postado em 25/01/2020 04:00 / atualizado em 25/01/2020 07:37
Brumadinho, Caetan�polis, Curvelo, Par� de Minas e Paraopeba – Casas fechadas, com�rcio desativado e ares de comunidades fantasmas acompanham o rastro de rejeitos de 310 quil�metros deixado na Bacia Hidrogr�fica do Rio Paraopeba, ap�s o rompimento da Barragem B1, da Mina C�rrego do Feij�o, da Vale, em Brumadinho. O desprendimento de mais de 10 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio de ferro, que neste s�bado (25) completa um ano, matou 270 pessoas, sendo 11 ainda desaparecidas. Devastou a natureza e as pequenas comunidades de tal forma que muitos preferiram ir embora, seja de �reas urbanas ou rurais, deixando animais e rebanhos � pr�pria sorte, consumindo a �gua contaminada.
Uma realidade que a reportagem do Estado de Minas constatou de Brumadinho, onde ocorreu o rompimento, at� Curvelo, onde os rejeitos foram detidos pelo lago da Usina Hidrel�trica de Retiro Baixo. Na �rea do rompimento ainda se v� o rombo provocado pela ruptura da barragem e duas extremidades das ombreiras que apoiavam a estrutura. Abaixo, o caminho de destrui��o varreu vegeta��o, pedras maiores que caminh�es e retorceu as estruturas de extra��o, separa��o e beneficiamento de min�rio.
“Quando ocorreu o rompimento, os rejeitos n�o entraram imediatamente na calha do Ribeir�o Ferro-Carv�o, seguindo at� o Rio Paraopeba. Era tanta energia que aquela massa foi se chocando em terrenos mais altos e recuava criando remansos por quase 10 quil�metros at� o rio”, explica o tenente-coronel Alysson Malta, comandante das opera��es do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais em Brumadinho.
(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
1 - Mina C�rrego do Feij�o - Barragem B1 Onde ficava a Barragem B1. Base Bravo do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais onde se comanda e organiza o trabalho de busca pelos 11 desaparecidos. Obras emergenciais s�o realizadas
2 - Terminal de carga ferrovi�ria
3 - �rea administrativa da Vale
4 - Barragem IV
5 - C�rrego do Feij�o (Brumadinho) Lugarejo tem ares de cidade fantasma. Pessoas foram embora, com�rcio fechou e quem ficou quer sair. Reclamam de poeira constante e de grande n�mero de mosquitos
6 - Pousada Nova Est�ncia
7 - Pontilh�o destru�do
8 - Bairro Parque da Cachoeira (Brumadinho) Bairro foi dilacerado pela lama. Propriedades rurais foram devastadas, est�o sem energia el�trica, �gua superficial e subterr�nea foram embargadas por suspeita de contamina��o. O bairro em boa parte tamb�m foi abandonado
9 - Rio Paraopeba Manancial foi atingido em Brumadinho e carreou rejeitos por cerca de 300 quil�metros. Boa parte do rio foi comprometida. A capta��o da Copasa que fornecia �gua para a Grande BH foi suspensa e uma nova esta sendo constru�da 12 quil�metros antes. Comunidades ind�genas que tinham uma rela��o tradicional com o manancial acabaram tendo seu modo de vida prejudicado
10 - Brumadinho
(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
11 - Igarap�
12 - M�rio Campos
13 - Betim
14 - Par� de Minas Capta��o para 84.215 pessoas foi suspensa no Paraopeba. No primeiro momento �gua foi fornecida pela Vale e a capta��o passou a ser feita nos ribeir�es dos Moreiras e Cova Danta, que apresentam insufici�ncia na estiagem. Nova adutora de 48 quil�metros est� sendo implantada no Rio Par�, em Concei��o do Par�
15 - Esmeraldas
16 - Fortuna de Minas
17 - Papagaios
18 - Caetan�polis Munic�pio de 10.218 habitantes tinha 20% de sua capta��o no Rio Paraopeba e outros 80% em po�os. Prefeitura pediu consci�ncia no uso da �gua para evitar qualquer problema de fornecimento
19 - Paraopeba Munic�pio de 22.563 habitantes dependia de sua capta��o no Rio Paraopeba e de po�os subterr�neos. Mais po�os est�o sendo cavados e a antiga capta��o do C�rrego do Cedro foi reativada, mas a qualidade tem sido questionada
20 - Cachoeira do Choro Povoado tur�stico de Curvelo perdeu praticamente todo movimento de pescadores, sitiantes e pessoas em busca de turismo rural. A �gua do po�o que abastece a comunidade tem queixas de insalubridade
21 - Hidrel�trica Retiro Baixo A usina � o destino final dos rejeitos. Chegou a paralisar duas vezes as atividades, mas est� gerando energia normalmente. A unidade funciona desde 2010 e possui uma capacidade instalada de 82 Mega Watts, energia suficiente para atender 200 mil pessoas
22 - Represa de Tr�s Marias/Rio S�o Francisco N�o foram registrados rejeitos em Tr�s Marias, mas a Vale e os �rg�o ambientais mat�m monitoramento ao longo do Rio S�o Francisco
Nas �reas onde os bombeiros esgotaram as buscas, cerca de 95% dos 270 hectares, a Vale faz obras de conten��o de sedimentos para que as �guas do ribeir�o n�o levem mais s�lidos para o Rio Paraopeba. O rejeito removido ser� destinado � cava da mina, como antecipou o EM. Mais abaixo, seguindo um dos afluentes do ribeir�o, est� a primeira comunidade atingida, C�rrego do Feij�o. Era nesse local de onde decolavam helic�pteros para opera��es de busca e log�stica. Na comunidade de casas simples e t�pica paz interiorana funcionou uma base do Instituto M�dico-Legal e, no cemit�rio local, muitas v�timas foram enterradas.
