
Muito se discute sobre a preserva��o da Amaz�nia. Mas, daqui de longe, s�o poucas as chances de fazer algo diretamente pela causa. E se a oportunidade estiver no prato? O Festival Gosto da Amaz�nia chega a Belo Horizonte com uma mensagem importante: comer pirarucu ajuda a proteger a floresta.
A partir desta sexta-feira, 45 bares e restaurantes da cidade servir�o o peixe brasileiro grelhado, em moqueca, sandu�ches e at� como sushi.
Como a nossa escolha impacta o meio ambiente? Comendo pirarucu, voc� apoia comunidades ribeirinhas e ind�genas do estado do Amazonas que trabalham como protetores da floresta. Essas fam�lias est�o envolvidas com o manejo da esp�cie, que deve seguir tr�s regras b�sicas: s� � permitido pescar de setembro a novembro (�poca de seca), peixes adultos acima de 1,5 metro e o total n�o pode ultrapassar 30% da quantidade existente na regi�o.
“Incentivar o manejo contribui para respeitar o ciclo de reprodu��o da esp�cie e preservar o seu h�bitat, o que aumenta o n�mero de peixes. Tamb�m gera renda e aumenta a qualidade de vida das comunidades para que elas continuem morando l� e cuidando da floresta”, explica S�rgio Abdon, respons�vel pelos eventos da marca Gosto da Amaz�nia, que faz parte do Coletivo do Pirarucu, formado por cerca de quatro mil manejadores em 30 �reas do Amazonas.

Al�m de reverter a amea�a de extin��o, resultado da pesca predat�ria, a pr�tica do manejo sustent�vel aumentou em torno de 400% a quantidade de pirarucu nas regi�es onde vivem essas comunidades. Por outro lado, contribui para a conserva��o de mais de 11 milh�es de hectares da floresta.
“Quando colocamos o pirarucu no card�pio dos restaurantes, fica mais f�cil para o p�blico ultrapassar a barreira do desconhecimento. Ele j� confia no chef e se sente seguro para provar o produto.”
Pirarucu selvagem
O festival traz a BH o pirarucu selvagem, que vive em rios da floresta amaz�nica. � considerado o maior peixe de escama de �gua doce do mundo, podendo chegar a tr�s metros e 250 quilos. Tem carne branca, macia e com sabor suave, que combina muito bem com diversos tipos de temperos, da� a versatilidade dos pratos que os chefs criam. Apesar de ser de �gua doce, n�o tem gosto de terra.
Abdon percebe que o pirarucu faz sucesso n�o apenas pelo sabor, mas por todo o seu contexto, ainda mais nos dias de hoje, em que existe a busca pelo consumo consciente (saber a origem do produto e quem est� por tr�s de toda a cadeia). “Ao mesmo tempo em que entram em contato com os atributos gastron�micos do peixe, as pessoas se envolvem com toda a hist�ria de sustentabilidade, prote��o da floresta e gera��o de renda”, destaca Abdon.
Gabriel Trillo est� feliz de levar essa hist�ria para o card�pio do Omil�a. Assim como faz com os ingredientes mineiros, o chef quer contar para os clientes sobre a origem do peixe, quem s�o as pessoas envolvidas e por que devemos consumi-lo mais. “O pirarucu tem uma hist�ria parecida com a do queijo canastra: a batalha para evidenciar um sabor regional, um terroir e defender uma cultura gastron�mica que pode ser valorizada internacionalmente”, compara.

Para extrair o melhor do pirarucu, tanto de sabor quanto de maciez, Gabriel preferiu servi-lo grelhado. “Por ser uma peixe neutro, ele precisa estar acompanhado de elementos mais potentes.” O aioli de piment�o vermelho entra para dar um toque defumado, enquanto o pur� de batata-doce com acerola e a salada de feij�o branco entregam doses de acidez. Por fim, a farofa de castanha-de- caju e de castanha-do-par�, que valorizam outros ingredientes genuinamente brasileiros.
O chef sugere come�ar comendo um peda�o do peixe sozinho, principalmente para quem ainda n�o conhece o sabor, e depois fazer diferentes combina��es com os outros elementos. “N�o tenho d�vida de que o pirarucu vai ser bem-aceito. Mineiro gosta de frutos do mar, ainda mais vindo praticamente fresco e com qualidade.” O prato j� vai entrar para o card�pio fixo, o que n�o era poss�vel antes, em fun��o da dificuldade de fornecimento.
Oportunidade de ouro
Como j� morou em Manaus e Bel�m, Zito Cavalcante gosta de trabalhar com a cozinha amaz�nica, mas sempre teve dificuldade de usar o pirarucu. N�o conseguia encontrar peixe de qualidade em BH e ficou invi�vel encomendar a amigos l� do Norte. Agora ele comemora.
“Receber em Minas um ingrediente da Amaz�nia com tanta tradi��o � uma oportunidade de ouro. A minha maior felicidade, como chef de cozinha, � ver as pessoas comendo e descobrindo novos ingredientes e hist�rias.”
O chef criou duas receitas para o festival. No Restaurante Pad�, vai servir o lombo do pirarucu. “Quis fazer um prato com sabores mais delicados, ent�o cozinho o peixe no vapor para n�o trazer nenhum sabor tostado.” Os acompanhamentos s�o igualmente leves: creme de cebola, cogumelos na manteiga e legumes confitados (ab�bora, batata-doce, vagem e tomate-cereja).

