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Estado de Minas ECONOMIA

Pobres est�o sendo humilhados, diz Tereza Campello, ex-ministra do PT

Campello � uma das respons�veis pela �rea social da candidatura de Lula e diz que, se petista for eleito, valor de R$ 600 para o Aux�lio Brasil ser� mantido


25/10/2022 04:30 - atualizado 25/10/2022 08:43

Tereza Campello
Tereza Campello foi minstra do PT (foto: Roberta Fofonka/Sul21)
Absurdo, esdr�xulo, atrasado e desumano s�o alguns dos termos utilizados pela economista Tereza Campello para definir os resultados das altera��es na �rea social feitas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Especialista no tema, a ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate � Fome no governo Dilma Rousseff (PT) cita problemas em v�rias das frentes de atendimentos aos mais pobres.

As filas para o recadastramento s�o os mais recentes. "Intelectual gosta de falar termos como invisibilizado para definir o que ocorre", afirma. "Mas o povo diz que est� sendo humilhado, e a situa��o � essa mesma."

Segundo Campello, uma das respons�veis pela �rea social da candidatura de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), se o petista for eleito seu governo vai manter o valor de R$ 600 para o Aux�lio Brasil, dado o tamanho da compress�o de renda e da pobreza no Brasil.

Outra meta, ap�s tomarem p� das contas p�blicas, ser� buscar alternativas para garantir o adicional de R$ 150 a crian�as de zero a seis anos.

No entanto, ela refor�a que uma nova pol�tica p�blica para a �rea ir� muito al�m das transfer�ncias financeiras. "O desenho que queremos reconstruir n�o tem s� renda", afirma. "Pensa tamb�m na creche, na merenda escolar, no Farm�cia Popular -que s�o rendas indiretas."

 

PERGUNTA - Qual seria um novo arcabou�o da assist�ncia social em um eventual Lula 3?

TEREZA CAMPELLO - Como o trabalho � com 20 milh�es de fam�lias entre as mais vulner�veis, a primeira quest�o � n�o fazer nada de forma brusca. N�o vamos fazer altera��es de um dia para o outro, como fez esse governo que est� a�.

Nosso desenho considera, em primeiro lugar, a necessidade de manter o valor que as fam�lias recebem hoje. Isso pode parecer uma quest�o menor, mas n�o �, porque o valor do benef�cio n�o est� garantido no Or�amento.

Da vit�ria do Lula at� o dia 31 de dezembro, nosso esfor�o ser� garantir a reconstru��o da pe�a or�ament�ria para viabilizar os R$ 600.

Infelizmente, n�o sabemos o que far�o at� l�, qual ser� a situa��o de deteriora��o das finan�as p�blicas e que bombas ser�o armadas. Todos os dias, a gente acorda e leva um susto. Vemos que gastaram mais R$ 15 bilh�es aqui ou l�. O n�vel de irresponsabilidade � gigantesco.

S� depois que a gente tomar p� da situa��o, poderemos mensurar a velocidade que vamos dar ao processo de reconstru��o da equidade social.

Uma quest�o estrat�gica � come�ar pelas crian�as menores. Uma crian�a submetida � fome nos seis primeiros anos de vida sofre de forma diferente da de um adulto. Nossa ideia � conseguir R$ 150 por fam�lia que tenha crian�a de zero a seis anos.

Um exemplo: uma m�e com duas crian�as receberia os R$ 600 mais R$ 150 por uma crian�a e R$ 150 pela outra crian�a. O total seria R$ 900.

No entanto, seguir�amos com esse processo gradualmente, porque n�o � apenas isso que temos de fazer. Hoje, n�o tem dinheiro para creche, para merenda escolar ou para o Farm�cia Popular, que para essas fam�lias s�o rendas.

 

P.- Como assim?

TC- Aquela m�e com duas crian�as, se tiver acesso a creche, por um per�odo do dia n�o vai se preocupar com alimenta��o ou com fraldas e poder� trabalhar ou estudar. Se uma dessas crian�as tem asma, ela pode ter o rem�dio gratuito no Farm�cia Popular. Ficou mais dif�cil agora ter creche e rem�dios.

O Bolsa Fam�lia era muito diferente do Aux�lio Brasil, mas a principal diferen�a era que a fam�lia teria acesso a outros benef�cios quando entrasse no Cad�nico [Cadastro �nico para Programas Sociais]. A gente passava a saber se ela precisa de uma cisterna, se deveria entrar no Luz para Todos, se tinha uma crian�a pequena e precisava ser priorizada numa creche. Isso significava efici�ncia e planejamento para o gasto p�blico.

Se n�o h� um bom diagn�stico, voc� n�o consegue ter resultados, e � isso que est� acontecendo com esse governo agora. � um conjunto de absurdos.

 

P.- Pode citar alguns?

TC- Quando lan�aram o Aux�lio Brasil, eu critiquei muito duas coisas.

