
O desequil�brio das contas p�blicas � mais complexo e desafiador do que faz parecer o conjunto de medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Como o governo falhou no dever de casa, al�m de gastar mais do que arrecada, gerando d�ficit fiscal, o Brasil passou a conviver com d�ficit tamb�m na conta-corrente, aquele que considera os resultados das exporta��es e importa��es, de outras transa��es e gastos com turismo no exterior. Os dois indicadores, conhecidos como d�ficit g�meos, cresceram no ano passado e podem continuar altos em 2015, na expectativa de analistas de bancos e corretoras.
Em 2013, o deficit nominal do setor p�blico – a diferen�a negativa entre receita e despesas, desconsiderando-se os juros que o governo paga sobre a d�vida do setor p�blico, ficou em 3,5% do Produto Interno Bruto (a soma da produ��o de bens e servi�os, medida pelo PIB). O saldo negativo da conta-corrente alcan�ou 3,6%. No ano passado, o resultado fiscal nominal ficou negativo e aumentou para 6,7% do PIB, enquanto o rombo na conta corrente tamb�m cresceu, ainda que em ritmo menos intenso, para 4,2% do PIB.
O governo espera reverter a situa��o deficit�ria de caixa neste ano, mas economistas ouvidos pelo Estado de Minas t�m d�vidas quanto ao cumprimento da meta. Em vez disso, preveem maior desvaloriza��o do c�mbio, que afeta as contas do pa�s relativas �s transa��es com o exterior, e press�o inflacion�ria, dificuldades que tendem a ser combatidas com eleva��o de juros por um per�odo superior ao que se imaginava. A rela��o entre esses dois itens que comp�em os d�ficits g�meos � �ntima. “N�o h� jeito. Se o governo insiste em gastar mais do que arrecada, isso vai bater nas contas externas”, explica o economista Reinaldo Gon�alves, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Responsabilidade fiscal Para o pesquisador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas (Ibre/FGV), Gabriel Leal de Barros, a eleva��o nos d�ficits g�meos � reflexo da deteriora��o r�pida das contas p�blicas no per�odo que se seguiu � crise internacional de 2008. “Esse quadro � um resumo da piora geral de todas as institui��es. Sem responsabilidade fiscal, � imposs�vel conter a infla��o”, afirma. Ele diz, ainda, que esse equil�brio foi quebrado.
“O governo deixou de se preocupar com o lado fiscal, o que levou � piora da qualidade das contas p�blicas. Agora, para corrigir isso, ou ele se endivida ainda mais ou deixa a infla��o voltar”, resume. Na avalia��o de Barros, n�o h� como garantir estabilidade econ�mica sem responsabilidade fiscal. A falta de cuidado com esse aspecto fez com que a confian�a do investidor no pa�s fosse comprometida, afastando os investimentos.
Com maior necessidade de recursos para o financiamento dos gastos do setor p�blico, buscam-se recursos no exterior. Carlos Eduardo de Freitas, presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon), afirma que o deficit em conta-corrente n�o subiu na mesma propor��o do fiscal porque uma parte da conta foi paga pela popula��o brasileira. As pessoas passaram a consumir menos produtos importados, direta ou indiretamente. “Estamos empobrecendo. Hav�amos enriquecido n�o por ter ficado mais educados, mais produtivos, ou por ter melhorado nossa infraestrutura, mas por conta da valoriza��o das commodities. Agora esse ciclo acabou”, resume.
Neste ano, o governo espera reduzir o d�ficit nominal para 2,8% do PIB e o saldo negativo em conta-corrente para o mesmo patamar de 2013. N�o ser� f�cil chegar a essa meta, alerta Barros, da FGV. Ele lembra que � grande a dificuldade pol�tica para vencer os desafios e que os problemas n�o ser�o resolvidos com a mesma prescri��o de 2003, com choque de juros. “O Brasil tem, hoje, outra complexidade, portanto a receita usada nos anos anteriores n�o ser� suficiente”, diz ele, que prev� grandes entraves para o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na tentativa de reverter a mar� ruim que atinge o pa�s. O risco aumenta com a possibilidade de racionamento de energia e de �gua, na vis�o do economista.
Financiamento Al�m do tamanho do d�ficit externo, o que preocupa � o seu financiamento. O saldo em conta-corrente ficou negativo em R$ 90,9 bilh�es no ano passado. Os investimentos externos diretos (IED), que financiam esse rombo, foram de R$ 62,5 bilh�es, uma queda de 2,5% em rela��o a 2014. A diferen�a, de R$ 28,4 bilh�es, foi coberta com dinheiro de especuladores. O problema desse tipo de capital � que ele � mais vol�til. O alto n�vel das reservas internacionais brasileiras, atualmente em US$ 372 bilh�es, � apontado pelo governo como um sinal de blindagem. Mas Gon�alves, da UFRJ, discorda de que isso represente grande conforto.
Ele chama a aten��o para o fato de que o passivo acumulado por estrangeiros no pa�s � de US$ 1,6 trilh�o. Pondera que US$ 500 bilh�es s�o ativos imobilizados por multinacionais, incluindo pr�dios e f�bricas, coisas que n�o podem ser vendidas rapidamente. “Mas o resto pode sair a qualquer momento. E n�o h� reserva que chegue”, alerta. Os d�ficits g�meos s�o um problema em si, mas tamb�m simb�lico, porque tanto o resultado fiscal negativo quanto a eleva��o da depend�ncia de recursos do exterior representam maior vulnerabilidade do pa�s.
Taxas altas exigidas no 'mercado' complicam
O especialista em contas p�blicas Felipe Salto destaca que, no caso do resultado fiscal, � mais importante observ�-lo do ponto de vista do conceito nominal do que do prim�rio. O super�vit ou d�ficit nominais espelham a necessidade de financiamento do setor p�blico, inclu�da a corre��o monet�ria e cambial de gastos e ganhos. J� o prim�rio n�o considera os encargos financeiros embutidos nessas contas. “O super�vit prim�rio � uma vari�vel incompleta. O importante � olhar para o resultado nominal. Se o prim�rio foi deficit�rio em R$ 32,5 bilh�es, o d�ficit nominal foi de 6,8% do PIB. H� um d�ficit nominal que � o resultado oficial do setor p�blico, incluindo a conta de juros, e, al�m disso, existe uma d�vida que vence em 12 meses”, afirma.
� preciso analisar todos esses indicadores, na vis�o de Salto, para saber quanto que o setor p�blico est� ocupando da capacidade da economia. O custo � muito alto, porque o Banco Central (BC) realiza opera��es compromissadas com a taxa da pr�pria Selic, de 12,25% ao ano, o chamado juro b�sico, que remunera os t�tulos do governo no mercado financeiro e serve de refer�ncia para os bancos e o com�rcio.
“O Tesouro vendeu um argumento incompleto para a popula��o porque ele reduziu a participa��o das LFTs, que s�o os t�tulos indexados � Selic. Eles ca�ram em participa��o na d�vida p�blica federal, mas quando a gente considera as LFTs acrescidas das opera��es em mercado aberto (realizadas pelo BC para gerenciar o excesso de liquidez no mercado, que s�o as opera��es compromissadas), elas fecharam o ano em R$ 810 bilh�es”, destaca. O custo disso � de quase R$ 100 bilh�es por ano.
“A import�ncia da despesa aumenta porque o mercado exige do governo uma remunera��o elevada para financiar essas opera��es, assim como ele exige do Tesouro para comprar t�tulos”, acrescenta o especialista. Salto questiona a necessidade de oferecer uma remunera��o t�o alta nessas opera��es. (PSP e RH)