Para chegar � receita do bar Kuru, o �nico sandu�che do festival, ele pensou o contr�rio e investiu na pot�ncia de sabores. O peixe � fatiado e empanado em uma massa oriental de tempur� bem fina e crocante. Depois vem a pasta de cogumelos defumados com molho de ostra, picles de cebola roxa e maionese de vinho branco. Tudo dentro de um p�o de brioche.
A versatilidade do pirarucu fica evidente ao ver a lista de receitas dos chefs participantes. O peixe aparece cozido, empanado, grelhado, ensopado e cru, em forma de ceviche. Um dos preparos chama a aten��o por fugir completamente do comum: o sushi de barriga do restaurante A Casa da Agnes.
Sushi de barriga
A chef Agnes Farkasv�lgyi teve a ideia de curar a barriga por tr�s dias com caf�, sal e a��car. Depois, cozinha no sous vide, corta em fatias finas e serve como um sushi, apoiado em arroz japon�s e enrolado com cebolinha. Ao lado est� o lombo cozido a baixa temperatura com tucupi e manteiga de garrafa. Enrolado em uma folha de taioba, o peixe passa rapidamente pelo forno.
“Quis trabalhar o pirarucu com dois processos distintos para mostrar que existem v�rias possibilidades. No mesmo prato voc� encontra o lombo extremamente macio, alto como bacalhau, e a barriga curada em formato de sushi.”
Apaixonada por Bel�m do Par�, Agnes fez quest�o de usar outro ingrediente amaz�nico e escolheu o tucupi. O l�quido extra�do da mandioca-brava entra no processo de cozimento do lombo e tamb�m se transforma em uma espuma servida como acompanhamento. Al�m disso, o tucupi negro � usado para regar o sushi. Com sabor salgado e marcante, � um �timo substituto para o molho shoyu.
Transforma��o para todos
Iniciado h� 20 anos, o manejo sustent�vel do pirarucu tem transformado a vida de comunidades que vivem �s margens dos rios na Amaz�nia. Com a pesca controlada e o consequente aumento da quantidade de peixes, percebeu-se que era poss�vel gerar renda para essas fam�lias. Mas Manoel Cosme Siqueira, presidente da Associa��o dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), cidade banhada pelo rio Juru�, refor�a que a pr�tica n�o tem apenas um ganho econ�mico.

“Talvez essa seja a parte menos importante. O manejo tem a for�a de garantir a prote��o do meio ambiente, do pirarucu e de outras esp�cies que v�o alimentar as comunidades. Motiva muito mais pelo lado cultural e social”, destaca. Segundo Manoelzinho, a pr�tica vem ganhando mais for�a e adeptos, unindo comunidades que se tornam defensoras da floresta com um trabalho cont�nuo ao longo do ano.
Em 2021, a Asproc comprou cerca de 300 toneladas de pirarucu de v�rias regi�es. Para o pr�ximo ano, prevendo um consumo crescente, est� buscando outras �reas para aumentar esse volume. “Temos muito orgulho de conseguir, com toda a nossa experi�ncia, levar o peixe para todas as �reas do Brasil. � um trabalho que leva tempo e dedica��o, mas vale a pena quando vemos os resultados.”
S�rgio Abdon entrou nessa hist�ria quando a Asproc procurou o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), onde ele trabalha como consultor, em 2019. As comunidades estavam com volume excedente de pirarucu e queriam abrir mercado fora de Manaus.
Produto fresco
Assim que saem da �gua, os peixes s�o eviscerados e passam para o barco de gelo, onde ficam at� partir para o frigor�fico em Manaus. L�, s�o processados, porcionados, congelados e distribu�dos pelo Brasil. “A chef Roberta Sudbrack foi uma das escolhidas para fazer testes com o produto, mas estava resistente porque s� trabalha com peixe fresco. Depois ela disse: ‘Quebrei a cara, porque a qualidade � de produto fresco’”, conta Abdon. Isso se deve ao investimento em infraestrutura e m�o de obra.
O plano � levar o festival para outras capitais (Recife ser� a pr�xima) e, por onde passar, formar uma rede de restaurantes que apoiam a conserva��o da Amaz�nia. “Nas cidades onde j� fizemos o festival, 60% dos restaurantes mant�m o pirarucu no card�pio”, contabiliza. Tanto que, em tr�s anos de divulga��o, a demanda saltou de nove para 73 toneladas.

