O termo “proxalutamida”, viralizado em mar�o passado nas redes sociais, ganhou for�a outra vez desde 16 de julho, ap�s diversas publica��es alegarem que seu uso para tratar a covid-19 foi autorizado em car�ter emergencial no Paraguai.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Minist�rio da Sa�de do pa�s garantiu � AFP que a informa��o � falsa. A droga - inicialmente estudada para o tratamento de c�ncer de pr�stata, mas ainda n�o aprovada para uso - � defendida em mensagens como “nova droga promissora no combate � covid-19”. No Brasil, a realiza��o de dois estudos foi autorizada pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), mas o f�rmaco tamb�m n�o tem registro para qualquer finalidade terap�utica.
“PROXALUTAMIDA RECEBE AUTORIZA��O DE USO EMERGENCIAL PARA COVID-19 NO PARAGUAI”, dizem mensagens compartilhadas em sites, no Twitter (1, 2), no Facebook e no Instagram (1, 2, 3).
Tratamento do c�ncer
A proxalutamida � um f�rmaco ainda em estudo para o tratamento do c�ncer de pr�stata horm�nio-dependente. “Este c�ncer se desenvolve e aumenta por est�mulo hormonal - neste caso, por horm�nios androg�nicos. A proxalutamida, medicamento de a��o antiandrog�nica, serviria para reduzir os tumores de pr�stata relacionados a estes horm�nios”, explicou Gustavo Trossini, pesquisador e professor da Faculdade de Ci�ncias Farmac�uticas da Universidade de S�o Paulo (USP). Durante a pandemia da covid-19, foram desenvolvidos alguns estudos para investigar a intera��o do novo coronav�rus com esses receptores, inclusive no Brasil.
As alega��es de que o Paraguai teria aprovado o uso emergencial da proxalutamida para o tratamento da covid-19 surgiram ap�s uma a��o do grupo hospitalar brasileiro Samel no pa�s. A Samel, que j� atuava na condu��o de pesquisas sobre a droga no Amazonas, onde fica sediada, realizou um pequeno estudo com 25 pessoas em um hospital da capital do Paraguai, Assun��o. Representada pelo seu presidente Luis Alberto Nicolau, a empresa divulgou um v�deo sobre a iniciativa, em 16 de julho de 2021.
“N�s da Samel estamos muito felizes de podermos estar aqui hoje no Paraguai, podendo ajudar tamb�m o povo do Paraguai, com esse rem�dio, com a proxalutamida, com o protocolo da Samel, como j� foi utilizado em Barrio Obrero, e que possa ser estendido para todo o pa�s”, diz Nicolau, agradecendo ao vice-ministro da sa�de do Paraguai Hern�n Martinez.
Paraguai nega aprova��o
“N�o temos, sob nenhuma circunst�ncia, nada aprovado sobre a proxalutamida e por conseguinte, n�o h� ensaio cl�nico, nem registro para uso de emerg�ncia, nem registro sanit�rio vigente. Tampouco temos evid�ncias que validem seus resultados. E n�o tendo isso, n�o podemos dar uma aprova��o cegamente”, informou o Minist�rio da Sa�de do Paraguai, indagado pela AFP sobre as alega��es acerca da suposta aprova��o do uso emergencial da proxalutamida no pa�s.
O Minist�rio da Sa�de paraguaio negou a possibilidade de implanta��o de mais estudos que utilizassem o protocolo da Samel: “Houve uma solicita��o de registro para trazer esse medicamento para fazer um estudo cl�nico. Ele n�o foi aprovado porque n�o tinha respaldo nem publica��o em revista cient�fica. Tamb�m n�o poder�amos coloc�-lo para uso de emerg�ncia ou de estudo cl�nico, pois n�o existe sequer um pedido de registro desse medicamento para a venda”. A pasta confirma que aconteceu um pequeno estudo no Hospital Barrio Obrero, mas ressalta que, por n�o haver comprova��o cient�fica sobre o f�rmaco, o processo foi interrompido.
