
Sete Lagoas - Fornos industriais abafados, galp�es sem demanda at� mesmo para aluguel e restaurantes tradicionais de portas fechadas mudam a rotina de uma das maiores cidades de Minas Gerais, polo da produ��o fabril do estado e s�mbolo da diversifica��o da economia. Sete Lagoas, distante 70 quil�metros de Belo Horizonte, conhecida pela antiga atividade guseira (mat�ria-prima da fabrica��o de a�o), seu cintur�o de fornecedores de pe�as automotivas e por abrigar modernas linhas de montagem de caminh�es e ve�culos de defesa, retrata, hoje, o agravamento da crise brasileira. A retra��o tem origem na turbul�ncia mundial de 2008.
Como um grande domin� na cidade, o freio imposto �s ind�strias, que demitiram 3 mil trabalhadores nos �ltimos dois anos, afetou toda a cadeia de produ��o sider�rgica e automotiva, provocando, agora, efeitos no com�rcio e no setor de presta��o de servi�os. S�o segmentos pesados da economia de Minas, que encolheu 4,9% no ano passado, medidos pelo Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produ��o de bens e servi�os), segundo levantamento da Funda��o Jo�o Pinheiro. Nono PIB de Minas, Sete Lagoas vive o drama do alto desemprego e da baixa gera��o de vagas, em meio � busca de neg�cios que tentam sair do fundo do po�o.
A reportagem do Estado de Minas colheu relatos dos moradores do munic�pio, depois que a mais tradicional ind�stria guseira, a Sider�rgica Noroeste, h� 58 anos no ramo, paralisou suas atividades. O EM foi at� � usina e encontrou os fornos parados e metal�rgicos de bra�os cruzados. Na data marcante, a Companhia Energ�tica de Minas Gerais (Cemig) havia desligado a energia por falta de pagamento. Inconformado, o metal�rgico Walter Mariano Guimar�es, de 65 anos, se perguntava onde procurar emprego.
“Estamos h� cinco meses sem receber. Trabalho aqui h� 21 anos e nunca vi algo assim. Antigamente, sa�am daqui 15 carretas com ferro-gusa por dia e, atualmente, n�o tem havido mais nenhuma”, lamentou. O propriet�rio da empresa, Wagner Soares de Matos, diz que os 200 trabalhadores da sider�rgica est�o sem receber porque a empresa n�o tem receita para efetuar os pagamentos. “A crise brasileira arrebatou toda a ind�stria do a�o, que � a nossa principal cliente”, reclama.
Al�m da turbul�ncia no segmento que lidera a carteira de pedidos, os setores automotivo e da constru��o civil tamb�m enfrentam queda na produ��o. “Ao mesmo tempo, o nosso custo aumentou demais. A conta de luz passou de R$ 180 mil para mais de R$ 300 mil”, diz Soares de Matos. A Sider�rgica Noroeste, que produzia 9 mil toneladas de gusa por m�s, est� parada h� mais de 40 dias. “� a usina mais antiga de Minas em produ��o baseada no carv�o vegetal. Estava em negocia��o com a Cemig. Agora, estou atr�s de investimento para retomar o funcionamento”, afirma o propriet�rio.
�ncora da cadeia de fornecedores de pe�as automotivas de Sete Lagoas, a f�brica de caminh�es e comerciais leves da Iveco, pertencente ao grupo Fiat, que foi inaugurada em 2000, � considerada a mais moderna do pa�s. Com a crise econ�mica, que afetou o setor automotivo, a unidade, com capacidade para produzir 70 mil unidades por ano, demitiu cerca de 700 funcion�rios em 2015 e, neste ano, j� foram, at� o in�cio de mar�o, 220 dispensados, de acordo com levantamento do sindicato local dos metal�rgicos.
O nocaute dado pela crise brasileira e internacional no setor de ferro-gusa acertou Sete Lagoas em cheio. Respons�vel por 65% da produ��o do gusa em Minas, o que j� a consagrou, em outros tempos, como polo da mat�ria-prima na Am�rica Latina, a cidade vive atualmente o pior momento da sua hist�ria, com 60% das usinas paradas. Das 22 sider�rgicas instaladas, apenas nove est�o em funcionamento.
