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Estado de Minas ANOS DE EXPECTATIVA

'N�o � esmola, � repara��o hist�rica': os quilombolas visitados por Lula em campanha que esperam demarca��o h� 18 anos

De acordo com o IBGE, 87,41% dos quilombolas vivem em territ�rios ainda n�o oficialmente titulados


27/07/2023 10:44 - atualizado 27/07/2023 11:40
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Manifestação cultural no quilombo Arturos
Manifesta��o cultural no quilombo Arturos (foto: Acervo Quilombo Arturos)

Durante a campanha eleitoral de 2022, o ent�o candidato e agora presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) visitou um quilombo no interior de Minas Gerais e postou foto em que ele e a agora primeira-dama aparecem sorridentes ao lado de integrantes da comunidade.

Em junho, Lula voltou a falar deste quilombo, quando lan�ou o Plano Safra para Agricultura Familiar, no Pal�cio do Planalto. O presidente mencionou visita durante mandato anterior.

"Quando era presidente, a gente reconheceu um quilombo na cidade de Contagem. Eu fui l� o ano passado. Esse quilombo n�o foi legalizado ainda. (...) passaram 15 anos e a gente n�o conseguiu legalizar”, disse Lula.

Arturos, o quilombo que ficou na mem�ria de Lula, foi criado h� cerca de 133 anos. Ele � considerado uma das comunidades originais do pa�s e reconhecido como Patrim�nio Imaterial pelo Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha-MG).

Hoje, vivem naquela propriedade coletiva e no seu entorno 180 fam�lias, em um total de 700 pessoas, com uma cultura e folclore pr�prios, herdados de seus ancestrais de origem africana, passando seus costumes, m�sicas, dan�as e ritos de gera��o em gera��o.

Eles aguardam, h� quase duas d�cadas, a regulariza��o fundi�ria oficial — que os l�deres argumentam que protegeria os quilombolas, por exemplo, de perder as terras para outros grupos e facilitaria aplica��o de pol�ticas p�blicas no local.

A comunidade foi certificada como quilombola pela Funda��o Cultural Palmares em 2004 — o primeiro passo no processo de titula��o.

A etapa seguinte geralmente � ter um processo aberto no Incra (Instituto Nacional de Coloniza��o e Reforma Agr�ria), o principal �rg�o que gere esse processo, embora outros, como o Minist�rio P�blico Federal, possam estar envolvidos.

No Incra, os passos incluem a Elabora��o do Relat�rio T�cnico de Identifica��o e Delimita��o (RTDI), publica��o desse relat�rio, homologa��o pelo governo (reconhecimento do territ�rio como quilombola pelo poder federal), desapropria��o (tirar outros grupos da terra quando necess�rio), e por fim, a chamada regulariza��o fundi�ria.

Para os Arturos, o processo s� come�ou de fato no ano seguinte da certifica��o pela Funda��o Cultural Palmares, em 2005. Hoje, 18 anos mais tarde, � considerada a principal reivindica��o da comunidade, e, segundo o Incra, n�o � poss�vel saber quando e se esse processo ser� conclu�do.

O gestor da associa��o que administra o quilombo Arturos e um dos articuladores da campanha pela titula��o, Jo�o Pio de Souza, de 59 anos, cobrou agilidade do presidente.

“Estamos sofrendo especula��o imobili�ria e queremos nosso direito de preservar a sobreviv�ncia e tradi��es — algumas delas que s� existem aqui. Mas o processo � burocr�tico, o que � correto, mas poderia ser mais r�pido. Dissemos isso ao Lula”, afirmou.

Defensores da regulariza��o de terras apontam que ela � fundamental para a garantia de direitos �s comunidades quilombolas j� previstas na Constitui��o e que representam uma seguran�a para as comunidades.

Cr�ticos das demarca��es dizem que elas podem violar direito � propriedade privada ou ter um suposto impacto negativo no desenvolvimento econ�mico e disputas territoriais com outros grupos.


Lula em visita ao quilombo Arturos, em Contagem, Minas Gerais
Lula em visita ao quilombo Arturos, em Contagem (MG) (foto: Ricardo Stuckert/Presid�ncia da Rep�blica)

1,3 milh�o de quilombolas no Brasil

A situa��o dos Arturos n�o � incomum. De acordo com o IBGE, existem atualmente 494 territ�rios quilombolas oficialmente delimitados e 4.859 comunidades fora de terras oficialmente delimitadas. Este n�mero, quase dez vezes maior, est� em revis�o, a partir de dados coletados recentemente.

Apesar desta contagem, uma d�vida persistia sobre essa popula��o. N�o havia at� agora estimativas oficiais de quantos quilombolas vivem no Brasil.

Isso mudou com a divulga��o pelo IBGE nesta quinta-feira (27/8) de parte dos resultados iniciais do Censo 2022, o primeiro a contar os quilombolas na hist�ria do pa�s.


mapa mostra onde estão os quilombolas no Brasil
(foto: BBC)

H� mais de 1,3 milh�o de pessoas autodeclaradas quilombolas no Brasil, segundo esses dados.

