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Estado de Minas MUDAN�AS CLIM�TICAS

A cidade que tinha �gua at� no nome j� n�o pode nem plantar

Impactos das altera��es no clima j� s�o realidade em Minas, onde afetam do campo � economia dos munic�pios como o antigo Brejo das Almas, antiga capital do alho


14/10/2021 04:00 - atualizado 14/10/2021 07:32

Rafaela Oliveira e Antônio Elimárcio
Donos de pequeno sacol�o em Francisco S�, Rafaela Oliveira e Ant�nio Elim�rcio agora precisam comprar hortifr�tis em Montes Claros, cidade-polo da regi�o. Frete encarece produtos em at� 40% (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)

 

Francisco S� – Ainda sofrendo os efeitos de uma crise h�drica resultante daquela que � apontada como a pior seca dos �ltimos 90 anos, que j� jogou 127 munic�pios em situa��o de emerg�ncia, Minas Gerais v� a mancha da escassez de �gua se manifestar n�o apenas em �reas do chamado semi-�rido mineiro, como o Norte e o Vale do Jequitinhonha, mas se alastrar tamb�m em regi�es tidas como grandes produtoras agr�colas, como o Tri�ngulo, se estendendo pelo Centro-Oeste e pelo Vale do Rio Doce. N�o se trata s� de um fen�meno sazonal, alertam especialistas, mas de uma condi��o que vem se agravando ao longo dos anos, resultado das mudan�as clim�ticas. E que, ironicamente, como em um efeito cascata, atinge o campo, se espalha pelo com�rcio, com impactos na �rea urbana, chega � ind�stria e acaba por afetar toda a economia.

 

Como em uma cadeia em que a extin��o de nascentes leva ao secamento de c�rregos e estes � exaust�o de rios, o fen�meno come�a a ser sentido com maior impacto em munic�pios menores do interior, dependentes da gera��o de receita prim�ria no campo. E muitos deles v�m de um passado em que �gua era sin�nimo de abund�ncia. � o que ocorre nas terras de Francisco S�, no Norte mineiro. Antes rico em �gua – condi��o que inclusive inspirou seu antigo nome, Brejo das Almas – a cidade se tornou, nas d�cadas de 1970 e 1980, o maior produtor de alho do estado, com gera��o de renda e movimento intenso no com�rcio. Mas, com o passar anos, as fontes foram secando.

 

Hoje, rios e c�rregos da regi�o, que eram perenes, est�o completamente secos. A popula��o enfrenta racionamento, porque a barragem do Rio Sao Domingos, que abastece a cidade, est� com menos de 14% de sua capacidade. Como o sumi�o da �gua, a produ��o de alho e de outras hortali�as definhou. Ao ponto de, atualmente, quase tudo o que os moradores consomem ser importado de outras regi�es, abalando a economia municipal pelo aumento dos pre�os dos produtos agr�colas, ao mesmo tempo em que a gera��o de renda � prejudicada. Uma transforma��o dram�tica que mostra como os impactos das mudan�as clim�ticas, se come�am a ser sentidos mais fortemente no campo, n�o tardam a chegar � �rea urbana.

 

O efeito das altera��es do clima na cadeia produtiva � destacado pelo consultor Pierre Santos Vilela, do Servi�o Brasileiro de Apoio � Pequena e M�dia Empresa (Sebrae Minas). “Se os produtores de hortali�as, por exemplo, deixam de produzir por falta de �gua, ficam sem renda. Ent�o, deixam de comprar insumos, n�o compram mais adubos, n�o compram mais ferramentas, afetando o com�rcio local”, relata. “Como n�o t�m mais renda, os pequenos agricultores podem reduzir at� o consumo de produtos b�sicos, como arroz e feij�o. Tamb�m deixam de gerar empregos. A�, as pessoas que perderam empregos, ainda que tempor�rios, deixam de ser consumidores em potencial. Passam a depender de um aux�lio do governo ou do seguro-desemprego. Isso impacta muito o com�rcio”, explica Vilela, que � engenheiro-agr�nomo.

 

Al�m da falta de �gua para o consumo humano e a lavoura, as mudan�as do clima, com a estiagem mais intensa, comprometem o n�vel dos reservat�rios das usinas hidrel�tricas, elevando o custo da energia, o que tamb�m, de outra forma, atinge duramente o com�rcio, assim como a ind�stria e a presta��o de servi�os, observa Vilela. “A escassez de chuvas traz problemas para a gera��o de energia, pois o Brasil depende de �gua para manter a sua matriz el�trica”, afirma o analista do Sebrae, lembrando as consequ�ncias difusas da crise energ�tica, que afetam grandes neg�cios, mas fazem sofrer mais intensamente os menores. “Para os pequenos empreendedores, os custos s�o mais sens�veis, a exemplo do que ocorre com donos de restaurantes e lanchonetes, que precisam manter os freezers ligados o tempo todo”, exemplifica.

