Segundo o F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, por dia, cerca de 180 meninas e mulheres s�o estupradas no Brasil. Entre as v�timas, por hora, quatro s�o crian�as de at� 13 anos.
Em Minas Gerais, apenas uma menor de 14 anos teve a gravidez interrompida em 2020, segundo dados do DataSUS, diante de 554 adolescentes com menos de 14 anos gr�vidas e de 844 casos de estupro de vulner�vel registrados no estado de janeiro a junho do ano passado. Em m�dia, s�o 4,6 casos de meninas de at� 14 anos estupradas por dia no estado.
Al�m do trauma emocional e f�sico, algumas v�timas tamb�m sofrem com outra grande consequ�ncia, a gravidez. Nestes casos, o aborto � permitido no Brasil e realizado apenas em servi�os de sa�de.
Com a pandemia, o acesso � hospitais e interna��es ficou mais dif�cil para procedimentos n�o relacionados � COVID-19, por isso, o Minist�rio da Sa�de aprovou uma portaria em mar�o do ano passado, permitindo o uso da telemedicina, enquanto durar a emerg�ncia sanit�ria no Brasil.
Tendo esse aval, somado � dificuldade de atendimento humanit�rio �s v�timas de estupros, o Hospital de Cl�nicas de Uberl�ndia aprovou, por meio do Nuavidas, a interrup��o da gravidez por telemedicina em v�timas de estupro.
O acompanhamento das v�timas de abusos sexuais j� acontecia desde 2017, quando o servi�o foi criado na inten��o de oferecer uma ajuda humanizada e sem neglig�ncias � quem j� sofreu uma agress�o. Segundo a coordenadora geral do Nuavidas e m�dica ginecologista, Helena Paro, os atendimentos n�o s�o apenas para as meninas e mulheres que sofrem, tamb�m, a consequ�ncia da gravidez.
“O Nuavidas � um n�cleo de profissionais da Sa�de e do Direito que prestam assist�ncia �s pessoas em situa��o de viol�ncia sexual. N�o s� aquelas que engravidam, mas as que n�o tamb�m. A maioria dos atendimentos n�o � feito com gestantes, � mais com crian�as, adolescentes e outras mulheres que n�o chegam a sofrer a maior consequ�ncia da viol�ncia, que � a gravidez” explica a m�dica ginecologista e obstetra.
O aborto no Brasil � permitido em tr�s casos, dois deles foram aprovados em 1940 e outro � mais recente, descriminalizado em 2012 pelo Supremo Tribunal Federal. Veja:
- Quando n�o h� outro meio de salvar a vida da gestante;
- Se a gravidez decorre do estupro;
- Se o feto � anenc�falo (malforma��o fetal, que impede o desenvolvimento de estruturas muito importantes do sistema nervoso central, como o c�rebro).
As dificuldades para realiza��o da interrup��o legal da gravidez j� eram grandes antes da pandemia, mas de acordo com a Folha de S�o Paulo o coronav�rus agravou as dificuldades que os servi�os legais enfrentavam no Brasil.
Um levantamento da revista Az Minas em parceria com a G�nero e N�mero e a ONG Artigo 19 em junho de 2020, mostrou que apenas 55% dos 76 locais de atendimento continuavam funcionando na pandemia.
Ainda segundo uma publica��o da Folha, em 2019, menos da metade dos hospitais recuperados no Minist�rio da Sa�de confirmaram que realizam o servi�o. De 176 institui��es apenas 76 estavam ativas. Ou seja, durante a pandemia pouco mais de 40 locais estavam prestando o servi�o regularmente em todo o pa�s.
Observando as dificuldades tanto para presta��o de servi�o, quanto para utilizar leitos hospitalares em plena crise sanit�ria, o Nuavidas iniciou um novo projeto, com aprova��o da dire��o do Hospital de Cl�nicas da Universidade Federal de Uberl�ndia, da Comiss�o de �tica da institui��o e do Minist�rio P�blico Federal em Uberl�ndia.
O uso da telemedicina foi autorizado pela Lei nº 13.989/2020, em car�ter emergencial, e pela portaria nº 467/2020 do Minist�rio da Sa�de e com esse aval, o apoio �s v�timas de viol�ncia sexual passou a acontecer de forma h�brida, sendo a primeira consulta presencial com assistentes sociais, m�dicos e psic�logos, respeitando os protocolos de seguran�a para preven��o da COVID-19, e os demais atendimentos remotos.
