
O processo de desapropria��o das fam�lias Abreu e Hil�rio, donas das fazendas Peroba e Ferrugem, local onde foram instaladas empresas como Mannesmann, Belgo Arcelor, Ita� Power Shopping, Massas Vilma, General Eletric, Pohlig- Heckel, disputa o t�tulo de ser o mais antigo do mundo, um paquiderme que coloca em xeque a Justi�a brasileira. Apesar de j� ter decis�o favor�vel aos herdeiros – a senten�a foi dada pelo Superior Tribunal Federal (STF), ainda em 1957 – o processo empacou na fase de execu��o e nunca conseguiu sair do papel, condenado milion�rios a viver bem pr�ximos ou literalmente na mis�ria.
Agora, o processo est� pronto para ser levado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para ser apreciado pela Corte internacional. “O tempo de tramita��o deste processo no Brasil nos faz crer que judicialmente nunca ser� resolvido”, aponta o advogado especializado em direito internacional Luiz Afonso Costa de Medeiros, que tamb�m � presidente do F�rum Brasileiro de Direitos Humanos, que est� encaminhando a peti��o internacional.
Os valores que o processo envolve se tornaram tamb�m um desafio. Para se ter ideia, a cada m�s, a corre��o acrescenta cerca de R$ 20 milh�es � fatura p�blica. Levar a quest�o para julgamento internacional � a sa�da para processos que n�o encontram solu��o interna nos pa�ses. “Neste caso, o colapso do sistema judici�rio brasileiro � n�tido”, esclarece Luiz Medeiros. Desde que o processo foi transitado em julgado (a��o que n�o cabe mais recurso) em 1957, 16 governadores j� passaram pelo caso.
A cadeia sucess�ria das fam�lias Hil�rio e Abreu cresceu e hoje atinge cerca de 1,3 mil pessoas. Levantamento feito pelo esp�lio, a pedido do Estado de Minas, mostra que as primeiras gera��es n�o conseguiram aguardar pela Justi�a. Cerca de 130 herdeiros diretos morreram sem que os tribunais executassem a senten�a. Entre eles, o pr�spero agricultor Geraldo de Abreu, que depois de ter sido for�ado a sair de sua propriedade, terminou seus dias, aos 84 anos, como catador de papel nas imedia��es do Bairro Nova Su�ssa.
H� 15 anos Geov�nia Abreu vem mobilizando os herdeiros, na busca de uma solu��o. Ela j� foi � Bras�lia, j� conversou com ministros do Supremo, com desembargadores e ju�zes, mas os avan�os s�o pequenos. Seu pai morreu aos 74 anos sem alcan�ar resultados. “Desconfiamos que esse � o processo mais antigo do mundo. Pessoas est�o morrendo na mis�ria.”
Na marra
O Brasil � signat�rio do sistema internacional e por isso deve cumprir decis�es da corte interamericana (IDH). Segundo Medeiros, o processo � um caso “extraordin�rio e escandaloso” contra os direitos humanos e relativamente simples de ser resolvido porque o sistema internacional n�o ter� de discutir o direito, apenas determinar o pagamento. Ele lembra que apesar de o Brasil ser apontado com um dos grandes violadores dos direitos humanos, no caso Dami�o Ximenes Lopes, morto no sistema de sa�de ligado ao setor p�blico (primeira condena��o do pa�s na Corte IDH), o Brasil foi exemplar. “Foi por meio de decreto presidencial que a fam�lia foi indenizada.”
Advogado do caso desde 1985, Evandro Brand�o acredita que a decis�o de uma corte internacional pode causar constrangimento � Justi�a brasileira e tamb�m press�o pol�tica. Para ele, a Justi�a poderia resolver a quest�o se o modelo fosse outro. “Os recursos visivelmente protelat�rios teriam de ser imediatamente indeferidos.” O Advocacia Geraldo do Estado informou, por meio de sua assessoria, que a quest�o est� sub judice e por isso o �rg�o s� se pronunciar� no processo.
Apesar de ser dono de uma fortuna, a vida n�o foi amena para o carroceiro Chico, (Francisco de Abreu). Aos 87 anos, a sa�de � fr�gil, as m�os perderam a for�a, mas a esperan�a ainda se sustenta. Sua irm� Geni, de 81, tamb�m criou filhos sem confortos. Leontino Luiz Hil�rio, completa 86 em outubro. Depois que seu a terra de seu pai foi desapropriada, ele trabalhou na ind�stria de dia e no t�xi � noite. A aposentadoria n�o � suficiente para ajudar a filha que mora de favor em um barraco de dois c�modos. O Estado de Minas conversou tamb�m com Maria Luiza, de 92, Diolinda, de 85, Terezinha, de 80, Ismael Bernardes, e Milton Luiz, ambos de 72 anos. As frases que repetem s�o um espelho de seus sentimentos: “N�o quero nada para mim, n�o tenho mais tempo”, “queria ajudar meus filhos”, “ainda levo a m�goa da forma que nos fizeram sair.” O depoimento dos velhos herdeiros n�o move a Justi�a nem o estado.
Sa�da pode estar em acordo
Um acordo extra judicial, envolvendo o legislativo, o judici�rio, o executivo e herdeiros foi apontado como solu��o para finalizar o bilion�rio processo de 70 anos, sem precedentes na hist�ria. A a��o atual n�o discute o direito � indeniza��o, que j� � dado como certo, mas sim a quem pagar. Hoje s�o cerca de 1,3 mil herdeiros habilitados. A batalha judicial � feita de recursos entre as partes e pode se arrastar por mais outros 70 anos sem uma solu��o.
O presidente da Comiss�o de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado estadual Durval �ngelo (PT), diz acreditar em um acordo feito por meio de projeto de lei. “Quanto mais protelar o pagamento, maior se tornar� o custo do estado.”
A ju�za da 5ª Vara da Fazenda Estadual, Riza Aparecida Nery, est� acompanhando o processo h� cerca de um ano e diz que � o mais complexo que j� acompanhou. Ela tem dado prioridade ao caso, trabalhando para agilizar os julgamentos, mas aponta que a estrutura do judici�rio � pesada. Atualmente, a ju�za � respons�vel por 22 mil processos, bem acima da m�dia de um magistrado europeu que acumula em m�dia 600 processos. “O lado social da Justi�a � muito importante, me preocupo com esse processo.” A sa�da apontada por Riza Nery � o acordo. “Cedo meu gabinete para as partes e posso mandar homologar imediatamente. Para os acordos n�o cabem recursos”, explica, dizendo que o acordo entre executivo, legislativo e as partes envolvidas � legalmente poss�vel.
O advogado Evandro Brand�o n�o v� a op��o como via real. “Essa � uma utopia jur�dica. N�o existe disposi��o para isso (um acordo). A solu��o deve ser no judici�rio e a press�o internacional pode ajudar.” No caso da desapropria��o das fazendas Ferrugem e Peroba nenhum dep�sito pr�vio foi feito, na d�cada de 40, para prevenir o pagamento das fam�lias. (MC)