 

Prefeituras tamb�m

sofrem impactos

 

Na mesma linha, a economista Ana Paula Bastos, da C�mara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), destaca o efeito domin� da escassez h�drica resultante das mudan�as clim�ticas, lembrando que o pr�prio poder p�blico � um dos afetados. A crise h�drica, ao reduzir o dinamismo do com�rcio, tamb�m compromete a arrecada��o de impostos das pequenas prefeituras, com reflexos inclusive na �rea social. “Quando a arrecada��o do munic�pio diminui, aumentam as desigualdades sociais”, constata.

 

A ge�grafa Let�cia Oliveira Freitas, uma das autoras do estudo “Vulnerabilidade da mesorregi�o Norte de Minas face �s mudan�as clim�ticas”, � outra especialista que constata os reflexos das altera��es do clima sobre a economia das pequenas cidades. “As restri��es impostas pelo clima podem acarretar crise econ�mica, uma vez que muitos dos munic�pios do Norte de Minas apresentam economias pouco din�micas, o que coloca a regi�o em situa��o de vulnerabilidade”, observa.

 

Autora da pesquisa ao lado dos meteorologistas Ruibran dos Reis (do Instituto de Meteorologia Climatempo) e Tom�s Calheiros – portugu�s vinculado � Universidade de Lisboa, parceira da PUC Minas na elabora��o da pesquisa –, Let�cia � taxativa ao afirmar que a altera��o no clima n�o � um risco para o futuro. “Os impactos das mudan�as clim�ticas j� ocorrem e se mostram cada vez mais severos. O cen�rio de Francisco S� ilustra como as altera��es do clima trazem impactos para a economia de munic�pios onde as atividades agropecu�rias t�m papel relevante.”

 

João Evangelista
Jo�o Evangelista mostra as plantas castigadas pelo clima: "At� cebolinha temos de comprar" (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)
 

 

Brejo das Almas secou

 

A fartura de �gua e a grande produ��o agr�cola em Francisco S� hoje s� existem na hist�ria da antiga Brejo das Almas, e na mem�ria de pequenos agricultores do lugar, que plantavam e colhiam para o pr�prio sustento e vendiam o excedente. Alguns, como Jos� S�lvio Ribeiro Alves, de 60 anos, tinham no cultivo a principal fonte de renda e com ela movimentavam a economia da cidade.

 

“Naque tempo, a gente n�o comprava quase nada de alimento para casa. Hoje, � bem diferente. Temos que comprar quase tudo”, diz Jos� S�lvio, “Sem �gua, n�o tem mais como produzir”, constata o agricultor, em uma mistura de lamento e de explica��o para a mudan�a brusca – de fornecedor, virou comprador daquilo que vendia.

 

Jos� S�lvio plantava alho e hortali�as nas margens do Rio S�o Domingos, onde, recorda, a �gua abundante permitia a irriga��o dos plantios por sistema de gravidade, mesmo nos per�odos de estiagem, j� que o manancial corria o ano inteiro. Hoje, o S�o Domingos s� tem �gua no per�odo chuvoso, por pouco tempo.

 

Dono de uma pequena propriedade cortada pelo leito, o banc�rio aposentado Elton Louren�o von Sean, de 54, recorda que nas d�cadas de 1970 e 1980 circulava dinheiro na cidade, com ajuda da agricultura. “Todo mundo aqui plantava alguma coisa: al�m de alho, feij�o, ab�bora, cebola, tomate e outras verduras. Acho que de fora, mesmo, s� chegava a ma��”, relata Elton, integrante de uma fam�lia que se dedicava � produ��o de alho.

 

FIO D'�GUA Na cidade, em locais em que a �gua n�o desapareceu, tornou-se pouca. Morador do distrito de Canabrava, a 18 quil�metros da �rea urbana de Francisco S�, o aposentado e pequeno agricultor Jo�o Evangelista Rodrigues, de 72, conta que j� produziu muita coisa no seu pequeno terreno aproveitando a �gua do Rio Canabrava, que passa nos fundos da casa. Hoje, diferentemente de outros mananciais da regi�o, pelo menos no trecho do terreno de Jo�o Evangelista o Canabrava tem �gua, devido a uma barragem que foi constru�da acima no leito.

