
Aumentar a tributa��o sobre os mais ricos para transferir renda aos mais pobres pode contribuir para a recupera��o da atividade econ�mica, al�m de reduzir a desigualdade, aponta estudo in�dito realizado pelo Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de S�o Paulo).
Conforme o estudo, cujos resultados ser�o publicados em nota t�cnica nesta segunda-feira (15/2), uma pol�tica de prote��o social financiada a partir da tributa��o do 1% mais rico, que garanta a transfer�ncia de R$ 125 por m�s para os 30% mais pobres, pode ter um impacto positivo de 2,4% no PIB (Produto Interno Bruto, que � a soma de todos os bens e servi�os finais produzidos por um pa�s, por exemplo, ao longo de um determinado per�odo, como um ano ou um trimestre)."A redu��o da desigualdade tem benef�cios em si. Sabemos que ela tem custos que n�o s� t�m a ver com o direito � renda e � dignidade humana, mas tem tamb�m efeitos pol�ticos, pois a desigualdade tende a criar distor��es no pr�prio sistema democr�tico", diz Laura Carvalho, professora da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administra��o, Contabilidade e Atu�ria da Universidade de S�o Paulo).
"Ent�o existem outros objetivos para reduzir a desigualdade, que n�o o crescimento econ�mico. Mas, muitas vezes, parece que no debate h� um dilema entre crescer ou distribuir", observa a economista, uma das autoras do estudo, ao lado de Rodrigo Toneto e Theo Ribas.
"Isso cada vez mais est� se revelando uma coisa que n�o tem sustenta��o emp�rica, por isso resolvemos demonstrar com dados um dos mecanismos que mostra que � perfeitamente poss�vel desenhar um programa que combine redu��o da desigualdade com aumento do ritmo de crescimento econ�mico. Porque esses objetivos n�o s�o contradit�rios."
Pobres consomem parcela maior da renda do que ricos
A professora da USP explica que o estudo buscou analisar o efeito que diferentes tipos de programas de redistribui��o podem ter sobre o PIB e a gera��o de renda na economia.
"Existe um princ�pio na macroeconomia que � a ideia do 'multiplicador do or�amento equilibrado'", diz Carvalho.
"Ele prev� que, mesmo que o governo n�o gaste mais, n�o deteriore as contas p�blicas, destinando uma arrecada��o via tributa��o da renda no topo para transferir renda para a base, sem nenhum impacto no Or�amento, ele pode conseguir um impacto de crescimento econ�mico porque quem est� na base da pir�mide tem uma propens�o a consumir maior, enquanto os mais ricos poupam relativamente mais da sua renda do que os mais pobres."
Analisando dados da POF do IBGE (Pesquisa de Or�amentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica) de 2017-2018, os pesquisadores encontraram que, enquanto os 10% mais pobres gastam 87% da sua renda em consumo, esse valor cai para 24% entre os que comp�em o 1% mais rico.

Efeito multiplicador da transfer�ncia de renda
Levando em conta ent�o a atual estrutura de distribui��o de renda da economia brasileira e as diferentes propens�es a consumir de cada faixa de renda, os economistas mostram que, cada R$ 100 transferidos do 1% mais rico para os 30% mais pobres geram uma expans�o de R$ 106,70 na economia.
No caso do aux�lio emergencial de 2020, cada R$ 100 pagos por meio do programa t�m um efeito de aumento da renda agregada de R$140, calculam os pesquisadores.
"No caso do aux�lio, o efeito multiplicador � maior pois o volume de recursos destinado a essa pol�tica foi muito elevado. Foi um programa emergencial, mas muito amplo, com pouco mais de 4% do PIB de 2020 destinado a essa pol�tica de transfer�ncia de renda", observa Carvalho.
Por fim, os pesquisadores analisam uma pol�tica social financiada a partir de tributos cobrados dos 1% mais ricos e que garanta R$ 125 mensais para os 30% mais pobres.
"A pol�tica que estamos testando como permanente � menor do que o aux�lio emergencial. � pensada como uma pol�tica que possa ser financiada todo ano, algo que possa ser sustent�vel", diz a professora da USP.
