
O Brasil deixa de arrecadar por ano em impostos n�o pagos por multinacionais e milion�rios o equivalente � economia m�dia anual esperada pelo governo com a reforma da Previd�ncia, aponta estudo in�dito divulgado na quinta-feira (19/11) pela Rede de Justi�a Fiscal (Tax Justice Network).
Segundo o levantamento, s�o US$ 14,9 bilh�es (cerca de R$ 79 bilh�es ao c�mbio atual) em impostos que deixam de ser recolhidos pelo pa�s por ano. A economia estimada pelo governo com a reforma da Previd�ncia � de R$ 800,3 bilh�es em uma d�cada, o que resulta em uma m�dia anual de R$ 80 bilh�es.Esse valor faz do Brasil o quinto pa�s do mundo que mais perde impostos devido � elis�o (uso de manobras l�citas para evitar o pagamento de taxas, impostos e outros tributos) e evas�o fiscal por multinacionais e pessoas ricas, atr�s apenas dos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Fran�a, conforme o estudo.
Em todo o mundo, s�o US$ 427 bilh�es (R$ 2,3 trilh�es) em impostos perdidos, sendo US$ 245 bilh�es devido � transfer�ncia legal ou ilegal de lucros de multinacionais para para�sos fiscais e US$ 182 bilh�es n�o pagos por milion�rios que escondem ativos e rendimentos n�o declarados no exterior.
Os dados fazem parte da primeira edi��o do relat�rio "Estado Atual da Justi�a Fiscal", que passar� a ser divulgado anualmente.
O estudo foi poss�vel pois, pela primeira vez, em julho deste ano, a OCDE (Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico) disponibilizou ao p�blico os dados dos chamados relat�rios pa�s a pa�s, colhidos pela entidade nos �ltimos cinco anos como parte da iniciativa Beps (Eros�o da base tribut�ria e transfer�ncia de lucros tribut�veis, na sigla em ingl�s).
Nesses relat�rios, todos as multinacionais com sedes em pa�ses da OCDE e lucro acima de 750 milh�es de euros (R$ 4,7 bilh�es) por ano s�o obrigadas a reportar seus registros financeiros, com dados para cada pa�s em que a empresa atua.

"� evidente que existe um problema de desequil�brio das contas p�blicas no Brasil e um ajuste fiscal precisa ser feito, mas as propostas sempre focam no lado do corte de despesas", afirma Gabriel Casnati, coordenador de projetos internacionais da ISP (Internacional de Servi�os P�blicos), entidade parceira da Rede de Justi�a Fiscal na realiza��o do estudo.
"O que os dados mostram � que h� espa�o para se pensar o ajuste atrav�s de melhorias na arrecada��o", diz Casnati.
"Os dois eixos principais para isso s�o reformas tribut�rias progressivas a n�vel nacional — porque hoje, no Brasil, os mais pobres pagam mais impostos, e benef�cios fiscais para grandes empresas poderiam ser revistos —, e o combate � evas�o e elis�o fiscal, que s�o problemas globais, cuja solu��o exige coordena��o internacional."
Segundo o coordenador da ISP, o esfor�o de aumentar a arrecada��o se torna ainda mais relevante no mundo p�s-pandemia, onde os pa�ses enfrentam forte aumento de suas d�vidas e d�ficits fiscais, devido �s despesas em resposta ao coronav�rus.
No Brasil, o Minist�rio da Economia estima que o d�ficit prim�rio (diferen�a entre a arrecada��o e os gastos do governo, sem contar despesas com juros da d�vida p�blica) deve chegar a 12,7% do PIB (Produto Interno Bruto) ou R$ 905,4 bilh�es em 2020. J� a d�vida bruta deve ir a 96% do PIB este ano, superando os 100% do PIB at� 2026.
"Diversos pa�ses da Am�rica Latina, e tamb�m o Brasil, j� tinham um problema fiscal muito grave antes", diz Casnati. "A pandemia acelerou a crise, ao obrigar os Estados a gastarem mais. Governos de esquerda e direita tiveram que aumentar o gasto p�blico emergencialmente, ao mesmo tempo em que a arrecada��o caiu muito."
"O grande debate para todos os pa�ses nos pr�ximos anos ser� como pagar essa conta", avalia.
"Nesse sentido, � fundamental colocar na agenda do dia que grandes corpora��es e os 0,1% mais ricos utilizam mecanismos legais e ilegais para transferir dinheiro para fora e isso drena recursos do pa�s. Independentemente da ideologia, os pol�ticos deveriam estar preocupados em resgatar esse dinheiro, como forma de que a popula��o pague menos a conta da crise."

A t�tulo de compara��o, o estudo estima que a perda de arrecada��o do Brasil com impostos n�o pagos por multinacionais e milion�rios s�o equivalentes a 20% do or�amento do pa�s destinado � sa�de ou ao sal�rio anual de mais de 2 milh�es de enfermeiros.
Assim, a Rede de Justi�a Fiscal e seus parceiros na elabora��o do relat�rio fazem algumas recomenda��es para que esse quadro de perda de arrecada��o possa ser mitigado.
A primeira delas � que seja introduzido pelos governos um imposto sobre multinacionais que est�o obtendo ganhos considerados "excessivos" durante a pandemia, como as gigantes digitais globais.
Uma segunda recomenda��o � a introdu��o de um imposto sobre a riqueza para financiar o combate � covid-19 e tratar as desigualdades de longo prazo exacerbadas pela pandemia.
Por fim, as entidades defendem que a discuss�o sobre um padr�o internacional para a tributa��o de empresas, al�m de medidas de coopera��o e transpar�ncia fiscal, devem se dar no �mbito da ONU (Organiza��o das Na��es Unidas) e n�o da OCDE, j� que esta entidade re�ne apenas os pa�ses mais ricos.
Casnati defende ainda que o projeto Beps de combate � eros�o da base tribut�ria deveria ser ampliado, para que as multinacionais reportem seus dados fiscais n�o s� para seus pa�ses-sede, mas tamb�m para os pa�ses onde suas filiais operam.
Para ele, a declara��o de registros financeiros deveria incluir mais empresas, e n�o somente aquelas com lucros acima de 750 milh�es de euros por ano. As multinacionais tamb�m deveriam, na sua opini�o, ser tributadas como entidades �nicas, posto que atualmente muitas t�m suas opera��es internacionais consideradas como entes independentes.
E, por fim, para encerrar a guerra fiscal internacional, o analista avalia que seria desej�vel a cria��o de uma taxa��o m�nima para empresas a n�vel global. "Isso impediria o que acontece hoje, um leil�o ao contr�rio em que quem d� menos [exige menos impostos] ganha e todos os pa�ses perdem arrecada��o", diz Casnati.
Em junho deste ano, o ICRICT (Comiss�o Independente para a Reforma da Taxa��o Internacional de Empresas, em tradu��o livre) — grupo formado por nomes de peso da economia como o americano Joseph Stiglitz, os franceses Thomas Piketty e Gabriel Zucman, a indiana Jayati Ghosh e o colombiano Jos� Antonio Ocampo — lan�ou um documento propondo, entre outras medidas, uma taxa��o m�nima global de 25% sobre as companhias para evitar que elas busquem pa�ses de menor tributa��o.
� �poca, a proposta teve sua viabilidade questionada por alguns especialistas em tributa��o, diante do pesado esfor�o multilateral que seria necess�rio para colocar uma medida do tipo em pr�tica.
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