A comerciante Gersina Inoc�ncia Silveira lamenta desaparecimento de turistas na comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press)
O lugarejo lembra uma cidade fantasma. Pessoas foram embora, lojas fecharam e quem ficou quer ir embora. “Est� muito dif�cil continuar morando no C�rrego do Feij�o. A gente se lembra dos helic�pteros levando corpos de amigos sobre as nossas cabe�as. Tem dia que falta luz. Tem dia que falta �gua. Uma por��o de gente cansou e foi embora. Queria que a Vale comprasse minha casa para eu ir embora tamb�m”, diz a dona de casa Marlene Gon�alves Ferreira, de 56 anos.
“A gente perdeu muita gente querida. Meus primos, duas sobrinhas. Nunca mais vou esquecer o barulho (do rompimento). Entendo as pessoas que se foram. Come�ou a ter ataques de nuvens de mosquitos, que n�o d�o sossego. Tenho cinco filhos, fica mais complicado recome�ar tudo”, desabafa a dom�stica Neusa Ferreira, de 67.
A professora Giselle Cristiane Niza Sales, de 37, do Projeto Casa Rosa, pensa em ir embora e abandonar a a��o que busca trazer mais equil�brio para a comunidade. “Nunca saiu da minha cabe�a a imagem da lama levando embora quem a gente ama. Meu marido chegou a trabalhar duas vezes na mina, imagina se estivesse l�? Quero ir embora. Acabou a alegria do C�rrego do Feij�o”, afirma.
Do outro lado do rombo que os rejeitos abriram no vale fica o Bairro Parque da Cachoeira, onde moradores se veem cada vez mais entre casas de portas fechadas, com�rcios abandonados e ruas vazias. O armarinho e mercearia do comerciante Jo�o Moreira do Carmo, de 64, era o plano de aposentadoria para ele e a mulher. O movimento era bom e estavam perto dos amigos, at� que ocorreu o rompimento. “Agora que todos est�o indo embora, fiquei aqui com o neg�cio vazio, sem saber se abro ou fecho.”
Usina Hidrel�trica de Retiro Baixo, destino final dos rejeitos de min�rio, chegou a paralisar duas vezes as atividades (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press)
O leito do Ribeir�o Ferro-Carv�o desce ap�s as comunidades para os �ltimos quil�metros at� a foz no Rio Paraopeba. Faltando 400m para o encontro, um represamento constru�do pela Vale ret�m a �gua, que � bombeada para uma esta��o de tratamento moderna. S�o v�rios processos de decanta��o, separa��o dos rejeitos por meio de produtos especiais e a retirada mec�nica do acumulado.
A �gua que volta ao Rio Paraopeba tem se apresentado abaixo do limite para turbidez (s�lidos na �gua) do Conselho Nacional de Meio Ambiente. Contudo, segundo levantamento da organiza��o n�o governamental SOS Mata Atl�ntica, divulgado ontem, n�o h� um trecho sequer do Paraopeba com condi��es de consumo de �gua, devido � presen�a de contaminantes dos rejeitos e de metais pesados.
No �ltimo trecho do ribeir�o, um projeto-piloto de reconforma��o da calha original e reflorestamento em seus 400 metros finais, o chamado Marco Zero, tem obtido resultados animadores que poder�o ser replicados na �rea impactada. Dois quil�metros do Rio Paraopeba tamb�m receber�o o projeto e j� est�o sendo dragados para a remo��o dos rejeitos. Adiante, perto de Inhotim, a capta��o da Copasa para a Grande BH foi suspensa e uma nova est� sendo constru�da 12 quil�metros antes.