Devido �s diferentes propens�es para consumir dos diversos estratos de renda, essa pol�tica elevaria o "multiplicador" da economia citado pela professora da USP. Nesse cen�rio hipot�tico, esse multiplicador passaria do atual 1,875, que resulta da estrutura de tributa��o e transfer�ncias vigente hoje, para 1,915.
"Quando voc� faz uma pol�tica assim, que altera a atual estrutura de transfer�ncias, expandindo o Bolsa Fam�lia, e ao mesmo tempo altera a atual estrutura de tributa��o, tornando ela mais progressiva, voc� muda a distribui��o de renda na economia", explica Carvalho.
"Aumenta a parcela da renda apropriada pela base e diminui a parcela apropriada pelo topo. A partir disso, como os estratos inferiores, que t�m uma propens�o a consumir maior, v�o estar se apropriando de uma parcela maior da renda, isso altera o efeito multiplicador, ampliando esse efeito", acrescenta a economista.
"Esse � um dos fatores que explicam por que reduzir desigualdade � positivo para o crescimento econ�mico. Porque, ao distribuir melhor a renda adicional, h� efeitos de consumo importantes."
Nesse cen�rio, uma mesma transfer�ncia de R$ 100 aos mais pobres elevaria a renda agregada em R$ 109. Como resultado, os economistas estimam que o impacto positivo sobre o PIB seria de 2,4%.

Aux�lio emergencial exp�s a insufici�ncia do Bolsa Fam�lia
Na avalia��o da professora, o pa�s tem hoje dois problemas com rela��o �s pol�ticas sociais.
O primeiro deles � o fim do aux�lio emergencial que causa de maneira abrupta um aumento da desigualdade e prejudica a capacidade de recupera��o da economia. Para Carvalho, a retomada do aux�lio poderia ser financiada com emiss�o de d�vida, porque o pa�s ainda se encontra numa situa��o emergencial.
Para al�m desse problema conjuntural, a economista avalia que � preciso discutir uma expans�o permanente dos programas de transfer�ncia de renda, particularmente do Bolsa Fam�lia.
"Hoje est� claro que o Bolsa Fam�lia � insuficiente para funcionar como um protetor para um conjunto da popula��o que tem renda que oscila muito e est� sujeita a cair na pobreza extrema", avalia a economista.
"Pensamos num programa fiscalmente neutro [que n�o gera gasto adicional ao governo] para que ele seja pensado como uma solu��o sustent�vel, permanente, que n�o contribua para uma deteriora��o do Or�amento e que contribua para reduzir desigualdade e para recuperar a economia, melhorando o ritmo de crescimento a m�dio e longo prazo."

E como taxar os mais ricos?
Embora esse n�o seja o objeto da nota t�cnica publicada nesta segunda-feira, Carvalho elenca alternativas para aumentar a tributa��o sobre o 1% mais rico.
"Temos um tipo de desigualdade que � muito elevada, sobretudo pela alta concentra��o de renda no topo. N�o h� uma disparidade t�o grande entre o meio e a base da distribui��o. E boa parte dessa alta concentra��o no topo � explicada pelo fato de que esse 1% hoje paga uma al�quota efetiva de tributos sobre a renda menor do que os estratos que v�m em seguida", diz a professora.
Conforme a economista, isso se explica em parte pela isen��o de tributa��o de imposto de renda sobre lucros e dividendos.
"Esse � um dos elementos que faz com que quem recebe renda do capital, e n�o renda do trabalho, n�o pague a al�quota de 27,5% (faixa mais alta da tributa��o de renda no Brasil). Eliminar essa isen��o j� aumentaria a al�quota efetiva dos mais ricos", sugere.
Outro elemento que contribui para o baixo patamar de tributa��o dos mais abastados s�o as dedu��es de despesas com sa�de e educa��o privadas no Imposto de Renda. "Isso tamb�m beneficia desproporcionalmente o topo da distribui��o."
