
H� pouco menos de um m�s no cargo de ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irm� da vereadora Marielle Franco, morta em 2018, no Rio de Janeiro, teve que enfrentar a primeira pol�mica de sua passagem pelo governo. Reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo apontaram que a sua colega de governo, a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi apoiada por milicianos investigados pelas autoridades fluminenses durante as elei��es deste ano.
Desde ent�o, Daniela Carneiro vem negando seu envolvimento com atos il�citos. Mas a suposta liga��o dela com milicianos jogou os holofotes sobre Anielle Franco. Isso ocorreu porque as investiga��es sobre a morte de sua irm� indicam que Marielle e o motorista Anderson Gomes teria o envolvimento de milicianos.
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Em entrevista � BBC News Brasil, Anielle Franco disse que ainda est� entendendo o que est� acontecendo, mas afirmou que n�o lhe cabe "julgar" a ministra do Turismo.
"N�o cabe a mim nem julg�-la, nem investig�-la em nenhum precedente antes de ela ser ministra ou n�o", disse a ministra.
Anielle tamb�m falou sobre os planos de ampliar o alcance da Lei de Cotas, que completou 10 anos em 2022. Ela disse que o tema ser� estudado e citou a possibilidade de aumentar o n�mero de vagas para cotistas em cursos de p�s-gradua��o.
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"Seja ela social ou n�o, porque a maioria da popula��o pobre � preta, a lei de cota racial tem que permanecer. Isso a gente vai defender at� o final", disse.
A ministra tamb�m disse n�o temer que manifesta��es de matriz africana em �rg�os p�blicos como as dan�as com as quais foi recebida em sua posse, no in�cio do m�s, acirram os �nimos de um pa�s polarizado.
"Se eu respeito outras religi�es, as pessoas tamb�m deveriam respeitar todas as outras religi�es", disse.
Confira os principais trechos da entrevista a seguir.
BBC News Brasil - Em seu discurso de posse, a senhora disse que vai trabalhar para fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a presen�a de jovens negros pobres nas universidades. Como a senhora pretende fazer isso com um Congresso marcadamente mais conservador que o anterior?
Franco - Tem muita coisa que a gente precisa fazer a respeito da Lei de Cotas. Eu acho que a primeira delas � esse di�logo em rela��o � pol�tica de cotas. Ela vai continuar vigente, vai continuar existindo. Mas a gente sabe que, infelizmente, dentre uma parcela da popula��o brasileira, existem muitas pessoas que acreditam que ela n�o deveria nem existir. A gente precisa fortalec�-la, primeiramente, conversando sobre ela, trazendo para dentro do minist�rio, por exemplo, uma secretaria que vai falar de pol�tica e das a��es afirmativas. Vamos ter di�logo com pessoas que pesquisam o assunto, que debatem e que tratam disso [...] No Congresso, a gente vai precisar dialogar com todos. N�o tem jeito. As cotas n�o v�o ser um assunto que vai somente contemplar pessoas que votaram no atual presidente.
BBC News Brasil - H� diversos projetos de lei no Congresso para a substitui��o das cotas raciais por cotas para estudantes que comprovem baixa renda ou algum tipo de situa��o de vulnerabilidade econ�mica ou social. A senhora concorda com esse tipo de proposta?
Franco - Eu acho que � muito dif�cil a gente separar cor, etnia, ra�a e g�nero no pa�s em que a gente vive. Mas se eu disser para voc� que concordo 100%, (a resposta �) n�o. Mas eu concordo, sim, que a gente pode discutir sobre as quest�es sociais que abrangem a lei de cotas. [...] A gente precisa fazer [essa discuss�o] porque � bem diferente voc� ter [competindo] uma pessoa que teve acesso a educa��o de base desde sempre, com escolas particulares, porque teve condi��o para aquilo ali, e pessoas que n�o tiveram acesso a isso. [...] O que n�o pode � a gente fomentar um cancelamento � Lei de Cotas. Seja ela social ou n�o, porque a maioria da popula��o pobre � preta, a lei de cota racial tem que permanecer. Isso a gente vai defender at� o final.
BBC News Brasil - A senhora teme que, de alguma forma, essa agenda possa ser revertida por esse Congresso marcadamente mais conservador?
Franco - Acho que temer alguma coisa diante do cen�rio que a gente tem hoje num pa�s t�o dividido � at� aceit�vel.

BBC News Brasil - Essas elei��es mostraram que pelo menos quase metade da popula��o brasileira composta pelos eleitores do ex-presidente Bolsonaro, aparentemente, n�o se identifica com a pauta de cotas ou as chamadas pautas identit�rias. A senhora fala hoje em ampliar essa pol�tica de cotas que, em grande medida, trouxe muitas rea��es negativas desses setores que apoiaram o ex-presidente Bolsonaro. Em um momento em que o pa�s est� t�o polarizado, apostar na amplia��o da pol�tica de cotas � prudente?
Franco - Eu acho que se a gente minimizar e dizer que, porque a pessoa votou em fulano n�o pode falar sobre cotas, eu iria estar entrando num lugar que n�o � o que eu defendo hoje [...] Muito di�logo vai ter que ser feito, com respeito, porque eu acho que existe uma parcela da popula��o que n�o pensa como eu, mas tamb�m n�o respeita como eu penso. [...] Acho que n�o ser� imposs�vel, mas eu sei que n�s teremos resist�ncia, mas a gente est� aqui pra isso.
