Fil�sofa Sueli Carneiro recebe t�tulo de doutora honoris causa
Considerada uma das principais autoras do feminismo no Brasil, fil�sofa e escritora � a primeira mulher negra a receber o t�tulo na Universidade de Bras�lia
Sueli Carneiro � a primeira mulher negra a receber o diploma de doutora Honoris Causa (foto: Minervino J�nior/CB/D.A.Press)
Aos 72 anos e figurando entre as principais autoras do feminismo brasileiro, a fil�sofa, escritora e ativista antirracismo Sueli Carneiro entra para a hist�ria da Universidade de Bras�lia (UnB) como a primeira mulher negra a receber o t�tulo de doutora honoris causa. A cerim�nia ocorreu na tarde desta quarta-feira (21), no audit�rio Esperan�a Garcia, da Faculdade de Direito, e contou com presen�a maci�a de estudantes, amigos e representantes de movimentos negros do Distrito Federal.
Mais que uma cerim�nia de entrega de t�tulo, o evento foi uma festa. Acompanhadas do violonista Amilcar Pare, as sambistas Tresa Lopes e Cris Pereira executaram sambas de primeira que esquentaram ainda mais o audit�rio quente e lotado, levantando. Em peso, a plateia cantou e dan�ou. Foram momentos intercalados por muita emo��o e celebra��o. Sobretudo � M�e �frica e seus santos.
O t�tulo foi entregue pela reitora M�rcia Abrah�o, que destacou a trajet�ria de luta de Sueli e o pioneirismo que sempre pautou a hist�ria da institui��o.
Em seu discurso, Sueli Carneiro destacou sua trajet�ria e luta pela resist�ncia, pautada por sonhos libert�rios e tamb�m o pioneirismo da UnB como a primeira universidade federal a reservar 20% das vagas para estudantes negros, em 2003 no marco institucional de um Plano de Metas para Integra��o Social, �tnica e Racial desta Universidade. “O sistema foi implementado mudando significativamente o perfil do campus, com a inclus�o de mais de 30 mil estudantes por meio das cotas raciais”, disse.
“� um t�tulo que recebo com a humildade de quem o compreende como o reconhecimento da justeza das lutas de mulheres e homens negros que clamam por um novo pacto civilizat�rio que desaloje os privil�gios consagrados de g�nero e ra�a que o experimento colonial forjou em todas as dimens�es da vida social”, afirmou. “Significa o reconhecimento da legitimidade desses discursos e atos que protagonizamos, produzidos por l�grimas insubmissas. � o reconhecimento dessa escreviv�ncia, que 'n�o � para adormecer os da casa grande, e sim para incomod�-los em seus sonhos injustos', como apontou nossa magistral escritora Concei��o Evaristo”, completou.
A reitora M�rcia Abrah�o — que lembrou ser filha de negro e, por isso, se viu obrigada a passar a vida explicando que o pai n�o era motorista da fam�lia —, destacou a trajet�ria inovadora da universidade e observou que a mesma honraria foi concedida neste ano ao escritor, fil�sofo, poeta e ambientalista Ailton Krenak, primeiro ind�gena a receber a honraria da universidade. “N�s, da UnB, temos o orgulho de honrar a nossa hist�ria, os princ�pios de ser uma universidade inovadora, transformadora e � frente do seu tempo. Por isso, fomos pioneiros nas cotas raciais e em diversas a��es no �mbito das universidades brasileiras”, disse.
“� uma honra para a Universidade de Bras�lia e tamb�m para mim, como a primeira reitora da institui��o, conceder esse t�tulo � primeira mulher negra, no ano em que a universidade faz 60 anos, e que Darcy Ribeiro faria 100 anos. � mais uma comprova��o de que a UnB est� � frente do seu tempo, uma universidade de resist�ncia, que luta pela democracia. Espermos que a doutotra Sueli Carneiro continue fazendo outras 'Suelis Carneiros' daqui pra frente.”
A cerim�nia foi aberta pela professora Ana Fl�via Magalh�es, do Instituto de Ci�ncias, e pelo professor do Departamento de Filosofia, Wanderson Nascimento, que figuram entre os que propuseram e torceram para que o t�tulo fosse entregue a Sueli Carneiro.
“Ela integra a gera��o de mulheres negras e homens negros que nomeou, descreveu, analisou e deslegitimou publicamente o dispositivo que por muito tempo autorizou a viola��o da humanidade e da cidadania de africanos e seus descendentes neste pa�s: o mito da democracia racial. Este, certamente, foi o mais importante acerto de contas com a nossa experi�ncia nacional que vivemos desde a segunda metade do s�culo vinte. Um feito cujos resultados t�m impactado a maneira como o povo brasileiro enxerga a si mesmo”, disse Ana Fl�via.
