
O que servir em um lugar com 300 anos de hist�ria? Essa pergunta foi o ponto de partida para a cria��o do projeto Prim�rdios da Cozinha Mineira, que mapeia a gastronomia do estado atrav�s de antigos h�bitos, produtos, t�cnicas e receitas. Nesta nova etapa, o foco tem sido desenvolver pesquisas em cada cidade.
“A cozinha mineira vive do resgate, de manter viva sua mem�ria, de transformar o passado em presente e futuro”, aponta a pesquisadora do Senac Minas, Vani Pedrosa.
Na �poca em que se fez aquela pergunta, Vani havia sido convidada para criar o card�pio do Santu�rio Nossa Senhora da Piedade, em Caet�, na Grande BH. Como n�o queria servir qualquer comida, fez pesquisas na biblioteca de Frei Ros�rio, que dedicou sua vida religiosa � prote��o daquele espa�o, e encontrou pistas do que era consumido nos s�culos passados.
O card�pio resgatava receitas que estavam documentadas. Entre elas, sopa de banana verde, frango cheio (recheado com farofa de torresmo), queij�o (pudim feito com doce de leite), rapadura de banana e caf� de amendoim.
“� como se fosse um chocolate quente, mas, no lugar do cacau, colocavam amendoim mo�do e bastante canela. Esquenta, � estimulante e tem um sabor muito bom”, descreve.
Mais tarde, Vani recebeu o convite para fazer o mesmo no Santu�rio do Cara�a, entre Catas Altas e Santa B�rbara. Vasculhando o rico acervo de livros e documentos, chegou a uma conclus�o que seria a base do projeto: “A forma como a alimenta��o acontecia no Cara�a coincidia com o que acontece em toda Minas Gerais: a rela��o entre quintal, cozinha, mesa e venda do excedente”, conta.
A partir da pesquisa no Cara�a, a pesquisadora, j� com o apoio do Senac Minas, definiu os nove pilares da cozinha mineira, a come�ar pela horta hist�rica. No santu�rio, foram identificadas 65 esp�cies de verduras, como laba�a, beldroega, couve e azedinha.
“Percebemos que, se cada cidade descobrisse a sua horta tradicional, isso poderia gerar um diferencial na gastronomia do estado”, aponta.
Com esse trabalho, o projeto conseguiu transformar em lei o cultivo e o uso de verduras locais em todas as escolas municipais de Santa B�rbara.

O estudo ainda identificou os pilares pomar hist�rico; farinhas, p�es e quitandas; queijaria; do�aria; bebidas alco�licas, caf� e ch�s e carnes e outros derivados de animais. Todos estavam preservados no Cara�a, exatamente como se fazia h� 250 anos.
Curiosamente, os dois �ltimos pilares ficaram evidentes durante a visita de um grupo de indianos ao santu�rio. Vani conta que eles quase n�o comeram no jantar, porque estranharam a comida, mas, no dia seguinte, quando viram o fog�o a lenha acesso, ficaram euf�ricos. Pediram farinha e �gua, amassaram o p�o, levaram a massa para assar e comeram como se estivessem em casa.
“Quando olhei aquela cena, entendi que comida � um ritual de um territ�rio. O modo de fazer, de servir e de comer reflete toda a nossa forma��o cultural, traz mem�rias e saberes locais”, destaca a pesquisadora, que acrescentou o pilar receitas tradicionais, seguido de ambiente, utens�lios e t�cnicas.
Trabalho investigativo
Definidos os pilares, foi desenvolvido um m�todo de pesquisa capaz de transformar a tradi��o local em produto, gerar renda, desenvolvimento econ�mico e promover o turismo. O trabalho come�a pela investiga��o e dura at� nove meses.
Vani n�o l� nada sobre a cidade antes de ir a campo. “Durante a pesquisa, vejo o que emerge da hist�ria do territ�rio. Isso ajuda a entender o potencial econ�mico e o que est� no desejo das pessoas.” Depois ela cruza o que coletou com a hist�ria e dados estat�sticos.

Em Brumadinho, por exemplo, os moradores falavam muito da mexerica, mas l� a produ��o maior � de tomate. No fim das contas, chegou-se � conclus�o de que os dois produtos deveriam ser trabalhados, a mexerica pela afetividade e o tomate pelo potencial agr�cola.
Na sequ�ncia, a equipe se dedica ao desenvolvimento e difus�o do produto, que pode se dar por v�rios meios. Gra�as ao estudo, a regi�o Entre Serras: da Piedade ao Cara�a, que abrange seis munic�pios, foi oficialmente reconhecida como produtora de queijo minas artesanal.
O tour pelo estado come�ou no ano passado por Diamantina, onde foram encontradas receitas como o frango caipira ao molho pardo de feij�o vermelho (lembra o original pela cor e sabor potente) e o doce de milho duro, da �poca dos escravos.
“O doce � feito com o milho que se d� para galinha, duro mesmo, com rapadura. Leva 11 horas para ficar pronto. Fica cremoso e com um sabor inacredit�vel.”
Segundo Vani, o trabalho impacta diretamente as comunidades ao mostrar que as pessoas podem se profissionalizar e desenvolver produtos que v�o levar o nome delas, da fam�lia e da cidade para o mundo.
“Uma quitandeira de Bar�o de Cocais, que faz biscoito de polvilho com a�afr�o, est� participando de um reality show e construiu a casa dela. Isso d� valor ao ser humano e � o que mais me comove.”

Pensando no ganho para o estado, como um todo, a pesquisadora destaca a import�ncia de entender o que � o patrim�nio da cozinha mineira e encontrar formas de replicar esses saberes.
Oito munic�pios s�o atendidos por ano, cada um com at� quatro produtos. Tiradentes e Nova Lima j� est�o confirmados para 2023.
A pr�xima etapa do projeto, prevista para come�ar no ano que vem, ser� catalogar e sistematizar t�cnicas da cozinha mineira, como o modo de tirar os espinhos do cacto para us�-lo como legume, identificado em Diamantina.