Uma terceira medida seria criar uma faixa adicional de tributa��o para o topo, com uma al�quota mais alta do que os atuais 27,5%. "Muita gente poderia dizer 'isso vai espantar os ricos do Brasil'. N�o. Na verdade, 27,5% de al�quota m�xima � um patamar muito baixo, se comparado a outros pa�ses", destaca a economista.
Ela lembra que os Estados Unidos, por exemplo, t�m al�quota marginal m�xima de 40%.
"Temos bastante margem de manobra ainda para criar uma tributa��o concentrada nesse topo que hoje paga t�o pouco em rela��o � sua renda em impostos na pessoa f�sica", avalia, sugerindo uma al�quota marginal m�xima de 35% para quem est� nesse 1% mais rico da popula��o, que concentra mais de 25% da renda nacional.

Debate sobre injusti�a do sistema tribut�rio avan�ou
Segundo Carvalho, a mudan�a proposta por ela e seus coautores, por mexer com o Imposto de Renda, s� teria efeito no ano seguinte � sua aprova��o.
"Esse desenho � pensado j� para o p�s-pandemia, n�o para o momento atual, de 2021, que ao nosso ver depende mesmo de alguma forma de prorroga��o emergencial do aux�lio", diz a professora.
A economista avalia que o debate sobre as injusti�as do sistema tribut�rio brasileiro avan�ou muito nos �ltimos anos, com o tema presente nos programas de boa parte das candidaturas presidenciais em 2018 e a quest�o da reforma tribut�ria chegando a cada vez mais consensos entre os economistas.
"Na pandemia, tamb�m vimos crescer o apoio a uma expans�o permanente da rede de prote��o social no Brasil", diz Carvalho.
"Ficou muito exposta a vulnerabilidade de trabalhadores informais, dos trabalhadores da base da pir�mide, diante de uma economia que n�o tem crescido, nem aumentado o grau de formaliza��o. S�o trabalhadores que veem sua renda oscilar e podem entrar e sair da pobreza de maneira muito r�pida, e �s vezes serem engolidos por uma espiral de pobreza."
Apesar desse avan�o dos consensos no debate econ�mico, a professora avalia que o cen�rio pol�tico n�o favorece programas que tributem os mais ricos para distribuir aos mais pobres.
"Um dos sinais disso foi que, no debate sobre a cria��o do programa Renda Brasil ou Renda Cidad� no ano passado, s� foram consideradas alternativas de financiamento que viriam de outros programas sociais. Ou seja, que atingiriam o meio da pir�mide para financiar uma eventual expans�o das transfer�ncias para a base. Sequer foi considerada a possibilidade de tributa��o dos mais ricos para transferir para os mais pobres", observa a professora.
"Isso � sintom�tico de que n�o parece ser interesse da equipe econ�mica do governo aumentar e melhorar a progressividade da nossa estrutura tribut�ria e, com isso, bater de frente com interesses do topo da pir�mide."
Teto de gastos � barreira
A economista lembra que parlamentares chegaram a apresentar propostas nessa linha para financiar uma expans�o do Bolsa Fam�lia. Mas que isso esbarra num outro problema atual, que � o desenho do teto de gastos, regra que impede que a despesa do governo cres�a acima da infla��o do ano anterior.
"O desenho do nosso teto de gastos faz com que uma maior arrecada��o n�o possa se converter em maiores despesas, porque o teto est� fixado para o gasto, independente do quanto se arrecada", explica a professora.
Assim, o modelo de tributa��o e transfer�ncia proposto pelos pesquisadores pressup�e algum tipo de mudan�a na regra do teto de gastos.
"Hoje n�o h� espa�o no teto para uma expans�o da assist�ncia social. N�o � toa, o pr�prio governo chegou num impasse com o Or�amento de 2021, que o Congresso at� agora n�o aprovou, porque claramente n�o h� espa�o nele para as despesas emergenciais, mesmo nesse momento de pandemia", diz Carvalho.
"O ideal ent�o seria redesenharmos o teto, de maneira que ele seja sustent�vel e que mantenha a transpar�ncia da pol�tica fiscal, ao inv�s de manter um teto 'para ingl�s ver' e fazer manobras em volta dele, que � o que acontece atualmente."
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