muta��o revela um pouco sobre nossa hist�ria evolutiva e explica por que alguns atletas modernos s�o bem-sucedidos no frio, enquanto outros ficam paralisados %u200B%u200Bna linha de largada.
Conhecida como "gene da velocidade", a α-actinina-3 oferece aos atletas uma vantagem competitiva quando se trata de explos�es poderosas de energia e recupera��o muscular, mas pode ser menos �til em outras situa��es.
Todos os nossos m�sculos esquel�ticos s�o compostos de uma combina��o de dois tipos de fibras: fibras musculares de contra��o lenta e fibras musculares de contra��o r�pida.
"Os m�sculos t�m fibras de ambos os tipos, mas as porcentagens de cada uma podem diferir de m�sculo para m�sculo e de pessoa para pessoa", diz Courtenay Dunn-Lewis, fisiologista da Universidade de Pittsburgh, nos EUA.
As fibras musculares de contra��o lenta s�o respons�veis %u200B%u200Bpor a��es aer�bicas mais lentas.
Essas fibras nos mant�m em p�, evitam que nossa cabe�a caia para frente ou que nossa mand�bula se abra e nos impulsionam em formas mais suaves de exerc�cios, como caminhadas e corridas leves.
Se voc� j� fez ioga ou medita��o e foi orientado a relaxar conscientemente todos os m�sculos do corpo, deve estar familiarizado com a quantidade de m�sculos subconscientemente envolvidos nos bastidores.
N�o se trata de "rigidez" muscular, � uma fun��o corporal normal chamada t�nus %u200B%u200B— a maneira que as fibras musculares de contra��o lenta nos impedem de ficar cambaleando.
As fibras musculares de contra��o r�pida, por outro lado, respiram anaerobicamente, podem se contrair em explos�es r�pidas, mas se cansam com mais facilidade.
Essas fibras s�o ativadas apenas quando precisamos levantar algo, pular, correr em alta velocidade ou fazer qualquer movimento explosivo que pode ser necess�rio em exerc�cios anaer�bicos.
A prote�na α-actinina-3 � encontrada apenas nessas fibras musculares de contra��o r�pida.

"Cerca de 80% das fibras musculares de um atleta de elite s�o de contra��o r�pida, se for um atleta de for�a, ou de contra��o lenta, no caso de atletas de resist�ncia", diz Dunn-Lewis.
"Considere o f�sico longo e esguio de um corredor de maratona, cujas fibras musculares predominantemente de contra��o lenta podem ser pequenas, mas s�o resistentes � fadiga e fornecem energia duradoura quil�metro ap�s quil�metro. Essa pessoa tamb�m est� queimando menos energia em uma determinada unidade de tempo."
"Em compara��o, um jogador de futebol americano ou jogador de h�quei tem predominantemente fibras musculares de contra��o r�pida grandes, se move com for�a e velocidade, mas cansa muito rapidamente", acrescenta o fisiologista.
"Atletas com 80% de um tipo de fibra simplesmente nascem com sorte. Para o resto de n�s, as porcentagens est�o pr�ximas de 50% de contra��o r�pida e 50% de contra��o lenta, e esse percentual � determinado no nascimento."
"O tipo de fibra � determinado estritamente pelo sistema nervoso e, por esse motivo, n�o pode ser alterado com exerc�cios", explica.
Uma maneira de imaginar a diferen�a entre esses dois tipos de fibras � pensar no frango.
A carne da coxa do frango � escura porque � mais densa em fibras musculares de contra��o lenta e mioglobina (prote�na que se liga ao oxig�nio, levando-o aos m�sculos como parte da respira��o aer�bica). Como a mioglobina � rica em ferro (um pouco parecida com o sangue), ela d� aos m�sculos uma cor escura e avermelhada.
Na verdade, quando voc� corta um bife, a subst�ncia vermelha que sai � a mioglobina — e n�o sangue, que obt�m sua colora��o vermelha da hemoglobina relacionada.
A carne do peito, por sua vez, � clara porque � mais densa em fibras musculares de contra��o r�pida e, portanto, menos densa em mioglobina.
Os m�sculos do peito de frango s�o necess�rios apenas para explos�es anaer�bicas curtas, intensas quando os p�ssaros batem suas asas, enquanto suas coxas est�o sendo usadas de forma mais consistente.
Em humanos, a diferen�a � menos �bvia. Nossos m�sculos s�o compostos de uma combina��o dessas duas fibras em quantidades menores e maiores.
Pessoas sem prote�na α-actinina-3 resistem melhor ao frio
Essas fibras tamb�m desempenham um papel importante em nos manter aquecidos. Quando est� frio, nossas fibras musculares de contra��o r�pida se contraem repetidamente e rapidamente — � o que significa tremer de frio.