Eles falaram que estavam criando uma porta de sa�da, o Aux�lio Inclus�o Produtiva. Se a pessoa arrumasse um trabalho, receberia R$ 200 a mais. Sabe quanto eles gastaram com esse programa? Zero. Nem um centavo. Nem empenharam. Eles fizeram todo um bl�-bl�-bl� para justificar porque estavam acabando com o Bolsa Fam�lia, mudando o nome, e gastaram zero.

Agora, o Bolsonaro est� falando em fazer um programa para quem arranjar trabalho. Diz que vai dar R$ 800, R$ 600, mais R$ 200. � o mesmo programa que ele prometeu l� atr�s. O programa j� � lei, podia estar pagando e n�o gastaram nada, mas ele est� prometendo outra vez.

� comprovado mundialmente que n�o funciona esse desenho de dar uma cenoura para pessoa trabalhar -como se ela j� n�o trabalhasse. Ele parte do princ�pio de que a pessoa pobre recebe aux�lio porque � pregui�osa. � um conceito bastante atrasado. Nenhum pa�s adota isso como crit�rio para a constru��o de programas de transfer�ncia de renda.

O governo Bolsonaro tamb�m acabou com o Brasil Carinhoso, programa eficiente, que funcionava e, na minha opini�o, precisa ser retomado. Colocou no lugar o Aux�lio Crian�a Cidad�, que dava voucher, um vale creche, para a mulher que arrumasse um emprego. A creche deveria ser privada, n�o poderia ser p�blica ou conveniada.

� uma coisa completamente esdr�xula. Primeiro, mulher quer trabalhar e n�o precisa de est�mulo. Segundo porque, muitas vezes, ela n�o consegue trabalho exatamente porque n�o tem onde deixar a crian�a. Ent�o, se ela achar o trabalho, a� ela ganha o voucher? Tem uma invers�o a�, porque, antes de tudo, voc� tem que ofertar a vaga -que � um direito da crian�a, n�o s� da mulher- e, depois, a mulher pode procurar o emprego.

Eu pergunto: quanto acha que gastaram nesse programa? Ent�o, foi zero tamb�m. � inacredit�vel. Um ano dois meses depois, Bolsonaro n�o tem nada. N�o tem nem como eu comentar. N�o saiu do papel. Eu tenho de ficar discutindo conceitualmente.

 

P.- Fila costuma ser sinal de problema. O que nos contam as filas para o cadastro �nico que vimos recentemente?

TC- A fila, nesse caso, � para atualiza��o do cadastro. � um procedimento normal, regular, que deve acontecer de forma tranquila e autom�tica, com as fam�lias sendo informadas e chamadas.

H� uma conjun��o de desmandos gerando essas filas que, eu diria, � desumana. Intelectual gosta de falar termos como invisibilizado. Mas o povo diz que est� sendo humilhado, e a situa��o � essa mesma.

A primeira grande quest�o -e vai bater na porta dos munic�pios, at� para ser justa com eles- � que o governo gerou um problema estrutural. Ele vem cortando recursos da assist�ncia social de forma permanente. Sem atualizar os valores, d� para dizer que foram cortados dois ter�os do or�amento. No meu per�odo, eram R$ 3 bilh�es. A proje��o para o ano que vem � de R$ 49 milh�es.

Os cortes afetaram as redes constru�das por n�s nos anos 2000, redes de Cras [Centro de Refer�ncia de Assist�ncia Social que, basicamente, faz preven��o de vulnerabilidade] e de Creas [Centro de Refer�ncia Especializado de Assist�ncia Social, que cuida das consequ�ncias]. � com esse conjunto de equipamentos que os munic�pios prestam servi�os para atenderem programas sociais do governo federal, como Bolsa Fam�lia, o agora Aux�lio Brasil. Assim, o munic�pios est�o no limite, mas � na porta deles que as pessoas batem e xingam.

Tem Cras fechado. Cras trabalhando meio per�odo. Cras com duas ou tr�s pessoas para atender uma fila com 500. Tem que planejar. Mas o governo muda regra, antecipa data, altera crit�rio -tudo isso sem falar com o munic�pio. Foi assim que promoveu esse ato [o recadastramento], que estoura o sistema.

Nessa fila, na minha avalia��o, tem gente que foi chamada para a revis�o cadastral. Mas tamb�m tem gente que foi l� sem saber o que tem de fazer, e tem gente que foi por medo de perder o benef�cio. Como n�o h� informa��es, tamb�m deve ter muita gente tentando se cadastrar, al�m de fam�lias que est�o se dividindo para fazer cadastros individuais.

 

P.- Poderia explicar melhor a raz�o disso?

TC- O desenho que o governo montou para o Aux�lio Brasil estimula que as fam�lias se fracionem. Voc� pode ter duas a tr�s pessoas da mesma fam�lia na fila, o que aumenta a fila.

Agora, voc� pode contar que vai aparecer uma outra fila, mas na porta da Caixa Econ�mica. J� come�ou.

As pessoas, com dificuldade de acesso � informa��o, v�o atr�s do cr�dito consignado. O governo promoveu isso nesse per�odo -e nem podemos chamar de momento errado, porque querem isso na v�spera da elei��o- para que as pessoas possam ganhar esse b�nus na boca da urna.

