
O rob� Perseverance, que � do tamanho de um carro, pousou em seguran�a na superf�cie marciana no dia 18 de fevereiro. S� pode avan�ar a uma velocidade m�xima de 152 metros por hora, mas carrega em si uma s�rie de instrumentos com os quais fez experimentos com resultados revolucion�rios.
A bordo do rob� de tr�s metros de comprimento est� uma m�quina que converteu o ar marciano (fino e cheio de di�xido de carbono) em oxig�nio, bem como um helic�ptero que fez o primeiro voo motorizado em outro planeta.
O helic�ptero, chamado Ingenuity, fez tr�s voos bem-sucedidos, cobrindo dist�ncias cada vez maiores.
Mas � poss�vel que algo mais tenha chegado a Marte com todos esses dispositivos? Ser� que um rastro de bact�ria ou esporo vindo da Terra foi acidentalmente transportado para o espa�o e sobreviveu � jornada para fazer do planeta vermelho seu novo lar?

'Quase imposs�vel' de evitar
A NASA e seus engenheiros do Jet Propulsion Laboratory (JPL) t�m protocolos precisos e abrangentes para garantir que suas espa�onaves estejam livres de quaisquer organismos que possam inadvertidamente entrar em uma miss�o espacial.
No entanto, dois estudos recentes exp�em como alguns organismos podem ter sobrevivido ao processo de limpeza e tamb�m � viagem a Marte, bem como a rapidez com que as esp�cies microbianas podem evoluir no espa�o.
Em primeiro lugar, vamos abordar como o Perseverance foi constru�do, bem como a maioria das espa�onaves fabricadas na Spacecraft Assembly Facility (SAF) do JPL.
As naves s�o constru�das meticulosamente, camada por camada, como uma cebola, e cada parte � limpa e esterilizada antes da montagem. Essa metodologia garante que quase nenhuma bact�ria, v�rus, fungo ou esporo contamine o equipamento que ser� enviado em uma miss�o.

Eles s�o constru�dos em salas com filtros de ar e procedimentos de controle biol�gico rigorosos, projetados de forma a garantir que apenas algumas centenas de part�culas possam estar presentes e, idealmente, n�o mais do que algumas dezenas de esporos por metro quadrado.
Mas � quase imposs�vel ter biomassa zero.
Os micr�bios est�o na Terra h� bilh�es de anos e est�o em toda parte. Eles s�o encontrados em nossos corpos e ao nosso redor. Alguns podem se infiltrar at� nos lugares mais est�reis.
Como saber?
No passado, os testes de contamina��o biol�gica baseavam-se na capacidade de aumentar a vida (em colheitas) a partir de amostras retiradas de um objeto, como uma nave espacial.

Agora usamos m�todos mais novos. Pegamos uma determinada amostra, extra�mos todo o DNA e ent�o fazemos uma "abordagem da escopeta" ou sequenciamento shotgun.
O termo � usado porque � como colocar as c�lulas da amostra em uma espingarda, "disparando" em bilh�es de pequenos peda�os de DNA e, em seguida, sequenciando cada peda�o.
Cada sequ�ncia "lida" pode ser atribu�da a genomas de esp�cies conhecidas que j� est�o presentes em bancos de dados de sequenciamento.
Como agora podemos sequenciar todo o DNA que est� presente em ambientes est�reis, e n�o apenas aqueles que podem ser cultivados, temos uma imagem mais completa de quais tipos de micr�bios podem ser encontrados l� e se eles poderiam sobreviver ao v�cuo do espa�o.
Nos ambientes est�reis do JPL, foram encontradas evid�ncias de micr�bios que podem ser problem�ticos durante as miss�es espaciais.
Esses organismos possuem um maior n�mero de genes de reparo de DNA, o que lhes confere maior resist�ncia � radia��o, s�o capazes de formar biofilmes (comunidades biol�gicas com um elevado grau de organiza��o) em superf�cies e equipamentos, sobrevivem � desseca��o (perda de umidade) e prosperam em ambientes frios.

Acontece que nesses ambientes est�reis um processo de sele��o evolucion�ria pode estar ocorrendo para os insetos mais resistentes que mais tarde teriam uma chance maior de sobreviver a uma viagem a Marte.
A 'polui��o interplanet�ria'
Essas descobertas t�m implica��es para a chamada "polui��o interplanet�ria" proveniente da Terra.
� importante garantir a seguran�a e preserva��o de qualquer vida que possa existir em outras partes do universo, uma vez que organismos vindos de outros ecossistemas podem causar estragos.
Os humanos t�m uma hist�ria negativa disso em nosso pr�prio planeta.
A var�ola, por exemplo, se espalhou entre os povos ind�genas na Am�rica do Norte no s�culo 19 por meio de cobertores doados. Mesmo agora, n�o fomos capazes de conter a r�pida dissemina��o do v�rus que causa a covid-19, o SARS-CoV-2.
A contamina��o direta tamb�m � indesej�vel do ponto de vista cient�fico.
Os cientistas, se descobrirem qualquer tipo de vida em outro planeta, devem garantir que seja genuinamente nativo e n�o um falso registro de algo com uma apar�ncia extraterrestre, mas origin�rio da Terra.

