
Em um encontro com o premi� da Espanha Pedro S�nchez, Fern�ndez disse que "os mexicanos sa�ram dos �ndios, os brasileiros sa�ram da selva, mas n�s argentinos chegamos dos barcos, barcos que vinham da Europa".
Logo depois, ele se desculpou, em suas redes sociais, dizendo que n�o queria ofender ningu�m e enviou uma carta de esclarecimentos � diretora do Instituto Nacional contra a Discrimina��o, a Xenofobia e o Racismo (INADI).
"A Argentina foi um dos pa�ses do mundo que mais imigra��o europeia recebeu entre o fim do s�culo dezenove e o in�cio do s�culo vinte. Isso gera um la�o cultural imposs�vel de deixar de lado", escreveu.
E acrescentou que isso n�o o faz ignorar que antes da coloniza��o (espanhola) existiam diferentes povos origin�rios e que hoje a Argentina � resultado desta hist�ria e de "muitos outros povos", incluindo as imigra��es dos pa�ses da Am�rica Latina.
Mas com a frase sobre os "barcos", Fern�ndez acabou sendo fortemente criticado tamb�m por seus opositores, que viram nele um "ato racista" e um "desconhecimento" sobre a hist�ria.
O fato � que sua fala sobre a ascend�ncia europeia, e que costuma ser repetida por setores da sociedade argentina e est� registrada at� em can��es populares, colocou o foco em um cap�tulo importante da hist�ria do pa�s, mas deixando de lado outros cruciais como os povos origin�rios, os negros e outros imigrantes, al�m dos europeus.
Nos �ltimos anos, a popula��o afrodescendente, assim como os povos origin�rios, t�m buscado reafirmar de forma ativa sua identidade no pa�s. Entre eles, a carta de Fern�ndez ao INADI foi vista como "limitada", "sem reconhecer as demandas de reconhecimento de genoc�dio dos povos ind�genas" e "n�o esclareceu e redimiu o racismo embutido na sociedade argentina", como disse um de seus integrantes � BBC News Brasil. A problem�tica levou aliados de Fern�ndez a disserem que n�o participariam da "discuss�o alimentada pela direita".

Estudioso das quest�es migrat�rias e raciais da Argentina, o soci�logo e professor em�rito da Universidade de Buenos Aires (UBA) Mario Margulis disse que ainda h� argentinos que entendem que est�o muito mais pr�ximos da Europa do que da identidade latino-americana — e que a hist�ria e at� a atual geografia da cidade de Buenos Aires explicam esse quadro.
Margulis lembrou que, na presid�ncia de Domingo Faustino Sarmiento, de 1868 a 1874, a Argentina era um pa�s praticamente despovoado com cerca de um milh�o e meio de habitantes quando come�aram a chegar, at� 1930, aproximadamente seis milh�es de imigrantes ao pa�s, principalmente italianos e espanh�is. Mas tamb�m, apesar de em muito menor quantidade, �rabes e judeus.
Foi aquela forte imigra��o, disse, especialmente no s�culo 19, marcado por discursos "racistas" em v�rias partes do mundo, onde a pele branca e europeia era valorizada e prestigiada, que acabou povoando as mentes de setores da sociedade argentina. Os imigrantes, fugindo de guerras e persegui��es em suas terras de origens, desembarcaram na regi�o central da Argentina — Buenos Aires, C�rdoba, Santa Fe, Mendoza e Entre R�os.
Os europeus, disse o estudioso, eram vistos como "uma classe superior" e "as outras cores de pele, que n�o eram brancas, e at� a forma dos corpos eram vistas como inferiores". Para ele, "os preconceitos" continuam existindo de v�rias formas, mantendo os vest�gios do s�culo dezenove, o s�culo do colonialismo e do pensamento racista.
"Em toda a Am�rica Latina houve, e ainda h�, uma forma de racismo, que vem desde o chamado descobrimento da Am�rica. O preconceito vem das entranhas da Am�rica Latina desde a chegada de Colombo", disse Margulis.
Recordando passagens de um de seus livros, Margulis lembrou na entrevista � BBC News Brasil que "ind�genas e mesti�os, assim como os escravizados negros, foram a m�o de obra barata ou for�ada no per�odo colonial".
"Desde a chegada dos espanh�is e durante toda a �poca colonial, o racismo foi a base social. As estruturas forjadas nessa �poca continuam presentes, estimuladas pelo racismo expl�cito dos pensadores do s�culo dezenove."
Ele ratificou o que disse em uma das suas obras, dizendo que o assunto continua "invis�vel", inclusive entre pensadores de esquerda.
"Em linhas gerais, a cor da pele coincide com a pobreza", disse.
Ele ilustrou suas observa��es sobre as "v�rias manifesta��es de preconceitos" com o que ocorre hoje na capital argentina.
"H� uma popula��o nas esta��es de trem Constituci�n e Once, que leva aos sub�rbios, que n�o � a mesma que mora no bairro (rico) da Recoleta", disse Margulis. Para ele, este retrato ainda � resultado da constru��o do pa�s. Quando perguntado se n�o h� integra��o ap�s tantos anos ap�s a chegada dos imigrantes europeus, ele respondeu: "integra��o desigual".

Para ele, os corpos descendentes da mesti�agem e da pobreza tamb�m s�o diferentes do corpo propagado da beleza ideal, o que tamb�m contribui para o preconceito.
"A mulher gorda que teve oito filhos e tem o estere�tipo da mesti�agem n�o tem a mesma aten��o que aquela que responde aos estere�tipos da beleza (a imagin�ria beleza europeia) propagada pelos meios de comunica��o", disse.
"A segrega��o existe e ela � vis�vel. E apesar da integra��o, que � desigual, o preconceito e a discrimina��o continuam existindo", disse. Margulis citou frases dos l�deres da �poca, incluindo Sarmiento, e escritores como Jorge Luis Borges, al�m de brit�nicos, para recordar as formas de racismo e valoriza��o da pele branca.
Margulis entende que foi na d�cada de 1940, com a chegada do ex-presidente Juan Domingo Per�n (1895-1974) ao poder, que os argentinos "euronativos" explicitaram sua maior rejei��o aos mesti�os, que chegaram do interior do pa�s em Buenos Aires. Ali nasceu, ent�o, recordou, a express�o "cabecitas negras" (pele morena e cabelo escuro) por parte dos que rejeitaram as outras culturas da identidade nacional.
Para ele, o racismo est� expl�cito tamb�m no vocabul�rio argentino, como "villeros" (em refer�ncia aos que moram nas favelas) e nas alus�es a imigrantes como os paraguaios e bolivianos, por exemplo. No entanto, na sua vis�o, no caso de Fern�ndez, ele n�o cometeu um ato racista, mas "um lament�vel descuido".
Na entrevista, Margulis, de 88 anos, disse que h� muito tempo n�o viaja ao Brasil, mas que pelo que acompanha das not�cias do pa�s o racismo ali tamb�m continua em vigor. E a situa��o n�o seria muito diferente, disse, nos Estados Unidos, onde negros foram alvos recentemente de "linchamentos".
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