
Imagina o tanto de hist�rias que ele tem para contar. Ivo Faria � o �nico chef que participou de todas as edi��es do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes. J� foi curador, abriu as portas do seu restaurante Vecchio Sogno, em Belo Horizonte, para dar suporte aos chefs de fora e, claro, cozinhou para o p�blico. Na pr�xima edi��o, o jantar ser� com Juliana Ferreira, do Gourmeco. Nesta entrevista, Ivo relembra momentos marcantes e avisa que vai continuar a participar “enquanto estiver vivo”.
Quais s�o as suas lembran�as da primeira edi��o?
A princ�pio, n�o queria participar. Tiradentes era uma cidade apagada. N�o era forte no mapa tur�stico do Brasil. Cheguei um dia antes para executar as receitas e a cozinha ainda estava em constru��o. N�o tinha onde guardar as mercadorias. N�o encontrei nem uma viva alma naquela pra�a de Tiradentes. Todos os com�rcios estavam fechados, n�o abriam durante a semana. Gente, o que vim fazer aqui? Olhei para um lado, olhei para o outro e comecei a entrar em desespero. S� fui entrar na cozinha �s 10h do dia seguinte e o almo�o era a uma da tarde. N�o tinha �gua nem g�s ligados, mas gra�as a Deus levei tudo esquematizado e foi um sucesso.
Na hora que em terminei o almo�o, fui ajudar o Veveco (o arquiteto �lvaro Mariano Teixeira Hardy), um dos cozinheiros amadores que participou do primeiro festival e o chef franc�s Cristofoli Di. Depois chegou o Emmanuel Bassoleil e o Rodrigo Fonseca, do Taste-Vin. Fomos ajudando uns aos outros at� domingo. Se n�o fosse eu fazendo a ponte entre os chefs no primeiro dia, provavelmente um dos franceses tinha abandonado o barco e ido embora. � noite, fizeram uma fogueira na pra�a e nos reunimos para tomar cerveja. E foi dessa forma que aconteceu a primeira edi��o.
O que fez voc� acreditar no festival, mesmo depois de passar por todo esse perrengue?
A cidade como um todo e o entusiasmo da pessoa que organizava, que era o Ralph Justino. Tem sempre que existir um “maluco” para fazer algo assim acontecer. Al�m disso, via um grande caminho para levar a cozinha mineira para o Brasil e o mundo. Acreditei que aquele festival poderia se tornar muito grande para todos n�s, e isso realmente aconteceu. Os chefs de fora levaram a nossa hist�ria de forma diferente para a sua cidade ou pa�s. Minas passou a ser refer�ncia em gastronomia.
De que forma o festival transformou a sua vida e a sua carreira?
O festival trouxe proje��o, n�o s� para a cidade, mas para Minas Gerais e para mim tamb�m. J� era bem conhecido, mas ainda faltava muito. O Vecchio Sogno tinha apenas dois anos de exist�ncia. Naquela �poca, o chef de cozinha no Brasil n�o era t�o reconhecido como depois dos anos 2000. O festival veio em um momento de transi��o e ajudou a consolidar meu nome. Sou muito grato.
Como foi a sua participa��o ao longo dos anos?
Fui curador por muitos anos. Era eu quem chamava a maioria dos chefs. Al�m disso, o Vecchio Sogno deu suporte, durante v�rios anos, para chefs de fora. Geralmente, quem vinha do exterior fazia o pr�-preparo no restaurante antes de partir para Tiradentes. J� recebi quatro chefs estrangeiros num fim de semana. Tamb�m coloquei dinheiro para que o festival n�o acabasse. Durante muitos anos, fui eu quem comprei as mercadorias para todos os chefs que cozinhavam no Vecchio Sogno e demorava de tr�s a quatro meses para receber de volta. Posso falar que financiei o festival para que os festins acontecessem.
O que mais marcou a sua hist�ria com o festival?
Quando recebia chefs estrelados, que vinham da Europa, e eles se assustavam com o apoio, o conhecimento e o n�vel t�cnico que eu colocava � disposi��o deles para executar todo o pr�-preparo. Tinha chef que chegava em cima da hora e eu j� estava com o mise en place pronto. Faltava o cara beijar meus p�s. Esse reconhecimento, n�o s� meu, como da minha equipe, me deixava muito satisfeito.
Ao mesmo tempo, criei uma amizade com v�rios chefs ao longo desses anos e eles me respeitam muito. J� tive o grande prazer de estar com o chef executivo do Museu do Louvre e com o chef do Nicolas Sarkozy (ex-presidente da Fran�a) na �poca, que � meu amigo at� hoje. Conheci aqui o Christian Le Squer, chef franc�s tr�s estrelas Michelin, e me encontrei com ele duas vezes na Fran�a. Falo at� hoje com o Cristian Bertol, duas estrelas Michelin. Ele era jovem quando veio a Tiradentes e hoje � super respeitado na It�lia.
Como voc� enxerga a evolu��o da cena gastron�mica da cidade?
Tiradentes � um exemplo de evolu��o. Quem viu Tiradentes anos atr�s sabe. Quando chegamos l�, encontramos uma comida de raiz de alt�ssimo n�vel, mas os gar�ons vinham atender com a roupa que tinham em casa e o conhecimento t�cnico era quase nenhum. A evolu��o da cidade foi crescente, porque as pessoas acreditaram no turismo e investiram na oferta de bons servi�os, boas lojas e bons restaurantes. At� hoje Tiradentes � uma cidade em constante movimento e est� de parab�ns pelo que entrega.
Como foi receber o convite para cozinhar em um dos festins deste ano?
Os festins este ano v�o ser um momento de celebra��o. N�o � todo dia que um evento completa 25 anos, faz bodas de prata. Para mim, que participou de todos as etapas, � motivo de orgulho e felicidade.
O que voc� vai cozinhar?
Vou servir uma cozinha mineira revisitada: salada de jil� com sorbet de mexerica e gengibre e braseado de cabrito com farofa de biju com castanhas do cerrado, vinagrete de banana e vegetais do quintal. Essa segunda receita fiz na pimeira edi��o, s� que com cordeiro. Foi um prato maravilhoso.
Qual � a sua expectativa para o reencontro com p�blico de Tiradentes depois de pandemia e de fechar o Vecchio Sogno?
A minha expectativa � a melhor poss�vel. Quando come�aram a divulgar o festival, recebi v�rias mensagens de outros chefs que j� vieram a Tiradentes. At� o Cristian Bertol fez uma postagem lembrando a sua participa��o. Hoje ele � um astro na It�lia, tem duas estrelas Michelin e participa de um programa de TV. Pelo que estou ouvindo de amigos, clientes e alunos, vamos receber muita gente de BH. O belo-horizontino est� �vido por este tipo de evento.
Quando voc� pensa que participou de todas as edi��es, o que sente?
� uma honra. Nunca quis deixar de participar, cozinhando nos jantares ou como suporte no Vecchio Sogno. Sinto sempre muita satisfa��o, principalmente porque sabemos que hoje o Festival de Tiradentes � admirado por chefs do Brasil e do mundo inteiro.
Voc� se imagina participando do festival por muito mais tempo?
Enquanto estiver vivo. N�o posso deix�-lo de lado. Festival vem de festa, ent�o vamos festejar.
N�o posso deixar de perguntar: voc� vai abrir outro restaurante?
J� est� tudo esquematizado para ter uma novidade at� o fim do ano, mas n�o � um restaurante. Vou abrir o Instituto Ivo Faria.