Quase nove em cada dez quilombolas (87,4%) vivem em territ�rios ainda n�o oficialmente titulados, como o quilombo Arturos, enquanto s� 12,6% est�o em territ�rios delimitados.


gráfico mostra concentração de quilombolas dentro e fora de terras demarcadas oficialmente
(foto: BBC)

Marta Antunes, respons�vel pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, diz que os resultados do Censo superaram as expectativas dos pesquisadores. Eles antes baseavam seus conhecimentos apenas em registros administrativos do Cadastro �nico e os dados de vacina��o quilombola do DataSUS, explica Antunes.

As informa��es do IBGE mostram, por exemplo, que a regi�o Nordeste concentra mais de dois ter�os desta popula��o (veja mais detalhes abaixo).

Que ali estivesse boa parte dos quilombolas j� era esperado pelos pesquisadores, por�m o �ndice de mais de 60% chamou aten��o dos especialistas ouvidos pela reportagem.

Surpreendeu, ainda, a exist�ncia de 55 munic�pios com mais de 5 mil quilombolas e a presen�a deles em 1.696 do total de 5.568 munic�pios do pa�s, diz Antunes.


Uma tradicional cerimônia do Bumba Meu Boi no quilombo Imbiral, no município de Pedro do Rosário (MA), em 20 de novembro de 2014.
Uma tradicional cerim�nia do Bumba Meu Boi no quilombo Imbiral, no munic�pio de Pedro do Ros�rio (MA), em 20 de novembro de 2014 (foto: Getty Images)

'N�o � esmola, � repara��o hist�rica'

Os Arturos comp�em um grupo familiar que descende de Camilo Silv�rio da Silva, que chegou ao Rio de Janeiro em um navio negreiro vindo de Angola em meados do s�culo 19.

Logo ap�s a chegada, Camilo foi enviado a Minas Gerais para trabalhar num povoado situado na Mata do Macuco, antigo munic�pio de Santa Quit�ria, hoje Esmeraldas. L�, trabalhou nas minas e como tropeiro nas lavouras. Casou-se com a escrava alforriada Felismiba Rita C�ndida, com quem teve seis filhos.

Entre os irm�os, Artur Camilo Silv�rio foi o que mais prosperou. Nasceu em 1885, �poca da Lei do Ventre Livre, que determinou que os beb�s de mulheres escravizadas n�o teriam o mesmo destino que elas, e casou-se com Carmelinda Maria da Silva.

O casal teve 10 filhos e se estabeleceu em Contagem, na localidade conhecida ent�o conhecida como Domingos Pereira, onde adquiriram a propriedade na qual ainda vivem seus descendentes.

“Um peda�o de terra, para boa parte do Brasil, � para gerar riqueza, para p�r no mercado. Para n�s, � sobreviv�ncia e cultura. A titula��o n�o � um pedido de esmola para o Estado — � nosso direito e uma repara��o hist�rica por todos os anos de escravid�o”, diz Jo�o Pio, que al�m de articulador da comunidade, tamb�m � superintendente de Pol�tica para a Promo��o da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Contagem.

O Incra disse � BBC News Brasil que o processo de regulariza��o da Comunidade Quilombola dos Arturos est� em fase de elabora��o do Relat�rio T�cnico de Identifica��o e Delimita��o (RTID).

“Trata-se do levantamento de informa��es cartogr�ficas, fundi�rias, agron�micas, socioecon�micas, ambientais, hist�ricas, etnogr�ficas e antropol�gicas, que s�o obtidas em campo, com a comunidade e com outras institui��es p�blicas e privadas. O relat�rio tem como objetivo identificar os limites de cada territ�rio.”

A autarquia afirmou, ainda, que n�o � poss�vel definir o tempo m�dio para concluir processos desta natureza.

“A atividade � complexa, composta por v�rias etapas, e depende de informa��es de terceiros — particulares e p�blicos”, disse em nota, reiterando que o processo de identifica��o e a regulariza��o fundi�ria n�o � compet�ncia exclusiva do Incra, mas tamb�m envolve Uni�o, Distrito Federal, dos estados e dos munic�pios.


Celebração religiosa no quilombo Itamatatiua, em Alcântara, no Maranhão
Celebra��o religiosa no quilombo Itamatatiua, em Alc�ntara, no Maranh�o. Considerando os territ�rios oficialmente delimitados, Alc�ntara possui a maior propor��o de pessoas quilombolas por munic�pio (foto: Getty Images)

Um processo 'tortuoso e longo'

A regulariza��o de terras, avalia Milene Maia, coordenadora do Programa de Pol�tica e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), � fundamental para a garantia de direitos �s comunidades quilombolas j� previstas na Constitui��o Federal de 1988.