Tem gente que pode estar indo no Cras atr�s do consignado.

 

P.- � poss�vel qualificar como desmonte do sistema o que estamos vendo?

TC- Se for para resumir, eu diria que temos o desmonte do Sistema �nico de Assist�ncia Social, a falta de comunica��o para combinar medidas com os munic�pios, o que os pega desprevenidos, e um desenho mal feito do Aux�lio Brasil.

 

P.- Sobre a mudan�a do desenho, poderia detalhar quais s�o as grandes diferen�as entre Bolsa Fam�lia e Aux�lio Brasil?

TC- A primeira quest�o est� na forma como fizeram o Aux�lio Emergencial, usando um aplicativo e dando o benef�cio por pessoa, quando o Bolsa era por fam�lia.

Quando o benef�cio � por fam�lia, voc� considera que ele � proporcional ao n�mero de pessoas -se a fam�lia � maior, recebe mais, se a fam�lia � menor, recebe menos. Ao dar o benef�cio individual, fizeram um chamamento para que as pessoas se cadastrassem de forma individual.

At� tentaram corrigir depois, mas o mal estava feito. Os ingressantes, os novos benefici�rios, se cadastraram individualmente.

Para completar o problema, eles estabeleceram um piso -um valor fixo, eu diria- que pega quase a totalidade das pessoas. Com isso, o tamanho da fam�lia foi desconsiderado. Um homem pobre morando sozinho -e falo esse exemplo porque a maioria dos cadastros unipessoais � de homens- e uma m�e com dois beb�s recebem a mesma quantia.

N�o estou dizendo que um homem pobre n�o deve receber benef�cio. No entanto, desse jeito, acaba criando injusti�as.

Falta de informa��o, falta de organiza��o das redes e um pr�-cadastro por aplicativo v�o gerando um conjunto de desinforma��o. No futuro teremos mais problemas, porque o cadastro foi desorganizado.

O cadastro �nico sempre teve uma vis�o de fam�lia para contemplar as situa��es diferenciadas de pobreza no Brasil. Muitas vezes, no mesmo domic�lio, por exemplo, voc� tem uma fam�lia, com uma sobrinha morando junto. O cadastro trazia isso. Agora, n�o.

 

P.- A sra. diz que a pol�tica p�blica da �rea social perdeu a no��o de fam�lia?

TC- Sim, perdeu. Desorganizou essa no��o, e tem um benef�cio que n�o contempla fam�lias. Assim, voc� cria uma iniquidade gigantesca. Est� errado um indiv�duo ganhar R$ 600, e uma m�e com duas crian�as pequenas ganhar os mesmos R$ 600. O indiv�duo est� recebendo R$ 600 per capita, e a m�e com as crian�as, R$ 200.

O conceito do Aux�lio Brasil at� � de fam�lia, mas o programa foi mal organizado e mal explicado. O cadastro n�o teve apoio da assist�ncia social, foi feito por pessoas que n�o conhecem a pobreza e n�o houve preocupa��o em como organizar o atendimento �s fam�lias.

 

P.- O valor de R$ 600 j� foi tema de debates. � considerado muito por uns, mas pouco por outros. Qual a sua opini�o?

TC- Hoje � R$ 600 sem o Farm�cia Popular, sem merenda escolar, sem muitas coisas. Precisa olhar o pacote, dado o tamanho da compress�o de renda e da pobreza no Brasil.

N�o fica claro para as pessoas, mas programas como Bolsa Fam�lia e Aux�lio Brasil oferecem um valor complementar para a renda de quem est� em idade de trabalho. S�o para atender fam�lias jovens, com filhos, e uma parte grande delas com filhos pequenos.

No auge do refinamento do Cadastro �nico, em 2012, a gente criou um benef�cio vari�vel, segundo a severidade da pobreza de cada fam�lia. Uma m�e pode n�o ter trabalho, a outra pode ser faxineira. As rendas variam. O n�vel de aperfei�oamento permitia esse desenho muito interessante. Al�m de mais justo, era de menor custo-benef�cio. Como cadastro foi desorganizado e falta de renda, agora, n�s temos que usar esse valor igual para todo mundo.

 

RAIO-X

Tereza Campello, 60

Natural de Descavado (SP), � Economista pela Universidade Federal de Uberl�ndia, doutora em Sa�de P�blicas pela Funda��o Oswaldo Cruz, com p�s-doutorado em Seguran�a Alimentar pela Universidade de Nottingham (Reino Unido). Com intensa vida acad�mica, � titular da C�tedra Josu� de Castro, na USP (Universidade de S�o Paulo). Filiada ao PT, participou da coordena��o de in�meros programas nas �reas social e ambiental. Ministra do Desenvolvimento Social e Combate � Fome no governo Dilma Rousseff (2011 a 2016). Coordenou o Plano Brasil Sem Mis�ria, que retirou 22 milh�es de pessoas da pobreza extrema


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