
O aluguel do carro que Daniela Cristina Teles, de 37 anos, usava para trabalhar subiu de R$ 1.400 para R$ 2.000 por m�s. O litro do etanol passou de R$ 1,89 para R$ 4. O aumento do n�mero de casos e mortes por covid-19 a deixou com medo de estar no mesmo ambiente que desconhecidos.
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"Parei de trabalhar com aplicativos em janeiro de 2021 porque tudo aumentou e a demanda de passageiros diminuiu. Tantas desvantagens me fizeram procurar outra coisa", afirmou. Ela conseguiu emprego na C�mara Municipal de S�o Paulo.
"Eu ainda tentei fazer Uber no fim de semana, mas nem assim estava valendo a pena", contou Teles � reportagem.
Ela disse que nos �ltimos meses desistiu definitivamente de trabalhar com aplicativos, depois de se desanimar com o valor que gastava para abastecer o carro.
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"Eu ganhava de R$ 200 a R$ 300 reais por dia, mas eu gastava R$ 200 para encher o tanque com gasolina. N�o valia a pena nem como complemento da renda", afirmou ela.
Essa foi a decis�o de milhares de pessoas cadastradas como motoristas em aplicativos de transporte em todo o Brasil, de acordo com o n�mero apresentado por associa��es. Procurados, Uber e 99 — as maiores empresas do segmento no pa�s — n�o apresentaram seus n�meros ou discordaram desses dados.As plataformas disseram que n�o t�m nenhuma rela��o com o aumento dos combust�veis, mas que fazem parcerias com redes de postos, o que garante descontos aos motoristas.
O presidente da Associa��o de Motoristas de Aplicativos de S�o Paulo (Amasp), Eduardo Lima de Souza, — que diz representar at� 62 mil profissionais — afirma que as tarifas n�o s�o reajustadas desde 2015. Segundo ele, 25% dos motoristas de aplicativo deixaram de trabalhar para a plataforma desde o in�cio de 2020.
De acordo com o representante da categoria, esse n�mero foi colhido a partir de uma base de dados da prefeitura. Souza diz que ela tinha 120 mil motoristas cadastrados no in�cio de 2020 e, hoje, tem 90 mil.
"Os motoristas entraram numa fase cr�tica depois desses consecutivos aumentos dos combust�veis. Uma situa��o muito grave. N�o tivemos reajuste de tarifa nem para acompanhar a infla��o desde 2015. O motorista vem sentindo isso e muitos v�m desistindo desde o in�cio da pandemia, em 2020", afirmou.

A 99 disse que conecta mais de 750 mil motoristas a passageiros em quase 2.000 cidades brasileiras e que este n�mero se manteve est�vel mesmo durante a pandemia. "Podemos afirmar que n�o registramos diminui��o significativa de motoristas parceiros na plataforma", disse a empresa por meio de nota.
A empresa tamb�m admitiu que "o aumento de pedidos de corrida pode ocasionar maior tempo de espera na plataforma". A 99 disse ainda que " penaliza o motorista parceiro que cancela de forma recorrente as corridas, assim como ocorre para passageiros".
A Uber disse que tem "equipes e tecnologias pr�prias que revisam constantemente as viagens e cancelamentos para identificar suspeitas de viola��o e, caso sejam comprovadas, banir as contas envolvidas".
A Uber disse ainda que "os usu�rios est�o tendo de esperar mais tempo por uma viagem porque, especialmente nos hor�rios de pico, h� mais chamados do que parceiros dispostos a realizar viagens."
Valor do repasse
O presidente da associa��o pede que os aplicativos tomem medidas para aumentar os rendimentos dos motoristas. A principal � aumentar os valores repassados aos trabalhadores.