“A titula��o permite uma seguran�a das comunidades em rela��o � prote��o e ao uso do seu territ�rio. Uma vez que o seu territ�rio n�o est� oficialmente reconhecido, isso possibilita conflito com terceiros que disputam essa �rea.”

Outro fator importante, lembra Jo�o Pio, � que, com a titula��o, a popula��o passa a ter gerenciamento completo do seu territ�rio, podendo escolher, por exemplo, como deseja fazer o cultivo agr�cola e como organizar as escolas dentro das comunidades.

O processo para conseguir a regulariza��o das terras, no entanto, � caracterizado por Maia como “tortuoso e longo”.

“A revis�o da instru��o normativa � urgente, inclusive � uma demanda do movimento quilombola, para que o executivo possa, em especial o Incra, revisar os passos e agilizar a parte burocr�tica. Temos mais de 1.800 processos abertos no Incra que tamb�m n�o avan�am, o que mostra como � gritante a morosidade do processo de titula��o.”

No governo anterior, o ex-presidente Jair Bolsonaro se posicionava de forma abertamente contra a titula��o de terras quilombolas.

Meses antes de ser eleito, Bolsonaro prometeu que n�o alocaria recursos financeiros � causa e se referiu a um integrante da comunidade com uma medida de peso usada para animais.

“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve l� pesava sete arrobas. Eles n�o fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve (...) Pode ter certeza que, seu eu chegar l�, n�o vai ter dinheiro para ONG (…). N�o vai ter um cent�metro demarcado para reserva ind�gena ou para quilombola”.

A promessa foi parcialmente levada em frente: seu governo emitiu apenas 12 t�tulos de terras quilombolas, a m�dia hist�rica mais baixa de 1995, segundo divulgou o Jornal da Cultura, com dados obtidos pela Lei de Acesso � Informa��o.

At� agora, com um semestre do novo governo Lula, foram contabilizadas tr�s titula��es parciais, 21 Portarias de Declara��o (um passo inicial no processo) e tr�s Relat�rios de Identifica��o e Delimita��o (RTID) de Terras Quilombolas. � o que aponta o levantamento realizado pela Comiss�o Pr�-�ndio de S�o Paulo (CPI-SP).


Criança em águas do quilombo São Raimundo, em Alcântara (MA)
Crian�a em �guas do quilombo S�o Raimundo, em Alc�ntara (MA) (foto: Getty Images)

Concentra��o no Nordeste

Na avalia��o de Fernando Damasco, gerente de Territ�rios Tradicionais e �reas Protegidas do IBGE, o conhecimento sobre a diversidade territorial pode ajudar na cria��o de pol�ticas p�blicas que atendam as necessidades diversas das diferentes comunidades.

“Esse panorama certamente permitir� o aperfei�oamento da atua��o dos �rg�os que executam pol�ticas p�blicas destinadas aos quilombolas, aumentando a efic�cia e a precis�o das a��es e o direcionamento de investimentos para melhorar as condi��es de vida dessa popula��o.”

Embora a primeira vers�o n�o conte com detalhes como renda e escolaridade desses grupos, h� informa��es in�ditas sobre seu recorte espacial.

O censo mostra que no Nordeste residem 68,19% dos quilombolas do pa�s.

A Bahia concentra 29,90% desta popula��o e o Maranh�o vem a seguir, com 20,26%. Juntos, os dois estados abrigam 50,16% da popula��o quilombola do pa�s.


gráfico mostra concentração de quilombolas por região no Brasil
(foto: BBC)

O Censo tamb�m afirma que h� pelo menos um morador quilombola em 473.970 domic�lios pelo Brasil.

Dos 5.568 munic�pios do pa�s, 1.696 tinham moradores quilombolas, mas destes, apenas 326 tinham territ�rios delimitados.

“Mapeando as popula��es quilombolas no Brasil, trazemos visibilidade e reconhecimento do Estado para essas comunidades. Isso possibilitar� a implementa��o de pol�ticas p�blicas mais eficazes em n�veis nacional, estadual e municipal”, diz Maia.


gráfico mostra concentração de quilombolas por estado no Brasil
(foto: BBC)

De acordo com a especialista, a dificuldade no enfrentamento da covid-19 mostrou qu�o prejudicial a falta de informa��es pode ser na hora de criar planos espec�ficos para comunidades origin�rias — algo que pode ser evitado com dados precisos.

Para Jo�o Pio, a expectativa � que pol�ticas p�blicas alcancem os territ�rios das comunidades tradicionais.

“Em todos os campos: sa�de, educa��o, a gera��o de renda, a pauta da agricultura familiar, que caracteriza muitas comunidades quilombolas, e da educa��o — inclusive com acesso ao ensino superior. E [o Censo] � importante sobretudo para n�s, das comunidades, que com mais conhecimento sobre os quilombos poderemos revindicar a garantia e prote��o dos nossos direitos.”


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