CEN�RIO NEBULOSO Nos �ltimos dois anos, seis empresas do segmento fecharam as portas e, de acordo com o Sindicato dos Metal�rgicos, aproximadamente 3 mil pessoas perderam o emprego. A tend�ncia, segundo o presidente da entidade, Ernane Geraldo Dias, � de aumento dr�stico desses n�meros nos pr�ximos meses. Ele observa que as nove empresas em funcionamento produzem “de forma prec�ria”. Dos 37 fornos que a cidade abrigava, h� apenas 13 em opera��o.
“A crise de 2008 (a turbul�ncia financeira mundial irradiada das bolsas de valores) nos prejudicou demais, uma vez que muitos pa�ses deixaram de importar o gusa. A cidade foi retomando aos poucos, mas, em 2014 e 2015, a situa��o que j� estava ruim piorou”, diz Ernane Dias, ao definir o momento como o pior da hist�ria do setor. “Al�m da crise brasileira, o nosso produto est� competindo com o ferro-gusa da China e da Ucr�nia, que chegam ao mercado brasileiro a pre�os menores que o produto nacional”, compara.
O presidente da Associa��o Comercial e Industrial de Sete Lagoas, Fl�vio Fonseca, lembra que a atividade guseira tem sazonalidade pr�pria, mas foi abalada pela crise da economia brasileira e mundial. “O grande problema � que, de um tempo pra c�, o nosso custo interno (de produ��o no Brasil) est� exacerbado”, avalia.
Ele ressalta que s�o muitos os fatores que impactam nas sider�rgicas, por�m, o pior deles � a crise econ�mica pela qual passa o Brasil. “O pre�o do ferro-gusa est� caindo no mercado internacional, o que prejudica as nossas exporta��es. Somando-se a isso, os custos internos, como folha de pagamento, o valor do carv�o (principal mat�ria-prima para a produ��o do gusa) e a conta de energia s�o gastos que v�m crescendo progressivamente”, ressalta.

“N�o tenho dinheiro para pagar as contas, nem para comprar o que comer”, reclama o metal�rgico Jair Marques Ferreira, de 61 anos. Morador de Sete Lagoas, Ferreira trabalhava na produ��o de ferro-gusa desde 1979, e, no ano passado, a empresa Fergubras, da qual era empregado, fechou as portas. Sem conseguir se recolocar no mercado, hoje ele passa dificuldades. Segundo o sindicato local dos Metal�rgicos, em um ano, quase 1 mil trabalhadores das sider�rgicas perderam o emprego. Somente em 2016, cerca de 300 foram demitidos. “Muitos est�o na Justi�a para conseguir receber, pois sa�ram das empresas sem os seus direitos quitados”, afirma o presidente do sindicato, Ernane Dias.
Quem est� em busca de emprego na cidade lembra que durante muitos anos n�o faltavam vagas para metal�rgicos. “Geralmente, o perfil dos empregados nas sider�rgicas � de homens entre 40 e 45 anos, com experi�ncia na �rea. O sal�rio gira em torno de R$ 1,4 mil”, informa Ernane Dias. Com o fechamento de empresas, no entanto, quem foi demitido n�o consegue se recolocar. “Nem bico estou conseguindo. Para me alimentar, tenho contado com a ajuda do aux�lio que meu filho, com problemas neurol�gicos, recebe. Caso contr�rio, n�o teria o que comer”, conta Jair Ferreira.
Em fevereiro, Domingos F�lix Neto, de 57, tamb�m entrou para a estat�stica do desemprego. Ele conta que trabalhava h� tr�s anos na Siderpam e que, nos �ltimos meses, j� n�o recebia o sal�rio em dia. “Desde dezembro n�o receb�amos”, diz. Acostumado a arranjar emprego com facilidade nas sider�rgicas da cidade, tendo, inclusive, passado por quatro empresas, Neto afirma que, neste ano, a situa��o mudou. “J� espalhei curr�culo, estou tentando de tudo o que aparecer, mas ainda n�o consegui”, lamenta.