BBC News Brasil - Por que, na sua avalia��o, a lei de cotas incomoda tanta gente no Brasil?
Franco - Honestamente? Porque quanto menos pretos estiverem em lugares de protagonismo, quanto menos pretos com entendimento do que acontece de racismo cultural no pa�s, para eles [contr�rios �s cotas], melhor [...] A gente tem um racismo muito estrutural, mas que n�o � s� estrutural no pa�s. Ele � institucional e � �bvio que quanto mais a gente tem pessoas negras que est�o galgando e chegando a espa�os de protagonismo, mais as pessoas querem fazer com que isso n�o aconte�a.
BBC News Brasil - Parte significativa da popula��o brasileira associa manifesta��es religiosas de matriz africana a entidades demon�acas ou supostos dem�nios. Na sua posse, a senhora foi recebida por tambores e houve uma dan�a de matriz africana no Pal�cio do Planalto. A senhora teme que esse tipo de manifesta��o acirre os �nimos de um pa�s que j� est� polarizado?
Franco - Acho que n�o. Eu entendo que o pa�s hoje est� muito dividido, est� muito polarizado, mas eu acho que isso passa pela quest�o do respeito. Se eu respeito outras religi�es, as pessoas tamb�m deveriam respeitar todas as outras religi�es. Naquela demonstra��o cultural, com aquelas mulheres, o afox� veio, mas ao lado dele tinha um padre, tamb�m. N�s somos criados na Igreja Cat�lica, a gente frequenta tudo aquilo que nos faz bem e eu acho que � de boa praxe a gente respeitar as pessoas que pensam diferente. Assim como eu vou � missa, assim como eu piso no terreiro, assim como as pessoas v�o � igreja, ao culto, eu acho que a gente precisa entender que, independente de em quem eu vote, a minha religi�o ou o meu voto t�m que ser respeitados.
BBC News Brasil - Durante o governo Bolsonaro, sua fam�lia foi contra a federaliza��o da investiga��o sobre a morte da sua irm�, Marielle Franco. E agora a senhora afirma que a tend�ncia � ser favor�vel. O que mudou de l� pra c�? E senhora hoje � parte do governo. Como garantir uma investiga��o imparcial sobre esse assunto, que � um assunto t�o importante, mas ao mesmo tempo politicamente t�o usado?
Franco - Ap�s a fala do Fl�vio Dino (que disse que avaliava a federaliza��o da investiga��o), ficou muita coisa no ar [...] Mas eu sei tamb�m que a fala dele tem um peso muito mais simb�lico do que simplesmente o da gente pegar e trazer isso para o �mbito federal. Por qu�? Porque a gente sabe que n�o � t�o simples assim. Existe uma investiga��o em curso. Federalizar agora significa tirar do zero e trazer pra c�. Ent�o tem que entender quanto tempo [levaria], o que isso acarreta, o que � que isso implica. Eu n�o decido pela fam�lia inteira [...] Mas eu n�o descarto nem que fique [no Rio de Janeiro] nem federalize.

BBC News Brasil - O que a senhora prefere?
Franco - Eu n�o acho que � sobre prefer�ncia. � sobre efic�cia. O que for mais eficaz, acho que � o que vai acontecer.
BBC News Brasil - Na medida em que a senhora � parte do governo, se essa investiga��o for federalizada, h� como garantir que ela vai ser, de fato, imparcial?
Franco - Acho que sim, com certeza. At� porque eu n�o sou o ministro da Justi�a. Eu vou estar apenas enquanto familiar, mesmo que compondo o governo. E eu tenho que acreditar tanto em quem est� hoje com o caso, quanto acreditar nas m�os de quem vier a receb�-lo. A gente est� h� cinco anos com o caso passando de m�o em m�o e eu estou dando credibilidade de que a gente vai ter uma resposta.
BBC News Brasil - Uma das suspeitas � de que Anderson e sua irm� teriam sido mortos por milicianos do Rio de Janeiro. Nos �ltimos dias, surgiram ind�cios de que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi apoiada por milicianos. A senhora se sente constrangida em fazer parte da mesma equipe de governo de algu�m supostamente apoiar milicianos?
Franco - Eu n�o nomeei a Daniela e eu nunca tive contato com a Daniela antes de estar compondo o mesmo governo com ela. Mas respeito muito tanto o presidente Lula quanto a trajet�ria da Daniela. N�o posso nem dizer que eu me sinto desconfort�vel ou confort�vel. Ainda estou entendendo um pouco do que est� acontecendo. J� houve associa��es, por exemplo, de uma foto minha com a Daniela em uma das posses[de ministros e ministras]. Ela � uma pessoa que me trata educadamente. � uma pessoa que est� compondo o governo comigo. N�o cabe a mim nem julg�-la, nem investig�-la em nenhum precedente antes de ela ser ministra ou n�o [...] � como muito bem disse o presidente Lula: se houver algu�m dentro do governo que vai agir de forma ilegal ou de forma que ele n�o concorde, ele mesmo vai pedir para se retirar. Como n�o cabe a mim, eu respeito a posi��o dele e respeito tamb�m o fato de as pessoas poderem falar. Falam de mim e falam de todos. Mas at� que se prove o contr�rio, eu n�o tenho muito o que dizer contra ela e nem contra o fato de ela estar no governo.
BBC News Brasil - A senhora � a favor ou contra a perman�ncia dela no governo?
Franco - De novo: n�o sou que nomeio e n�o sou eu que retiro. Eu acho que isso cabe ao presidente.