O que diz a Samel
Quando questionado sobre um posicionamento, o Grupo Samel informou “que n�o tem ci�ncia dessa informa��o sobre o n�o uso da proxalutamida pelo pa�s”. E acrescentou: “Se essa informa��o for ver�dica, lamentamos pelas vidas que n�o ser�o salvas, pois durante o tempo que a Samel estava acompanhando os usos a taxa de mortalidade saiu de mais 50% para 4% no Hospital Barrio Obrero em pacientes que faziam uso da medica��o, trabalho esse elogiado pelo vice-ministro do pa�s Dr. Hern�n Martinez”.
No entanto, o Checamos n�o encontrou nenhum estudo cient�fico que respalde essas afirma��es, feitas a partir da iniciativa da Samel com “25 pessoas, somente no Hospital Barrio Obrero”, como explica o Minist�rio da Sa�de do Paraguai.
“E com rela��o a proxalutamida n�o possuir publica��es em revistas cient�ficas, essa informa��o n�o procede. A proxalutamida possui sim publica��es, inclusive a mais recente foi na revista cient�fica Frontiers in Medicine, publicada no dia 19 de julho”, afirmou o Grupo Samel.
Um estudo sobre a proxalutamida foi de fato publicado no peri�dico Frontiers of Medicine. Contudo, a data de publica��o, 19 de julho de 2021, � posterior � viagem da Samel ao Paraguai e �s alega��es sobre a aprova��o do uso emergencial da droga no pa�s.

Doa��o de comprimidos
O Minist�rio da Sa�de do Paraguai tamb�m informou que a Samel doou ao pa�s 75 mil comprimidos de proxalutamida, e que estes ficar�o armazenados at� que haja evid�ncia para seu uso para a covid-19 ou outras patologias. “Este estudo � uma r�plica de Manaus. A Samel est� em Manaus, em v�rios hospitais, e eles trouxeram essa doa��o. E dentro do contexto pand�mico est�vamos no maior e mais pesado pico que tivemos desde o in�cio da pandemia. Se esse medicamento pudesse implicar de alguma forma na melhora dos pacientes, valeria a pena tentar”.
Mas, ainda de acordo com o Minist�rio, sem evid�ncia cient�fica, n�o foi poss�vel afirmar se o resultado positivo de um caso do estudo feito no Hospital Barrio Obrero veio a partir do medicamento ou da evolu��o normal do paciente no decorrer de sua interna��o. “E sem a concretiza��o de outros elementos, como evid�ncias cient�ficas, registros de uso de emerg�ncia, registros de usos sanit�rios e demais, evidentemente n�o havia respaldo para aceitar essa droga dentro do protocolo. E ent�o os 75 mil comprimidos est�o em quarentena no Minist�rio da Sa�de”.
A proxalutamida no Brasil
Antes da nova onda de mensagens envolvendo a proxalutamida, o nome da droga circulou em mar�o de 2021, quando um estudo preliminar foi apresentado no canal do YouTube da Samel. O v�deo chegou a ser publicado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, em um tu�te citando a “nova droga promissora no combate � COVID” que teve mais de 5.500 intera��es.
A condu��o da pesquisa foi feita a partir de uma parceria entre a Samel, que atua no Amazonas, onde o estudo foi desenvolvido, e a empresa de biotecnologia Applied Biology, sediada nos Estados Unidos. A pesquisa foi divulgada em formato de pr�-publica��o (quando um estudo n�o � revisado por outros cientistas) no dia 22 de junho de 2021. O site do Clinical Trials, banco de dados de registro de estudos cl�nicos, informa que “todos os investigadores principais s�o empregados pela organiza��o que patrocina o estudo” - a Applied Biology. Um deles � Andy Goren, presidente da empresa, e outro, Flavio Cadegiani, endocrinologista que compartilhou diversas mensagens (1, 2, 3) sobre a suposta aprova��o emergencial da proxalutamida para tratar a covid-19 no Paraguai.
