
Em meio � escassez de medicamentos essenciais para pacientes intubados, os respons�veis pela Santa Casa de S�o Carlos (SP) decidiram, h� cerca de duas semanas, desativar seis dos 30 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados a pacientes com a COVID-19.
Os respons�veis pelo local afirmam que a medida se tornou necess�ria para n�o faltar medicamentos aos pacientes que j� est�o intubados na unidade de sa�de.
"Fizemos isso porque temos enfrentado dificuldades para conseguirmos analg�sicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares, que s�o fundamentais para pacientes intubados", diz o infectologista Vitor Marim, diretor-t�cnico do hospital.
Segundo Marim, os seis leitos que est�o vagos foram bloqueados no momento em que os pacientes que estavam neles receberam alta hospitalar.
"H� uma press�o muito grande para admitirmos novos pacientes. O nosso desejo � voltar aos 30 leitos. Mas a gente n�o consegue fazer isso agora, pela incerteza se teremos medicamentos suficientes para assistir os internados", declara o m�dico � BBC News Brasil.
A decis�o de diminuir as vagas na unidade � preocupante, em raz�o da tr�gica fila por um leito de UTI, na qual somente em mar�o morreram quase 500 pessoas em S�o Paulo. Por�m, Marim afirma que foi a �nica alternativa no atual per�odo. "Se esses leitos estivessem ocupados agora, certamente estar�amos sem medica��es", declara.
Mesmo com a redu��o de 20% no atendimento na UTI destinada a casos de COVID-19, Marim aponta que atualmente h� medicamentos para pacientes intubados somente pelos pr�ximos tr�s ou quatro dias.
"O estoque de anest�sico, principalmente, est� muito cr�tico", declara. Ele ressalta, por�m, que a situa��o � din�mica e que "a busca por fornecedores � incessante e di�ria", por isso acredita que a unidade logo deve conseguir abastecer o estoque.
A atual realidade da Santa Casa de S�o Carlos � um exemplo em meio a tantas outras unidades de sa�de que tamb�m vivem o drama da escassez de medicamentos que comp�em o chamado "kit intuba��o". Esse cen�rio tem sido registrado em todo o pa�s.
Nesta quarta-feira (14/4), S�o Paulo ganhou destaque em rela��o ao tema, ap�s o governo estadual solicitar os medicamentos com urg�ncia ao Minist�rio da Sa�de e afirmar que teve pedidos anteriores ignorados pelo governo federal.

Escassez do 'kit intuba��o'
Medicamentos do chamado "kit intuba��o" — como anest�sicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares — s�o fundamentais para pacientes intubados porque garantem a chegada de oxig�nio aos pulm�es, como nos casos graves de COVID-19.
Diante do atual cen�rio no pa�s, o pior desde o in�cio da pandemia, a explos�o de interna��es pela COVID-19 fez com que o sistema de sa�de ficasse ainda mais sobrecarregado.
Cada vez mais, os medicamentos para pacientes em estado grave s�o utilizados. A partir de ent�o, eles viraram alvos de alertas sobre a possibilidade de se tornarem escassos.
Em mar�o deste ano, o Minist�rio da Sa�de tomou uma s�rie de medidas administrativas para centralizar as compras dos medicamentos que comp�em o chamado "kit intuba��o".
Com isso, todo o excedente de produ��o dos laborat�rios farmac�uticos que fabricam esses anest�sicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares foi encaminhado para o Governo Federal, que ficou respons�vel por realizar a distribui��o aos Estados por meio do Sistema �nico de Sa�de (SUS).
Para o Minist�rio da Sa�de, na �poca sob o comando do ent�o ministro Eduardo Pazuello, a centraliza��o das compras de medicamentos do "kit intuba��o" seria uma forma de melhorar a distribui��o dos itens pelo pa�s.
Mas desde o m�s passado, os relatos sobre escassez desses medicamentos se tornaram cada vez mais comuns.
O secret�rio de Sa�de do Estado de S�o Paulo, Jean Gorinchteyn, afirmou nesta semana que a quantidade de medicamentos enviada ao Estado at� o momento � "�nfima".
Na ter�a-feira (13/4), o governo de S�o Paulo encaminhou um of�cio ao Minist�rio da Sa�de afirmando que precisava receber medicamentos do kit intuba��o em 24 horas para repor estoques e evitar o desabastecimento das medica��es nos hospitais.