Qualidade das �guas do Paraopeba
“Quando a �gua da torneira n�o sai barrenta, sai branca e com cheiro de cloro. S� parar de chover que vamos voltar a ter essa �gua p�ssima, que faz a gente ter diarreia.” A reclama��o � da dona de casa Mariane Diaz de Souza, de 23 anos, moradora de Paraopeba, na Regi�o Central de Minas, m�e de dois fi- lhos. Desde que ocorreu o rompimento da barragem, em Brumadinho, a 130 quil�metros de dist�ncia, a mulher conta que a interrup��o da capta��o do Rio Paraopeba e sua substitui��o pelo Ribeir�o do Cedro fez despencar a qualidade do consumo no seu bairro, o Dom Bosco. “�s vezes, vinha �gua s� de noite e a gente tinha de guardar. Passava o dia sem �gua e depois vinha �gua suja ou branquinha de cloro. Diarreia virou uma epidemia aqui. Adultos, idosos e crian�as, qualquer um ficava doente”, conta.
Mariane Diaz, moradora de Paraopeba, critica qualidade da �gua fornecida no munic�pio, que fica ha�130 quil�metros de Brumadinho (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Press)
“Tinha vez que tinha de deixar as panelas sujas ou ir at� a casa da minha irm� para lavar as panelas, de t�o suja que a �gua come�ou a vir. Se parar a chuva, acho que esse inferno vai voltar”, afirma a frentista Rosimeire Primeiro, de 35. “Se comer fica doente. Se tomar banho queima o chuveiro. N�o sei se � pior ficar: ter ou n�o essa �gua ruim”, lamenta a dona de casa Katia Aparecida Rocha Gomes Vieira, de 24.
A qualidade da �gua tamb�m fez com que a comunidade de Cachoeira do Choro, em Curvelo, a 50 quil�metros de Paraopeba, tivesse de usar caminh�es-pipa e �gua mineral quando o po�o come�ou a apresentar suspeitas de contamina��o. O lugarejo vivia basicamente do turismo � volta do rio e suas corredeiras de pedra. Campings, pousadas, ranchos e com�rcios fecharam depois do rompimento.
A bonan�a econ�mica de antigamente fez at� com que a aposentada Gersina Inoc�ncia Silveira, de 65, e de BH, deixasse a capital para montar uma sorveteria de sabores do cerrado h� 5 anos. “Antes, aqui era cheio em todas as �pocas do ano, e n�o era s� para pescar que as pessoas vinham. Tinha muitos passeios. Foi romper a barragem que a coisa definhou.”
At� a Hidrel�trica Retiro Baixo, no mesmo munic�pio, s�o mais 26 quil�metros. O lago conseguiu parar a onda de rejeitos que ingressou no fundo do represamento. Ainda assim, as d�vidas sobre a qualidade da �gua refletiram no mercado imobili�rio e v�rios condom�nios e empreendimentos de fim de semana e recessos pararam de vender propriedades.
A usina chegou a paralisar duas vezes a gera��o de energia para evitar que a �gua contaminada danificasse seus equipamentos, mas est� gerando energia normalmente. A unidade funciona desde 2010 e tem capacidade instalada de 82 megawatts (MW), energia suficiente para atender 200 mil pessoas.
O que diz a mineradora Vale
A possibilidade de quem deseja sair de casa e ter im�vel comprado pela Vale existe, mas em situa��es espec�ficas. A mineradora informou que “todo o atendimento realizado pela empresa respeita o desejo e a privacidade das fam�lias atingidas”. Contudo, “as a��es emergenciais, bem como as obras de cunho social acordadas com o munic�pio, demandaram e ainda demandar�o a aquisi��o de im�veis, raz�o pela qual ainda n�o conseguimos precisar o n�mero. Quanto a outras �reas necess�rias, a Vale est� em tratativas junto aos propriet�rios, conciliando sempre a necessidade de execu��o de obras e o pleito dos envolvidos, em harmonia com o termo de compromisso celebrado com a Defensoria P�blica do Estado de Minas Gerais”.
Sobre o desabastecimento causado pela polui��o do Rio Paraopeba em Paraopeba e Caetan�polis, a Vale informou que “est� instalando po�os profundos a fim de evitar que este curso d'�gua seja necess�rio na pr�xima estiagem. A previs�o � de que as obras estejam conclu�das ainda no primeiro trimestre de 2020”. A pesca profissional est� proibida no Rio Paraopeba desde 2004, mas quanto aos pescadores e barranqueiros que exerciam a pesca amadora, a Vale informa que “est�o sendo discutidas, com os �rg�os competentes, formas de indeniza��o. Toda atividade econ�mica impactada � pass�vel de indeniza��o, bastando os atingidos procurarem a Defensoria P�blica de Minas Gerais ou o escrit�rio de indeniza��o da Vale, em Brumadinho”.