Souza diz ainda que a categoria est� em negocia��o com o governo paulista, a quem eles pedem uma redu��o do ICMS (imposto sobre mercadorias e servi�os) dos combust�veis. Eles tamb�m querem a implanta��o de um programa para auxiliar os motoristas a converterem seus carros para o G�s Natural Veicular (GNV) — que permite uma economia de mais de 50% em rela��o ao consumo de gasolina.
Para instalar o equipamento, por�m, os motoristas dizem que precisam desembolsar at� R$ 4.000. Caso a situa��o persista sem acordo, os sindicalistas amea�am fazer protestos e at� entrar em greve.
"Queremos que o governo estadual zere o ICMS do combust�vel. Esses dias, abasteci R$ 220, mas R$ 94 foi apenas de imposto. Se a gasolina chegar a R$ 7, como dizem, n�o tem como trabalhar. A gente busca o di�logo, mas numa poss�vel manifesta��o, a popula��o tamb�m estaria do nosso lado porque os combust�veis e a qualidade do transporte impactam e tamb�m prejudicam diretamente a vida deles", afirmou Eduardo Lima de Souza.
Ele disse estar em "negocia��o avan�ada" com o governo para a implanta��o do projeto sobre o GNV e que tem participado de reuni�es com a Uber e a 99 para tratar de aumentos dos repasses.
Procurado, o Governo do Estado de S�o Paulo resumiu a dizer que "houve reuni�es sobre o tema e h� interesse no projeto".
Daniela Cristina Teles, que desistiu de trabalhar como motorista de aplicativos, come�ou a atuar na �rea em 2017, depois de 15 anos trabalhando como gerente de loja em um shopping de S�o Paulo. Ela disse que migrou de profiss�o na �poca porque j� estava cansada, queria ter um trabalho sem ter de lidar com chefe e poder fazer o pr�prio hor�rio.
"Atualmente, o motorista escolhe corridas porque tem algumas invi�veis. Deveria haver um reajuste de tarifas para fazer as corridas girarem e mais gente querer usar. As plataformas aumentaram o valor para os passageiros, mas ele n�o foi repassado para os motoristas e o servi�o piorou. Todo mundo perdeu".
Vontade de desistir
Usu�rios frequentes de aplicativos de transporte ouvidos pela BBC News Brasil disseram que, no �ltimo ano, se tornou mais dif�cil fazer uma corrida, pois � comum motoristas cancelarem antes de buscar os passageiros.
Motoristas disseram que isso � verdade e que ocorre porque muitas vezes o percurso n�o vale a pena, por conta do grande deslocamento at� o local onde o passageiro est�.

A massoterapeuta Ana Paula Aparecida de Oliveira, de 38 anos, trabalha h� cinco como motorista de aplicativo, depois que se divorciou e abandonou o emprego na empresa do ex-marido. Com o dinheiro do trabalho com aplicativos, ela criou os dois filhos, hoje com 18 e 14 anos, mas agora reflete: "penso todos os dias em desistir".
"� triste quando fecha o dia e eu saio para abastecer. Estou h� muito tempo fora do mercado de trabalho e tenho dois filhos para criar, sen�o eu voltaria para a minha �rea", afirmou.
Ana Paula � uma motorista exemplar e possui um status que os mais novos almejam: 25 mil corridas acumuladas nos aplicativos, sendo 15 mil na Uber e 10 mil na 99.
Ela ainda � avaliada pelos passageiros com nota 5 (m�xima) na 99 e 4,99 na Uber. Quanto maior a nota e o n�mero de corridas, mais chances ela tem de ser selecionada pelo algoritmo para transportar mais passageiros.
Com tamanha experi�ncia no mercado, ela diz trabalhar 14 horas por dia, das 18h �s 8h. Como a Uber s� libera 12 horas de jornada por dia, as outras duas ela complementa com a 99.
"� uma jornada muito puxada, mas necess�ria. � um hor�rio de urg�ncia e emerg�ncia, no qual somos muito acionados. Se voc� ligar para a ambul�ncia, ela demora, mas a preta aqui chega em 5 minutos", afirmou sorrindo.