Durante a consulta presencial, todo o procedimento � explicado � v�tima, que precisa assinar alguns termos de compromisso exigidos pela lei, num processo padr�o para interrup��o da gravidez. Al�m disso, todos os contatos da equipe m�dica s�o disponibilizados e esses ficam dispon�veis 24 horas para a mulher, que � acompanhada ao longo da ingest�o do medicamento.
O aborto legal farmacol�gico (com rem�dio) � feito no Brasil com um medicamento seguro e eficaz, al�m de fazer parte da lista de medicamentos que apenas hospitais podem comprar. Os comprimidos s�o entregues � paciente, junto com toda a documenta��o de orienta��o enquanto ela est� no atendimento presencial do Nuavidas.
Em outros pa�ses, como Reino Unido e Estados Unidos o mesmo medicamento � utilizado e o servi�o de telemedicina � comum, sendo uma das principais sa�das para manter a sa�de da mulher durante a pandemia. Inclusive, o rem�dio �, por diversas vezes, entregue em casa, pelos Correios. Mas esse mecanismo n�o acontece no Brasil, apesar de ser uma possibilidade.
Com quase um ano de atendimentos remotos, o Nuavidas enfrenta algumas cr�ticas que, para a coordenadora do projeto, fazem parte de pensamentos n�o cient�ficos. “Vemos que algumas posi��es s�o ideol�gicas e n�o t�cnicas, cient�ficas. Que tentam criminalizar os servi�os legais. Quando falamos de aborto legal, falamos do procedimento mais seguro da �rea de obstetr�cia. O aborto orientado por profissionais da sa�de, � 14 vezes mais seguro que um parto original, que j� � um procedimento muito seguro dentro da ginecologia e obstetr�cia”, explica a m�dica.
De acordo com os procedimentos da lei, � preciso realizar um exame f�sico, ultrassonografia e interna��o para interrup��o da gravidez. Entretanto, os casos de aborto medicamentoso nem sempre exigem a interna��o, por se tratar de um procedimento e rem�dio j� estudados, com resultados publicados � comunidade internacional.
“A interna��o n�o � necess�ria nos casos de gravidezes mais iniciais, porque o procedimento � extremamente seguro. � o tratamento mais seguro na �rea da obstetr�cia e as evid�ncias cient�ficas j� s�o bastante suficientes para n�o impormos a exig�ncia de interna��o para o tratamento de aborto medicamentoso”, explica Helena Paro.
O aborto com o medicamento utilizado no Brasil � recomendado at� 63 dias de gesta��o ou nove semanas, em outros pa�ses o limite de tempo � ainda maior. Uma pesquisa publicada na revista BMJ Sex Reproductive Health acompanhou mulheres com menos de 12 semanas de gesta��o, que realizaram aborto domiciliar por meio de consulta telef�nica sem a realiza��o de ultrassom durante a pandemia na Esc�cia.
O estudo concluiu que o aborto domiciliar, no primeiro trimestre da gesta��o, por meio da telemedicina e sem a realiza��o do ultrassom � altamente eficaz com �ndices baixos de complica��o, sendo, inclusive, a escolha primordial das mulheres.
Outro estudo envolvendo 4.522 participantes de sete pa�ses concluiu que n�o h� diferen�a relevante na efetividade do procedimento realizado a domic�lio ou no hospital. J� no Reino Unido, pa�s onde o aborto � legalizado em amplas circunst�ncias, uma pesquisa foi feita com 519 mulheres que buscaram medicamentos para interromper a gravidez e os resultados mostraram que, mesmo com os respaldos legais, as mulheres enfrentam diversas barreiras log�sticas ou pessoais para acessar os servi�os, resultando na prefer�ncia do procedimento realizado em casa.
O aborto medicamentoso tem ampla recomenda��o internacional, al�m de ser mais seguro e mais barato para os sistemas de sa�de, leva menos sofrimento e risco para as mulheres. No Brasil, a recomenda��o j� existe desde 2018 na Federa��o Brasileira das Associa��es de Ginecologia e Obstetr�cia (FEBRASGO).
Desde agosto de 2020, o Nuavidas realizou 17 acompanhamentos por telemedicina e todos tiveram sucesso no procedimento. Com a tristeza da situa��o em que � colocada ap�s o abuso, as mulheres e meninas que sofrem com tudo isso retomam a vida. Segundo a m�dica, ela v� um renascimento no olhar das v�timas, n�o s� daquelas atendidas remotamente.
“Vejo o renascimento de meninas e mulheres. Ap�s os atendimentos, a palavra � al�vio. Depois do tratamento, elas voltam a sonhar e planejar, todas me trazem essa sensa��o”, finaliza a coordenadora do Nuavidas.
* Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Ellen Cristie.
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