Gorinchteyn disse que encaminhou, nos �ltimos 40 dias, nove of�cios ao Minist�rio da Sa�de sobre a situa��o e a redu��o cont�nua dos estoques. Apesar disso, ele afirma que n�o recebeu nenhuma resposta.
"� medida que o Governo Federal fez essa requisi��o emergencial, n�s perdemos a possibilidade de adquirir esses produtos. N�s atendemos os nossos hospitais estaduais, mas os munic�pios tamb�m est�o pedindo ajuda e n�s precisamos acolh�-los", declarou Gorinchteyn, em entrevista coletiva na quarta-feira (14/4).
O secret�rio de S�o Paulo afirmou que a situa��o no Estado � "grav�ssima". Ele disse que o sistema de sa�de est� na "imin�ncia do colapso" por causa da escassez desses medicamentos.
De acordo com Gorinchteyn, o Estado paulista precisa receber essas medica��es com urg�ncia para conseguir abastecer 643 hospitais pelos pr�ximos dez dias.
Durante a coletiva de quarta-feira, o governador de S�o Paulo, Jo�o Doria (PSDB), afirmou que o Minist�rio da Sa�de "cometeu um erro grav�ssimo" ao centralizar a compra e distribui��o dos medicamentos.
"Nenhum governo estadual, municipal ou institui��es privadas pode adquirir esses insumos porque as empresas receberam um confisco, um sequestro do Governo Federal. Gostar�amos de saber por que o Minist�rio da Sa�de n�o faz a distribui��o desse material aos Estados, que podem levar at� a ponta nos hospitais", declarou.
Nos �ltimos dias, representantes de Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Bahia e outros Estados tamb�m fizeram manifesta��es e alertas ao Minist�rio da Sa�de sobre a escassez dessas medica��es.
Esse cen�rio existe atualmente em todos os Estados, segundo o Conselho Nacional de Secret�rios de Sa�de (Conass).
Em nota � BBC News Brasil, o Minist�rio da Sa�de afirma que j� distribuiu mais de 8 milh�es de medicamentos "para intuba��o de pacientes ao longo da pandemia". Segundo a pasta, um grupo de empresas vai doar, nesta semana, mais de 3,4 milh�es de medicamentos, "que ser�o distribu�dos imediatamente aos entes federativos".
O Minist�rio da Sa�de afirma que est�o em andamento dois preg�es e uma compra direta desses medicamentos por meio da Organiza��o Pan-Americana de Sa�de (OPAS).
"A pasta esclarece que todos os acordos feitos para aquisi��o de medicamentos de intuba��o orotraqueal (IOT) respeitam a realidade de cada fabricante, os contratos fechados anteriormente e a necessidade do Brasil, contemplando hospitais p�blicos e privados nas regi�es com maior risco de desabastecimento", diz o comunicado do Minist�rio da Sa�de.
'Est� faltando em muitos locais'
Um m�dico intensivista que trabalha em UTIs de hospitais da Grande S�o Paulo afirma � BBC News Brasil que muitas unidades de sa�de da regi�o t�m enfrentado diversas dificuldades diante da escassez do "kit intuba��o".
"A atua��o est� muito complexa. Hoje mesmo estava com o pessoal de compra de um hospital e n�o conseguiram sequer uma ampola de bloqueadores musculares. O Minist�rio da Sa�de ordenou que as f�bricas repassem os medicamentos ao governo federal, por�m isso n�o est� chegando na ponta", critica o m�dico, que pediu para n�o ser identificado.
"A gente tem recorrido a drogas alternativas, que n�o usamos em condi��es normais. Isso virou uma realidade em grande parte do pa�s", acrescenta o m�dico.
Pelo pa�s, profissionais de sa�de t�m recorrido a medicamentos que normalmente n�o s�o usados em terapia intensiva para manter paciente em ventila��o mec�nica atualmente. Desta forma, medicamentos que j� estavam em desuso para esse fim voltaram a ser adotados em alguns locais, como Metadona (opioide), Diazepam (ansiol�tico) em comprimido, tiopental (barbit�rico usado para indu��o de anestesia geral), entre outros.

O intensivista ouvido pela reportagem afirma que faltou organiza��o do Minist�rio da Sa�de em rela��o aos medicamentos.
"Chegamos � atual situa��o porque houve aumento mundial no consumo dessas drogas, mas isso era admiss�vel. O governo federal deveria ter colocado as f�bricas para at�, se poss�vel, quintuplicar as produ��es dessas drogas no Brasil ou importar para ter um estoque estrat�gico. Era preciso ter vis�o estrat�gica", diz.
