
As mudan�as nas rela��es de trabalho, com o aumento do n�mero de contratados como pessoa jur�dica - pr�tica chamada de pejotiza��o -, viraram uma amea�a ao sistema de arrecada��o da Previd�ncia e podem comprometer os benef�cios futuros da reforma em curso.
Nos �ltimos anos, contribuintes com renda mais alta t�m sido respons�veis por uma migra��o do emprego formal, com carteira assinada, para o regime de pessoa jur�dica ou aut�nomo, onde se reduz - ou elimina - o recolhimento ao INSS.
Entre 1996 e 2017, o n�mero de contribuintes com renda acima de sete sal�rios m�nimos caiu 25%, segundo estudo elaborado pelos economistas Jos� Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito P�blico (IDP), e Juliana Damasceno de Sousa, pesquisadora do FGV Ibre. No per�odo, aqueles com renda mais baixa, de at� sete sal�rios, cresceram 158%.
"Esse movimento quebrou um dos princ�pios b�sicos do regime brasileiro - o do subs�dio cruzado -, no qual empregadores que pagam sal�rios maiores financiam aqueles com menores benef�cios", afirmam os autores do estudo. Na pr�tica, isso significa arrecada��o menor. Entre 2014 e 2018, a arrecada��o l�quida (corrigida pela infla��o) caiu 8,39% diante de uma popula��o que envelhece rapidamente.
Para Afonso, a transforma��o estrutural no mercado de trabalho tem sido ignorada no Brasil e nem sequer come�ou a ser discutida. "A reforma em curso � vital para colocar a economia nos trilhos, mas ela � voltada para o passado, ainda pensando num mercado no qual todas as pessoas trabalham com carteira assinada, hor�rio fixo, no mesmo local." Isso j� mudou no Brasil e vai mudar ainda mais com a nova economia compartilhada, com a automa��o e a digitaliza��o, diz o economista.
No trabalho, intitulado "Previd�ncia sem provid�ncia", os dois economistas mostram que essas transforma��es nas rela��es de trabalho s�o uma preocupa��o mundial, mas que t�m se acelerado no Brasil por quest�es tribut�rias.
O Pa�s, diz Afonso, tem o custo mais alto do mundo para a contrata��o de assalariados, o que incentivou empregadores a contratar os mesmos trabalhadores como pessoa jur�dica, dando in�cio a chamada pejotiza��o. "Nenhum pa�s do mundo tem tanta firma individual quanto o Brasil. Nenhum pa�s tem 1,2 empregado para cada propriet�rio de empresa."
O reflexo disso tem sido verificado na participa��o dos contribuintes na arrecada��o total. Desde a Constitui��o de 1988, que criou o pacto social, a participa��o dos que recebem at� tr�s sal�rios m�nimos quadruplicou at� 2017, de 21% para 82,1%. J� entre os que t�m renda superior a 10 sal�rios, a participa��o despencou de 31,5% para 2,4%.
Tributa��o
O professor do Departamento de Economia da PUC/RIO Jos� M�rcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, entende que esse � um problema para a Previd�ncia resolver no futuro. Segundo ele, mesmo com a retomada da economia, o avan�o da arrecada��o ser� menor que no passado. "O aumento do emprego ser� via pessoa jur�dica, que tem custo menor que o emprego com carteira assinada."
Uma sa�da, afirma, estar� nas formas de tributa��o. "Hoje, da mesma forma que a cunha fiscal sobre o sal�rio � alta, sobre o Imposto de Renda � baixa." Nesse sentido, a cria��o de tributos sobre dividendos do s�cio de uma empresa pode ser uma boa alternativa, completa o professor da Coppead/UFRJ Carlos Heitor Campani.
Segundo ele, nos �ltimos anos, houve est�mulo � pejotiza��o, com uma carga tribut�ria menor e a simplifica��o dos tr�mites de abertura de empresas - vide o caso do micro empreendedor individual (MEI). "A minha faxineira, por exemplo, � PJ. � bom pra mim e bom para ela", afirma o professor.
De fora
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lio (Pnac) Cont�nua, compilados por Afonso e Juliana, mais da metade dos trabalhadores brasileiros est�o fora do sistema pleno de prote��o social. Os empregados com carteira assinada respondem por apenas 38,9% da for�a ocupada e os servidores p�blicos, 8,5%. Restam 52,6% de ocupados (sem considerar os desempregados) sem v�nculo e sem prote��o para o futuro.
"Se o Brasil j� tem mais trabalhadores independentes do que com carteira, isto �, se os desprotegidos j� superam aqueles cobertos pela previd�ncia, o mundo do trabalho na era digital tornar� ainda mais complexo repensar o padr�o de financiamento e de organiza��o da seguridade social", diz Afonso.
A opini�o � compartilhada pelo economista do Insper Sergio Firpo. Para ele, as mudan�as no mercado de trabalho vieram para ficar. "Caber� ao governo criar regras e incentivos para trazer o trabalhador para dentro do sistema previdenci�rio." Firpo afirma que boa parte do movimento de pejotiza��o tem ocorrido com profissionais com maior qualifica��o, que abrem m�o de contribuir para o INSS para ter uma renda maior. Nesse caso, eles fazem a pr�pria poupan�a - ou n�o.
Para Ana Am�lia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), neg�cios crescentes, como Uber e Airbnb, s�o exemplo da queda do n�mero de contribuintes. "Eles s�o empregados de algu�m, mas n�o t�m prote��o, n�o t�m INSS, n�o tem FGTS. Esse tipo de emprego modifica a forma de arrecada��o da Previd�ncia."