
Minas Gerais � o estado com maior n�mero absoluto de crian�as entre 10 e 17 anos que enfrentam o trabalho infantil dom�stico. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), com base no Censo 2010, mostram que 34.699 meninos e meninas s�o incorporados a outras fam�lias e submetidos a atividades como lavar, passar, varrer, cozinhar e cuidar de outras crian�as. De acordo com a Superintend�ncia Regional do Trabalho e Emprego de Minas Gerais (SRTE-MG), os pequenos trabalhadores, geralmente, ganham um teto para morar ou uma recompensa menor que o sal�rio m�nimo, mas perdem a inf�ncia e a oportunidade de estudar regularmente.
Essa � a realidade de Maria (nome fict�cio), de 13 anos, que recebe R$ 80 por m�s para trabalhar como bab�. Al�m de cuidar de uma crian�a de 4 anos, ela faz servi�os em casa e se divide entre as obriga��es e a escola, onde cursa a 7ª s�rie do ensino fundamental. Ela � uma das adolescentes atendidas pela Organiza��o N�o Governamental (ONG) Circo de Todo Mundo, em Betim, que resgata meninos e meninas em risco pessoal e social, por meio de atividades culturais, educativas, recreativas e circenses.
“Levo a menina para a creche todo dia �s 6h30. Depois vou para a escola. Quando chego da aula fa�o metade do servi�o de casa, lavo vasilha, arrumo, varro e passo pano. Depois vou para o circo, onde aprendo as acrobacias no tecido e trap�zio. Pego a menina na creche e fico cuidando dela at� as 17h30. Enquanto eu acabo o servi�o de casa, ela fica vendo televis�o”, conta a adolescente, que sonha em ser arquiteta.
Maria vive com a m�e e o pai e diz que os respons�veis n�o acham ruim o trabalho dela como bab�. “Minha m�e s� n�o gosta quando eu trago a menininha para minha casa e ela rabisca as paredes”, conta. Maria guarda o sal�rio no banco e, �s vezes, compra roupas e sapatos. “Para mim � normal olhar essa menina. Se eu tivesse uma irm� menor, eu tamb�m teria que cuidar”, revela.

Valdimar conta que as crian�as resgatadas t�m origem em fam�lias de baixa renda e alta vulnerabilidade social. O n�mero de meninas no trabalho dom�stico � nove vezes maior que o de meninos, mas eles tamb�m acabam envolvidos em servi�os nos s�tios e fazendas, principalmente no cuidado de animais que vivem nesses terrenos. “Aqui em Betim, os meninos ficam por conta dos cavalos e outros bichos. Eles d�o comida e levam para banho”, relata.
Joana (nome fict�cio), de 15 anos, n�o trabalha fora de casa, mas cumpre um rotina disciplinada para cuidar da irm� mais nova, de apenas 2 anos. Ela acorda �s 5h30 e adianta todo o servi�o da casa, enquanto a m�e vai para o trabalho em uma padaria do bairro. Joana cozinha, leva o almo�o para a m�e e, s� depois de entregar a irm� para a av�, fica liberada para as atividades do circo. � noite vai para escola, mas o hor�rio para os deveres de casa praticamente n�o existe. A adolescente conta com orgulho que � uma especialista em lira, acrobacia circense em que se equilibra pendurada em um bambol�.
“Eu trabalho para minha m�e, ent�o n�o ganho dinheiro. Mas de vez em quando eu arrumo o cabelo das minhas amigas e elas me pagam. Eu fa�o penteados e ganho R$ 2 ou R$ 5”, conta Joana. Funcion�rios da ONG desconfiam que a adolescente foi v�tima de viol�ncia sexual praticada pelo padrasto, que era traficante e morreu assassinado h� cerca de um m�s.
O juiz Vara C�vel da Inf�ncia e da Juventude de Belo Horizonte, Marcos Fl�vio Lucas Padula, chama a aten��o para o cuidado na diferencia��o entre explora��o infantil dom�stica e uma ajuda que a crian�a d� em casa. “A colabora��o dentro do regime familiar com tarefas dom�sticas, desde que n�o haja exagero, � considerada positiva na prepara��o da crian�a e adolescente para contribuir na sociedade. Mas esse trabalho n�o pode impedir a forma��o escolar, os momentos de lazer e divers�o”, explica.
Para o juiz, a situa��o dessas garotas que cuidam de outras meninas � muito grave. Os pais que colocam crian�as na responsabilidade de outros menores podem perder a guarda dos filhos. Mas, de acordo com Padula, aplicar san��es a essas fam�lias � muito complicado. “Essa situa��o � ocasionada, muitas vezes, por uma quest�o econ�mica, porque o pai e a m�e precisam trabalhar. Eles se veem coagidos, for�ados a adotar a situa��o para sobreviv�ncia. N�o � o ideal ficar como est�, mas temos que ter cuidado para culpabilizar”.