O m�dico diz que o cen�rio de escassez do "kit intuba��o" aumenta a mortalidade nas unidades de sa�de. Ele afirma que essa situa��o supera at� a j� preocupante m�dia de 80% de mortes entre os infectados que precisam de ventila��o mec�nica no Brasil, conforme revelou levantamento feito em 2020 pelo pesquisador Fernando Bozza, da Fiocruz — a m�dia mundial � de, aproximadamente, 50% de �bitos nesse est�gio da doen�a.
"Posso dizer que est� faltando muitos (medicamentos) em muitos locais. Isso faz com que a qualidade da assist�ncia fique p�ssima. N�o � toa a mortalidade em v�rios locais est� acima de 90% em quem � intubado", declara o intensivista.
Dificuldades para adquirir medica��es
Na Santa Casa de S�o Carlos, cujos atendimentos s�o por volta de 80% relacionados ao SUS, os estoques duravam de sete a 10 dias no ano passado, em meio � pandemia. "Se precisasse, a gente conseguia buscar o material, pois sabia onde encontrar", afirma o infectologista Vitor Marim.
Agora, al�m de alguns medicamentos terem aumentado at� 500% em raz�o da alta demanda, os respons�veis pelos hospitais enfrentam dificuldades para encontrar os f�rmacos.
"Hoje, nem se tiv�ssemos muito dinheiro conseguir�amos encontrar com facilidade, por causa da escassez no mercado", declara Marim.
No fim de mar�o, por exemplo, a unidade de sa�de de S�o Carlos precisou receber anest�sicos de outros dois hospitais da regi�o porque n�o tinha o medicamento para a intuba��o de pacientes com a COVID-19. Situa��o semelhante j� foi registrada em outras unidades de sa�de de S�o Paulo, como a Santa Casa de Limeira, que tamb�m precisou pedir medicamentos a outros hospitais.
Um levantamento feito com 300 hospitais filantr�picos nesta semana pela Federa��o das Santas Casas e Hospitais Beneficentes de S�o Paulo (Fehosp) apontou que as unidades de sa�de do Estado entraram em contato com mais de 22 fornecedores de medicamentos no in�cio desta semana e n�o encontraram possibilidade de compra.
Segundo a Fehosp, a Secretaria de Sa�de do Estado de S�o Paulo tem auxiliado, mas n�o tem conseguido grandes volumes dos f�rmacos.

"Estamos batalhando por importa��es que est�o sendo lideradas pela Confedera��o das Santas Casas, mas os estoques no exterior tamb�m n�o est�o dispon�veis e tememos pelo pior. Se o volume de interna��o n�o cair rapidamente, n�o conseguiremos repor os estoques e ser� uma situa��o tr�gica", afirmou o diretor-presidente da Fehosp, Edson Rogatti, em nota encaminhada � imprensa.
O levantamento da Fehosp apontou que mais de 160 hospitais consultados tinham estoques de anest�sicos, sedativos e relaxantes musculares para, em m�dia, tr�s a cinco dias de dura��o. Al�m disso, os respons�veis pelas unidades tamb�m relataram que os antibi�ticos estavam come�ando a ficar escassos.
Segundo a federa��o, alguns dos hospitais que est�o operando com estoques de dois a tr�s dias est�o localizados em cidades como Mat�o, Guaruj�, Votuporanga, Presidente Epit�cio, Fernand�polis e Rio Preto.
Conforme a Fehosp, s�o raros os locais de S�o Paulo que possuem estoque para 10 dias. Al�m disso, a entidade alerta que as unidades que afirmam ter medicamentos para cerca de oito dias s�o os hospitais maiores, que recebem grande volume de novas interna��es diariamente e nos quais o estoque pode cair "bruscamente de um dia para o outro".
O temor de faltar qualquer alternativa de medicamento � constante para profissionais de sa�de que atuam em hospitais com pouco estoque do "kit intuba��o".
Vitor Marim, que est� na linha de frente na Santa Casa de S�o Carlos, comenta que uma das maiores dificuldades � come�ar um tratamento e n�o saber se aquela prescri��o ser� executada at� o fim, em raz�o da possibilidade de que a medica��o acabe em poucos dias.
"Diariamente avaliamos o que podemos usar hoje ou amanh�. Daqui a dois dias, pode ser que n�o tenha mais aquela medica��o e precisaremos alternar com outra", diz o infectologista.
"O tratamento atual tem uma complexidade muito maior, porque n�o sei se terei medicamento para daqui a dois ou tr�s dias", acrescenta.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!