A volta � circula��o de mensagens endossando o uso da proxalutamida no tratamento da covid-19 coincidiu com o per�odo em que o presidente Jair Bolsonaro esteve internado para tratar uma obstru��o intestinal, de 14 a 18 de julho. Ap�s ter alta no dia 18, Bolsonaro falou sobre a proxalutamida: “Tem uma coisa que eu j� acompanho h� algum tempo e n�s temos que estudar aqui no Brasil. Chama-se proxalutamida. J� tem uns tr�s meses que isso a� n�o est� no mercado, que � uma droga ainda sendo estudada, mas que alguns pa�ses j� t�m mostrado melhora. Isso existe no Brasil de forma ainda n�o comprovada cientificamente, de forma n�o legal, mas que tem curado gente”. E continuou: “Vamos ver se a gente faz um estudo sobre isso a� para a gente apresentar uma poss�vel alternativa. N�s temos que tentar”.
A droga � mais uma a entrar para o grupo dos medicamentos defendidos pelo presidente, sem que tenha efic�cia comprovada no tratamento da covid-19, como a cloroquina, a hidroxicloroquina e a ivermectina. Desde o in�cio da pandemia, al�m de divulgar o chamado tratamento precoce, Bolsonaro se op�s �s medidas de confinamento, questionou a efic�cia das vacinas e a utilidade das m�scaras.
Em 19 de julho, dia seguinte � declara��o de Bolsonaro, a Anvisa autorizou a realiza��o de um estudo de fase III, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, para avaliar a efic�cia e a seguran�a da proxalutamida em participantes ambulatoriais do sexo masculino com covid-19 leve a moderada.
De acordo com a nota publicada no pr�prio dia 19, o estudo ser� realizado na Argentina, na �frica do Sul, na Ucr�nia, no M�xico, nos Estados Unidos e no Brasil, onde participar�o 12 volunt�rios do estado de Roraima e outros 38 de S�o Paulo. Este � o segundo estudo com a proxalutamida autorizado pela Anvisa. “O primeiro, autorizado em junho, prev� somente o uso da proxalutamida no estudo cl�nico. J� o segundo protocolo, autorizado nesta segunda (19/7), prev� a possibilidade do uso de um medicamento adicional no estudo, desde que este segundo medicamento esteja autorizado e dispon�vel no pa�s onde o ensaio cl�nico estiver acontecendo”, informou a ag�ncia reguladora, acrescentando que “os dois estudos t�m como patrocinadora a empresa Suzhou Kintor Pharmaceuticals, sediada na China”.
A Suzhou Kintor Pharmaceuticals � uma subsidi�ria da Kintor Pharmaceuticals, empresa de biotecnologia chinesa que produz a proxalutamida. No estudo divulgado pela Samel e pela Applied Biology em mar�o, e que mais tarde foi lan�ado como pr�-publica��o, foram usados comprimidos distribu�dos sem custos pela Kintor Pharmaceuticals.
A pesquisa, um desdobramento daquela apresentada pelo YouTube em mar�o, continuou a ser liderada por Goren e Cadegiani. Eles tamb�m s�o os respons�veis pelo estudo conduzido em Bras�lia e publicado na Frontiers of Medicine sobre o uso da proxalutamida para tratar a covid-19, que tamb�m teve o apoio da Kintor Pharmaceuticals, produtora do medicamento utilizado ao longo do processo.
Isso � destacado na �rea de conflitos de interesse do peri�dico: “A Kintor Pharmaceuticals, Ltd. fabrica e planeja comercializar a proxalutamida, e tem um pedido de investiga��o sobre nova droga [IND, na sigla em ingl�s] sob a FDA [ag�ncia reguladora dos Estados Unidos] para conduzir um estudo de fase 3 sobre a proxalutamida para a covid-19”.
Apesar da aprova��o de dois estudos cl�nicos, a Anvisa informa que “a proxalutamida n�o possui registro no Brasil para nenhuma finalidade terap�utica at� o momento”. Isso significa que o medicamento n�o pode ser comercializado ou distribu�do � popula��o. Apesar disso, o argumento de que o medicamento � uma “droga promissora no combate � covid-19” ainda � forte nas redes sociais, algo que Gustavo Trossini encara com preocupa��o: “� importante n�o dar falsas esperan�as para n�o estimular o uso indiscriminado desses medicamentos que n�o tem efic�cia comprovada. Muito pelo contr�rio, j� foi provado que a maioria deles n�o tem a��o contra a covid-19”, ressalta.
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