“Nossa homenageada pertence a uma gera��o de mulheres negras que, al�m de lutarem diuturnamente para o enfrentamento das m�ltiplas formas de opress�o, guiadas pelo racismo e o sexismo, atingindo as popula��es racializadas”, destacou Nascimento. “Sueli abriu caminhos s�lidos para a constru��o de mudos opressivos. Cabe-nos, agora, honr�-la e honrar esses caminhos, fazendo deles nossos, caminhando por eles e aprendendo a, coletivamente, construir outros caminhos na busca de um mundo mais justo.”
At� ent�o, a UnB havia outorgados 66 t�tulos de professor e doutor honoris causa. Do total, somente 7 mulheres foram agraciadas, todas vistas como brancas; al�m de 3 homens negros.
Professora e ativista da UnB Suely Carneiro foi homenageada com o t�tulo de Doutora Honoris Causa (foto: Minervino J�nior/CB/D.A.Press)
“Luta para n�s � verbo”
Em entrevista exclusiva ao Correio, Sueli Carneiro fala sobre a homenagem, que estendeu � todas as mulheres militantes da causa, o retrocesso vivido nos �ltimos quatro anos na condu��o das pol�ticas de equidade racial, tece considera��es sobre os dez anos da lei de cotas e tamb�m sobre a pr�tica de crimes de racismo ainda vigente no pa�s. “Luta para n�s � verbo”, afirma, prevendo que no pr�ximo mandato legislativo, com o n�mero recorde registrado de candidatas negras, os parlamentos ser�o ocupados por quilombos. “Faremos Palmares de novo”, afirma a fundadora e atual diretora do Geled�s — Instituto da Mulher Negra.
O que representa para a senhora sera primeira mulher negra a receber esse t�tulo?
Essa homenagem se estende a um com junto de mulheres que, historicamente, fizeram a diferen�a para a comunidade de negras no Brasil, que fizeram a diferen�a para a produ��o de conhecimento da nossa comunidade, na resist�ncia que o povo negro empreende nesse pa�s, apesar de toda a opress�o que padece. Recebo em nome de todas as mulheres valorosa que me antecederam, como L�lia Gonz�lez, Beatriz Nascimento, Thereza Santos, Luiza Bairros, para nomear algumas que eu tive o privil�gio de conhecer, de militar junto com elas, que foram minhas companheiras de luta. Recebo essa homenagem em nome de cada uma delas, de todas elas, porque eu sou o resultado de luta de todas essas mulheres, assim de tantas outras que n�o pude nomear.
Como a senhora avalia a condu��o atual das pol�ticas para a promo��o da equidade racial para popula��o negra no pa�s?
� um desafio permanente. Sofremos um violento retrocesso nos �ltimos quatro anos, mas estamos aqui, em riste, em forma, para voltar a lutar, confiantes que estamos, que a ambi�ncia democr�tica indispens�vel para fazer avan�ar as nossas lutas ser� restaurada no pr�ximo dia 2 ou em qualquer outro dia de outubro. Estamos confiantes que ser� restabelecido o patamar m�nimo democr�tico indispens�vel para que possamos pautar as nossas demandas, especialmente de pol�ticas p�blicas, de promo��o da equidade de g�nero e de ra�a.
Qual a an�lise que a senhora faz desses dez anos de pol�tica de inclus�o?
Excetuando esse per�odo de retrocessos, s� a pol�tica de cotas, que foi implementada nos �ltimos dez anos mostra a justeza dessa luta, a justeza da reivindica��o que nos animou a buscar essa pol�tica. Os resultados dela s�o os mais exitosos poss�veis. Nos enche de orgulho a mudan�a qualitativa que os c�mpus universit�rios sofreram a partir da lei de cotas.
Apesar desses avan�os, ainda persistem e se agravam os crimes de racismo em todo o pa�s. O que deve ser feito para frear essa viol�ncia hist�rica?
Vamos lutar. Luta para n�s � verbo, j� disse isso um milh�o de vezes. � disso que se trata. O avan�o da nossa luta depende do avan�o da nossa capacidade organizativa, depende da nossa capacidade de mobiliza��o, depende da nossa incid�ncia pol�tica e da nossa capacidade de pautar a nossa agenda de pol�ticas p�blicas ao Estado brasileiro. Vamos lutar.
Nessas elei��es foi registrado n�mero recorde de candidatas negras. Seria um reflexo dessas mobiliza��es?
� a evid�ncia de que estamos com toda a disposi��o de disputar a pol�tica institucional. Estamos apresentando candidaturas confiantes que faremos Palmares de novo, ou seja, faremos quilombos nos parlamentos. E isso � s� o in�cio de uma jornada de busca, de participa��o mais equitativa na pol�tica institucional.
Como a senhora avalia o ativismo negro cada vez mais presente nas redes sociais?
Tem sua import�ncia. A meninada est� fazendo o seu papel, est� cumprindo esse papel, amplificando a nossa voz. � uma polifonia importante que se espalha nas redes sociais e � produto do avan�o da consci�ncia negra, da luta negra, do antirracismo que infelizmente cresce na sociedade brasileira.
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