 

No entanto, o aposentado diz que a quantidade � insuficiente e ele praticamente n�o produz nada mais. “A �gua diminuiu. Para plantar, a gente precisa da irriga��o e a energia est� muito cara”, diz o sertanejo. “Hoje, at� cebolinha verde a gente tem que comprar”.

 

José Sílvio
Jos� S�lvio j� teve lavoura irrigada com a �gua que era farta no Rio S�o Domingos (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.a press)
 

 

O campo vai buscar alimento na cidade

 

Se os impactos das altera��es clim�ticas j� s�o realidade, como destacam especialistas, eles j� fazem parte do cotidiano de comerciantes como o casal Ant�nio Elim�rcio de Moura e Rafaela Oliveira Lima, � frente de um pequeno sacol�o, o Emp�rio do Campo, em Francisco S�. Elim�rcio relata que, como , a antiga Capital do Alho n�o produz mais hortali�as, o caminho da produ��o, do interior para os centros urbanos, se inverteu. Hoje, ele precisa se deslocar at� Montes Claros, cidade-polo da regi�o, para comprar hortifrutigranjeiros para o mercadinho. A viagem, de 42 quil�metros, eleva os custos dos produtos.

 

“Acho que o aumento por causa do frete gira em torno de 30% a 40%”, estima Rafaela. O pr�prio Elim�rcio � quem transporta frutas e verduras adquiridas no Centro de Abastecimento do Norte de Minas (Ceanorte), arriscando-se no trecho da movimentada BR-251 duas vezes por semana – rodovia sem duplica��o, que tem tr�fego pesado de caminh�es e carretas que viajam do Sul/Sudeste para o Nordeste brasileiro.

 

“Trago de tudo, at� tempero verde”, afirma o comerciante. Ele carrega os produtos em seu pr�prio ve�culo, um pequeno caminh�o-ba� que leva mercadorias tamb�m para outros comerciantes de verduras e frutas da cidade. Rafaela Oliveira lembra que o aumento da temperatura, que dificulta a produ��o de hortali�as, como a cebolinha, tamb�m eleva o custo dos produtos. E exemplifica citando a situa��o do chuchu. “At� outro dia, compr�vamos chuchu a R$ 25 a caixa. Agora, passou para R$ 80”, conta.

 

Comerciante do mesmo ramo na cidade, Jane Santos Cruz tamb�m acredita que o custo dos hortifrutigranjeiros no munic�pio s�o elevados em cerca de 40% por causa do frete. “Com a seca, os pre�os aumentam. As verduras e frutas ficam mais perec�veis e se perdem mais r�pido”, lamenta Jane. Ela trabalha em companhia do marido, Daniel Correa, que tamb�m viaja at� a Ceanorte, em Montes Claros, duas vezes por semana, para comprar as mercadorias, transportadas em uma caminhonete D-20.

 

“Aqui est� muito seco. Acho que esse clima prejudica a qualidade das verduras e frutas, al�m de provocar o aumento de pre�os por causa da baixa oferta. A seca interfere em tudo”, opina Josemary Alves de Souza, dona de casa, moradora de Francisco S� e freguesa do casal Jane e Daniel.

 

VENDAS DESPENCAM O empres�rio Ronaldo Figueiredo Prado, da Casa Prado, um dos estabelecimentos comerciais mais antigos de Francisco S�, h� 54 anos no mercado, relembra dos tempos �ureos da fartura de �gua no antigo Brejo das Almas. “Quase todo mundo aqui plantava alho e mantinha outras culturas. O dinheiro circulava na cidade, pois as pessoas vendiam o que produziam e depois faziam as compras no com�rcio local”, diz Ronaldo, que estima em 50% a queda de vendas dos comerciantes da cidade. “Tamb�m tivemos a queda da produ��o leiteira no munic�pio”, acrescenta.

 

Fundada por Joaquim de Deus Prado, o Seu Quincas, pai de Ronaldo, a Casa Prado � dos poucos pontos comerciais da �poca de ouro do alho que se mant�m de portas abertas at� hoje. Ao estilo dos antigos armaz�ns do interior, o estabelecimento comercializa uma grande variedade de produtos (mais de 5 mil itens, segundo Ronaldo), incluindo produtos curiosos, como corveta de espora (usada na montaria) e bainha de foice.

 


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