Para muitos chefs, o pirarucu � novidade. Marise Rache, do D’Artagnan, usou o peixe pela primeira vez e ficou encantada. “Ele tem sabor delicado, mas n�o � sem gra�a, possibilita in�meras prepara��es, al�m de ser brasileir�ssimo, sustent�vel e impulsiona a economia local”, resume. O restaurante vai servir pirarucu grelhado ao melado de cana, lim�o e gengibre com palmito pupunha em tiras na manteiga de garrafa e ervas. Prato que ela diz ser simples, mas surpreendente ao paladar.
No comando do Bitaca Capetinga, Guilherme Lopes tamb�m foi apresentado recentemente ao pirarucu selvagem e escolheu trabalhar com a barriga para criar um petisco. “Ela traz mais sabor e sucul�ncia”, justifica. A carne � cortada em cubinhos, temperada com sal, pimenta e raspas de lim�o e empanada na farinha d'�gua do Par�. Para acompanhar, aioli de a�a� e brotos de coentro.
Pirarucu grelhado, legumes tostados, pur� de acerola, aioli de piment�o vermelho, salada de feij�o branco e farofa de castanhas (Omil�a Restaurante)
Ingredientes
3kg de lombo de pirarucu cortado em peda�os de 200g; 50g de sal grosso; 5g de noz-moscada; 5g de pimenta-do-reino branca mo�da; raspas de 1 lim�o taiti; 6 cabe�as de alho cortadas ao meio longitudinalmente; 6 cebolas sem casca cortadas ao meio longitudinalmente; 1 ramo de alecrim; 2 ramos de tomilho; 1 ma�o de coentro; 4 cenouras picadas em cubos; 100g de manteiga; 100ml de azeite; 2kg de batata-doce descascada e picada; 400g de acerola fresca ou congelada; 400g de manteiga; 2 piment�es vermelhos; 300g de feij�o branco; 2 cebolas; 2 tomates; 50ml de chimichurri hidratado em azeite; salsa picada a gosto; 250g de castanha-do-par� quebrada; 250g de castanha-de-caju quebrada; 500g de farinha panko; 200g de farinha de mandioca; 200g
de manteiga; pimenta-do-reino, sal
e p�prica picante a gosto
Modo de fazer
Em uma assadeira, tempere os peda�os do peixe com sal grosso, noz-moscada, pimenta-do-reino branca e raspas de lim�o. Em outra assadeira, coloque o alho, cebola, alecrim, tomilho, coentro, cenoura manteiga e azeite. Leve ao forno preaquecido a 220 graus por 20 minutos, ou at� dourar os legumes. Reserve. Na assadeira onde est� o peixe, coloque 3,5l de azeite, ou o suficiente para cobrir o pirarucu. Junte os legumes tostados. Confite em forno brando (160 graus) por 40 minutos. Reserve. Bata a acerola com �gua. Coe e ferva at� que reduza a um caldo mais grosso. Cozinhe a batata-doce at� que possa ser amassada por um garfo. Processe a batata-doce em liquidificador ou mixer, agregando a manteiga e o suco reduzido de acerola. Leve em fogo brando, mexendo sempre. Tempere a gosto. Pincele o azeite por toda a superf�cie do piment�o e grelhe na brasa at� que fique com a apar�ncia de “queimado”. Deixe esfriar e retire a pele e as sementes. Retire a casca de duas cabe�as de alho do confit e bata com a polpa do piment�o. Em seguida, agregue o azeite do confit aos poucos at� chegar a uma textura de molho espesso. Reserve. Cozinhe o feij�o branco por cerca de 40 minutos (o suficiente para ficar al dente). Reserve. Grelhe na brasa a cebola e o tomate at� que fiquem com a apar�ncia de “queimados”. Repique em peda�os bem pequenos. Misture o feij�o cozido, os legumes e tempere com o chimichurri e a salsa. Em uma frigideira, toste as castanhas com a manteiga. Agregue a farinha panko e a farinha de mandioca. Tempere a gosto, mexendo sempre para torrar a farofa. Quanto mais torrada, mais crocante ela ficar�. Na hora de servir, grelhe o peixe na brasa, pincelando com o pr�prio azeite da coc��o.
Servi�o
Festival Gosto da Amaz�niaDe 25 de mar�o a 10 de abril
Confira a lista completa dos estabelecimentos participantes e seus pratos em www.gostodaamazonia.com.br/festival