� que seus genomas podem mudar tanto que podem parecer ser de outro mundo, como vimos recentemente com os micr�bios que evolu�ram na Esta��o Espacial Internacional.
Por que isso seria prejudicial?
Embora a Nasa trabalhe duro para evitar a introdu��o de tais esp�cies no solo marciano, qualquer sinal de vida em Marte teria que ser cuidadosamente examinado para garantir que n�o se originou aqui na Terra.
N�o fazer isso pode levar a um mal-entendido sobre as caracter�sticas da vida marciana.
Micr�bios transportados para o espa�o tamb�m podem ser uma preocupa��o mais imediata para os astronautas, colocando em risco sua sa�de. Podem at� mesmo fazer com que o equipamento de suporte � vida funcione mal, caso fique cheio de col�nias de microrganismos.
Mas a prote��o planet�ria � bidirecional.
Devemos tamb�m evitar trazer de volta "poluentes" de outro planeta que possam nos colocar em perigo.
Esta tem sido a base de muitos filmes de fic��o cient�fica, onde um malvado invasor "alien�gena" amea�a exterminar toda a vida na Terra.
Mas pode se tornar em parte realidade com a miss�o que a Nasa e a Ag�ncia Espacial Europeia planejam enviar a Marte em 2028 e que, se planejada, em 2032 trar� de volta as primeiras amostras do planeta vermelho.
No entanto, considerando que as duas primeiras sondas sovi�ticas pousaram na superf�cie marciana em 1971, seguidas pela sonda US Viking 1 em 1976, � prov�vel que j� existam alguns fragmentos de DNA microbiano, e talvez humano, no planeta vermelho.

Detectar sua origem
Mesmo que o Perseverance, ou as miss�es que o precederam, tenham acidentalmente levado organismos ou DNA da Terra para Marte, temos maneiras de diferenci�-la de qualquer vida que seja de origem verdadeiramente marciana.
Ocultas na sequ�ncia de DNA estar�o informa��es sobre de onde os organismos vieram.
Um projeto em andamento chamado Metasub est� sequenciando o DNA encontrado em mais de 100 cidades ao redor do mundo.
Pesquisadores de nosso laborat�rio, as equipes do Metasub e um grupo na Su��a acabaram de publicar esses e outros dados metagen�micos globais para criar um "�ndice gen�tico planet�rio" de todo o DNA sequenciado j� observado.
Ao comparar qualquer DNA encontrado em Marte com sequ�ncias vistas nos ambientes est�reis do JPL, o mundo subterr�neo, amostras cl�nicas, esgoto ou a superf�cie do rob� Perseverance antes de deixar a Terra, deve ser poss�vel ver se eles s�o realmente desconhecidos.
Mesmo que nossa explora��o do sistema solar tenha inadvertidamente transportado micr�bios para outros planetas, eles provavelmente n�o s�o os mesmos de quando deixaram a Terra.

Os ensaios de viagens espaciais e os ambientes incomuns em que est�o os fazem evoluir. Se um organismo na Terra se adaptou ao espa�o, ou Marte, as ferramentas gen�ticas � nossa disposi��o podem nos ajudar a descobrir como e por que os micr�bios mudaram.
Na verdade, as novas esp�cies recentemente descobertas na Esta��o Espacial Internacional por cientistas do JPL e de nosso laborat�rio eram semelhantes �s encontradas em salas limpas (capazes de suportar altos n�veis de radia��o).
Um aspecto positivo
� medida que a biologia cada vez mais extrema � registrada em um programa chamado Extreme Microbiome Project, tamb�m existe a possibilidade de usar ferramentas evolutivas para trabalhos futuros aqui na Terra.
Podemos usar suas adapta��es para buscar novos filtros solares, por exemplo, ou novas enzimas de reparo de DNA que podem nos proteger contra muta��es prejudiciais que levam ao c�ncer, ou ajudar no desenvolvimento de novos medicamentos.
Eventualmente, os humanos colocar�o os p�s em Marte, levando conosco o coquetel de micr�bios que vivem em nossa pele e dentro de nossos corpos.
� prov�vel que esses micr�bios tamb�m se adaptem, sofram muta��es e evoluam.
E tamb�m podemos aprender com eles, pois genomas �nicos que s�o adaptados ao ambiente marciano podem ser sequenciados, transmitidos � Terra para posterior esquematiza��o e, ent�o, usados %u200B%u200Bpara terapia e pesquisa em ambos os planetas.
Dadas todas as miss�es marcianas planejadas, estamos � beira de uma nova era de biologia interplanet�ria, na qual aprenderemos sobre as adapta��es de um organismo em um planeta e as aplicaremos em outro.
As li��es da evolu��o e das adapta��es gen�ticas est�o inscritas no DNA de cada organismo, e o ambiente marciano n�o ser� diferente.
Marte deixar� sua marca nos organismos que veremos quando os sequenciarmos, abrindo um novo cat�logo de literatura evolucion�ria.
Isso n�o apenas alimentar� nossa curiosidade, mas � um dever de nossa esp�cie proteger e preservar todas as outras esp�cies.
Apenas os humanos entendem a extin��o e, portanto, apenas os humanos podem evit�-la.
E isso � verdade hoje, mas ser� daqui a bilh�es de anos, quando os oceanos da Terra come�arem a ferver e o planeta ficar quente demais para a exist�ncia de vida nele.
Nossa inevit�vel viola��o da prote��o planet�ria ocorrer� quando come�armos a nos dirigir a outras estrelas, mas, nesse caso, n�o teremos outra escolha.
Eventualmente, a polui��o interplanet�ria cuidadosa e respons�vel � a �nica maneira de preservar a vida, e � nesta dire��o que temos de caminhar nos pr�ximos 500 anos.
*Christopher Mason � Professor de Gen�mica, Fisiologia e Biof�sica na Weill Cornell Medicine, Cornell University em Nova York. Ele investiga os efeitos moleculares e gen�ticos de longo prazo dos voos espaciais humanos, al�m de tocar um projeto sobre novos tipos de c�lulas para a terapia do c�ncer.
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