
Por volta dos 15 anos, assim como muitos adolescentes, Giovanna de Oliveira teve suas primeiras experi�ncias amorosas. Primeiro beijo, primeira namorada. Conseguiu at� garantir a conviv�ncia com a parceira e a fam�lia no que chamou de um "relacionamento bem adolescentezinho". Hoje, aos 21, est� em um relacionamento de quatro anos com Vitor Leite, da mesma idade.
"Quem me conhece antes de namorar o Vitor, meio que esquece que eu sou bissexual, ou ent�o pensa que foi uma fase da adolesc�ncia. E quem me conheceu depois dele, muita gente nem sabe", diz ela.
Para Giovanna, a atual situa��o traz uma mistura de conforto e inc�modo. Isso porque considera que manter um relacionamento com algu�m de outra identidade de g�nero � mais f�cil em certos pontos. A rela��o com a fam�lia � um exemplo. "Eu vejo uma diferen�a muito clara, n�o de tratamento na cara da pessoa, mas de carinho que tem pela pessoa, por exemplo."
Amigos que a conheceram ap�s o in�cio de seu namoro com Vitor ficam surpresos ao saber que ela � bissexual –alguns at� resistem em aceitar, diz.
"Muita gente acha que a Giovanna sem namorar com um homem n�o existe, que a Giovanna bissexual n�o existe mais porque hoje em dia ela namora com um homem, ent�o automaticamente ela vira h�tero."
Por parte dos familiares, esse apagamento vem em forma de al�vio. Como se a bissexualidade tivesse sido uma fase da adolesc�ncia, "solucionada" agora por um relacionamento s�rio e longo com um homem. "Sinto que, principalmente no contexto familiar, � muito mais f�cil para eles esquecerem que eu sou bi", diz Giovanna.
� como se a minha 'carteirinha bi' estivesse vencida. Sinto que n�o tem acolhimento de nenhum dos dois lados
Giovanna de Oliveira, estudante
Quando est� em ambientes seguros, principalmente ao redor de outras pessoas LGBTQIA+, a invalida��o aparece quando n�o se sente inclu�da na sigla ou no grupo. "� como se a minha ‘carteirinha bi’ estivesse vencida. Sinto que n�o tem um acolhimento de nenhum dos dois lados."
"As pessoas da comunidade LGBTQIA+ acham que bissexual s� quer divers�o e que deve ficar solteiro para se relacionar com os dois sexos", diz o produtor de eventos Eric Munir, 24.
Ele percebeu por volta dos 12 anos que se sentia atra�do por homens e mulheres. Envolveu-se primeiro com uma menina e, aos 15 anos, come�ou a namorar um garoto. "Minha m�e acabou descobrindo e me jogou na parede perguntando como eu estava namorando um cara se dois anos antes eu estava namorando uma menina", conta. "Ent�o precisei avisar que era bissexual."
Eric namorou s�rio dois homens e uma mulher. H� tr�s anos se relaciona com um homem, e a m�e entende a bissexualidade, mas outras pessoas n�o.
"Dentro da comunidade, pessoas que s�o homossexuais n�o entendem a bissexualidade. Meu namorado � homossexual e quando a gente come�ou a conversar, ele tamb�m n�o entendia muito. Ficava: 'Bissexual que quer namorar homem'?", diz Eric.
Para a professora Patr�cia Porchat, coordenadora do Programa de P�s-Gradua��o em Educa��o Sexual da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara, existe uma dificuldade de aceitar pessoas bissexuais como categoria porque elas ocupam um "lugar do meio". "At� mesmo dentro de teorias psicol�gicas, trabalham com caixinhas e categorias: hetero ou homossexual. O bi est� numa posi��o do meio, nem l�, nem c�", diz.
Segundo ela, o imagin�rio sobre bissexuais sugere que s�o pessoas confusas, mal resolvidas e que n�o souberam "escolher", al�m de relacion�-los � trai��o — como se precisassem estar sempre se relacionando com os dois sexos. "� dif�cil entender porque raramente voc� vai ver o bissexual com uma mulher e um homem ao mesmo tempo", afirma a psic�loga.
A bifobia (preconceito sofrido por pessoas que se entendem como bissexuais) se manifesta em aspectos como a hipersexualiza��o de bissexuais e a press�o para que escolham uma orienta��o sexual definitiva, dizem as pesquisadoras Beatriz Fragoso Cruz, Maria L�cia Campos Lima e Larissa Raiza Costa, em artigo publicado na revista do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM).
A pesquisa a partir de relatos de pessoas bissexuais conclui que a bissexualidade, no geral, n�o � vista com bons olhos nem por pessoas heterossexuais, nem por homossexuais.
Alexandre da Silva, 27, percebe os estere�tipos que outras pessoas carregam, mesmo dentro da comunidade LGBTQIA+, principalmente em rela��o � sua identidade de g�nero. Alexandre n�o se identifica como mulher, mas ainda est� num processo de entendimento em rela��o a ser homem ou uma pessoa n�o bin�ria. Seu relacionamento com um homem, tamb�m bissexual, completa em outubro quatro anos.
Alexandre conta que nunca sofreu ataques diretos sobre sua sexualidade, nem presencialmente, e nem na internet. Contudo, no ambiente digital, j� identificou discursos de apagamento, direcionados a pessoas bissexuais de modo geral. "Aquelas coisas de sempre. ‘Ai, voc� n�o sabe o que voc� quer, isso n�o existe’. � muito ataque, na verdade, vindo de gays", comenta.
As pessoas da comunidade LGBTQIA acham que bissexual s� quer divers�o e que deve ficar solteiro para se relacionar com os dois sexos
Eric Munir, produtor de eventos
Ver que existe essa resist�ncia mesmo dentro da comunidade pode ser preocupante, mas, para Alexandre, n�o afeta a sua viv�ncia real, o seu relacionamento ou a maneira como se enxerga.
Dentre pessoas mais novas e em intera��es reais, Alexandre sente que h� uma boa receptividade. Por�m, principalmente com pessoas mais velhas, muitas vezes sente que n�o h� boa compreens�o sobre sua identidade. "Quando eu falo que eu n�o sou mulher, eles j� ficam meio assim [relutantes], e quando eu falo que eu sou bi, eles meio que ficam com um nojo", conta.
"Fazer o qu�, n�? N�o vou me relacionar com essas pessoas de qualquer forma", diz. "Eu n�o ligo muito para o que as pessoas t�m a dizer, a n�o ser que seja algu�m que eu veja que est� disposto a me ouvir. O importante � que a gente sabe o que a gente �."