Cada contra��o min�scula e r�pida nos aquece um pouco � medida que a energia � liberada. � uma forma que consome muita energia para nos manter aquecidos, mas � r�pida e eficaz.
"Um dos m�todos mais eficazes para aumentar o calor corporal � a contra��o muscular", diz Dunn-Lewis.
"Na verdade, durante o exerc�cio, 70-80% das calorias queimadas resultam em calor."
Enquanto isso, nossas fibras musculares de contra��o lenta est�o sendo sutilmente engajadas como parte do t�nus, produzindo calor eficiente.
A prote�na α-actinina-3 n�o est� presente em cerca de 1,5 bilh�o de pessoas em todo o mundo.
Embora ainda tenham fibras musculares de contra��o r�pida, seus m�sculos s�o menos explosivos e, em vez disso, s�o mais densos em fibras de contra��o lenta, o que significa que raramente t�m sucesso em esportes que exigem for�a e explos�o, mas s�o bem-sucedidos em esportes de resist�ncia, de acordo com os autores do artigo.
Embora possam ser menos capazes de fazer movimentos anaer�bicos, elas podem usar a energia com mais efici�ncia.
Uma muta��o no gene que codifica a α-actinina-3 resultou na perda da prote�na pelos ancestrais dos humanos que migraram da �frica para a Europa h� 50 mil anos.
Esta muta��o gen�tica pode ter ajudado os ancestrais europeus a lidar com o clima mais frio, desperdi�ando menos energia tremendo, em vez de depender do calor eficiente de seu t�nus.
"[Este gen�tipo] tende a ser visto com menos frequ�ncia em grupos �tnicos associados a climas mais quentes — 1% em quenianos e nigerianos, 11% em et�opes, 18% em caucasianos, 25% em asi�ticos", diz Dunn-Lewis.
"De acordo com o modelo fora da �frica, isso sugere que esse polimorfismo gen�tico aumentou � medida que as pessoas migraram para climas mais frios."
Pessoas sem a α-actinina-3 s�o melhores em se manter aquecidas e, em termos de energia, s�o capazes de suportar um clima mais rigoroso.
O papel da gordura na prote��o ao frio
Outro aspecto da nossa gen�tica pode determinar como lidamos com o frio: nossa gordura.
Assim como temos dois tipos principais de fibras musculares esquel�ticas, temos dois tipos de gordura — gordura branca e gordura marrom —, que � importante para nos mantermos aquecidos.
A bi�loga celular Kristin Stanford e seus colegas da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, conduziram uma revis�o de pesquisas publicadas sobre o papel do tecido adiposo marrom (gordura marrom) na regula��o do nosso calor.
A gordura marrom � termog�nica, o que significa que, como nossas fibras musculares de contra��o lenta, nos aquece sem a necessidade de tremer.

A simples exposi��o ao frio j� � suficiente para ativar nossa gordura marrom, que pode levar � perda de peso. Stanford sugere que esta pode ser uma �rea de investiga��o para o tratamento da obesidade.
No entanto, o exerc�cio parece ter um efeito conflitante em nossa gordura marrom.
Parece que o exerc�cio inibe essa atividade — talvez porque, ao nos exercitarmos, estamos gerando calor suficiente por outros mecanismos —, mas os autores enfatizam que a pesquisa ainda � inconclusiva nesta fase.
Embora o tempo frio possa impedir a queima de gordura marrom e nossos m�sculos possam ter velocidades de condu��o nervosas mais lentas e pior desempenho esportivo, "na pr�tica, se um indiv�duo faz o aquecimento adequadamente... seu corpo se aquece muito facilmente", diz Dunn-Lewis.
N�o h� raz�o para n�o fazer exerc�cios no frio.
"Na verdade, os melhores tempos de maratona costumam ser no frio, uma vez que o frio ajuda a dissipar melhor o calor gerado durante o exerc�cio", diz ela.
"Se n�o fosse pelo clima frio, o corpo teria que redirecionar os recursos do desempenho muscular durante os exerc�cios de resist�ncia para se livrar do calor."
No entanto, nem todos os atletas de ponta se d�o melhor no frio. O tempo frio agrava a asma induzida por exerc�cios, que afeta mais de 35% dos atletas ol�mpicos de inverno.
O ar mais frio � menos �mido, uma vez que o vapor d'�gua presente no ar congela. Acredita-se que o ar seco inicia uma resposta inflamat�ria nos pulm�es, causando broncoconstri��o.
Portanto, h� raz�es gen�ticas pelas quais alguns de n�s t�m mais dificuldade do que outros.
A ligeira vantagem concedida a algumas pessoas com a muta��o α-actinina-3 pode explicar seu desejo de madrugar para nadar em �guas abertas, enquanto outros lutam para sair da casa para correr no parque.
Para Matilda Hay, a piscina p�blica aquecida perto de sua casa ser� suficiente por enquanto.
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
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