Ela disse que dezenas de motoristas relatam, em grupos de WhatsApp que ela participa, que est�o exaustos, deprimidos, com ansiedade e desesperados por n�o terem certeza de que conseguir�o pagar as contas no fim do m�s. Ela tamb�m se diz "lutando contra o psicol�gico", mas afirma que usa truques para n�o ficar no preju�zo. Entre eles, est� a escolha de corridas.
"Eu escolho corridas, n�o nego. Quando toca uma corrida longa, eu aceito. J� no hor�rio de pico, se eu pego muitas curtas, o lucro � menor porque algumas vezes demora 10 minutos para chegar at� o passageiro. Geralmente, eu perco esse tempo e gasto combust�vel para fazer uma corrida pequena", relatou.
Para ela, o ideal seria ter condi��es de instalar um kit GNV no carro para economizar combust�vel.
"Assim, eu teria um f�lego maior. Eu tenho um carn� do carro para pagar, responsabilidades e dois filhos adolescentes em casa. Eu pago R$ 300 de luz. Eu queria ter uma v�lvula de escape, mas a minha �rea � descart�vel. As pessoas abrem m�o de muita coisa e deixam a minha �rea por �ltimo. Ningu�m quer fazer massagem na crise", afirmou.
Escolha e cancelamento de corridas
O presidente da Amasp, que tamb�m trabalha como motorista, disse que se tornou comum ocorrer situa��es nas quais o motorista gasta mais para buscar o passageiro do que ganha para lev�-lo ao destino.
"Semana passada, tive de rodar 17 minutos (5,9 km) para chegar ao passageiro. Quando o peguei, percorri 1,5 km em cinco minutos. Ganhei R$ 8 pela corrida, o que mal deu para pagar o combust�vel, j� que meu carro faz 5,9 km com um litro de etanol", afirmou Eduardo Lima de Souza.
Ele ainda critica o algoritmo do aplicativo, que, segundo ele, liga motoristas a passageiros que est�o mais distantes. Ele mesmo disse ter feito testes com outros motoristas, que apontaram que o aplicativo acionou motoristas mais longe, ao inv�s de alguns que estavam mais pr�ximos dos passageiros.
Souza tamb�m diz que o aplicativo, muitas vezes, cancela a corrida sozinho.
"As plataformas est�o com problemas nos aplicativos e a culpa est� caindo nos motoristas", afirmou.

Rosemar Pereira, de 48 anos, disse que s� n�o desistiu de trabalhar como motorista de aplicativo porque ganhou h� um m�s um kit GNV de um amigo.
"Eu s� tive de pagar R$ 800 para instalar e R$ 600 para alterar a documenta��o do carro, mas te garanto que a economia � gigante. O problema � que a maioria dos motoristas n�o tem condi��o de fazer esse investimento. Eu mesmo tive de usar o cart�o da minha esposa para pagar a instala��o", contou.
Pereira � motorista profissional h� mais de 20 anos. J� dirigiu t�xi, �nibus e agora trabalha com aplicativos porque n�o consegue voltar para a �rea de origem. Ele conta que j� deixou o curr�culo dele em diversas empresas de transporte para voltar a dirigir �nibus, mas acredita que n�o � contratado por ser considerado velho para a profiss�o.
Na opini�o dele, se a previs�o de alguns economistas se concretizar e o combust�vel continuar aumentando, a categoria n�o conseguir� mais trabalhar e acabar�.
"Se tiver mais dois aumentos, a profiss�o acaba, se torna invi�vel. Essas promo��es que os aplicativos fazem para os passageiros s�o invi�veis para n�s. Os carros s�o lavados pelo menos duas vezes por semana. Eu s� n�o desisti porque n�o arrumei nada e ganhei esse kit que caiu do c�u. Mas se os aplicativos diminu�ssem a taxa deles e o governo reduzisse os impostos, ajudaria bastante o motorista".
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