O suposto aumento de mortes por infarto de atletas da FIFA em 2021 se baseia em um c�lculo enganoso

O n�mero de mortes por problemas card�acos entre atletas da FIFA aumentou, em 2021, cinco vezes em rela��o � m�dia dos �ltimos 20 anos, indicam publica��es compartilhadas centenas de vezes nas redes sociais desde, pelo menos, o �ltimo 26 de novembro.

Os usu�rios relacionam esse fen�meno � vacina��o contra a covid-19. Mas o c�lculo feito para chegar a essa conclus�o � enganoso. O comit� da FIFA que registra enfermidades card�acas fatais afirmou � AFP n�o ter “detectado uma tend�ncia” nesse sentido. O mesmo foi assinalado pela Federa��o Alem� de futebol.

“Gr�fico registrando casos de morte s�bita/infarto em atletas. Em 2021 - e o que aconteceu de diferente nesse ano mesmo? - o n�mero de casos � cerca de 5 vezes maior do que a m�dia dos �ltimos 20 anos. Coincid�ncia?” e “500% de aumento de mortes - SCD/SUD de jogadores da FIFA em 2021. N�o s�o 24 atletas, nem 30, nem 75 - desde dezembro, 183 atletas profissionais e treinadores repentinamente colapsaram! 108 deles morreram!”, indicam as legendas de publica��es, compartilhadas no Facebook (1, 2, 3), no Twitter (1, 2) e no Instagram (1).

Publica��es similares tamb�m circulam em franc�s e espanhol.

Desde que o jogador de futebol dinamarqu�s Christian Eriksen sofreu um infarto durante uma partida da Eurocopa, em junho de 2020, - quando ainda n�o estava vacinado, como foi verificado pela AFP -, multiplicaram-se as acusa��es �s vacinas contra a covid-19 devido aos problemas card�acos dos atletas.

O caso do atacante argentino do Barcelona Sergio “Kun” Ag�ero, que foi dispensado por um problema card�aco, tamb�m foi alvo de publica��es contra os imunizantes.

O c�lculo

As publica��es viralizadas mencionam como fonte um artigo do site israelense RTnews, que faz refer�ncia a diferentes atletas que se recusaram a tomar as vacinas contra a covid-19 e afirma que 108 esportistas faleceram repentinamente desde o in�cio das campanhas de imuniza��o.

No Twitter, a israelense Yaffa Shir-Raz, autora do artigo, que se apresenta como jornalista especializada em sa�de, explicou o seu c�lculo em uma sequ�ncia escrita em ingl�s e compartilhada mais de 3 mil vezes desde que foi publicada, em 15 de novembro.

Shir-Raz compilou uma lista de 108 publica��es em diferentes idiomas que informam sobre a morte s�bita de atletas em 2021.

Embora a equipe de verifica��o da AFP n�o tenha verificado esses 108 casos, muitos dos quais prov�m de blogs, meios de comunica��o desconhecidos ou tu�tes sem fonte, selecionou aleatoriamente cerca de trinta links, nos quais n�o � especificado se o atleta foi vacinado, ou n�o se estabelece uma rela��o causal entre a morte e a vacina.

A partir dos artigos, a autora afirma ter identificado 21 jogadores de futebol que morreram de parada card�aca. Em seguida, procura comparar esse valor com o de anos anteriores para definir uma tend�ncia. "Para descobrir quantas mortes realmente ocorreram nas �ltimas duas d�cadas entre jogadores da FIFA (2001-2020), usamos a Wikip�dia", disse, utilizando o link desta “Lista de jogadores de futebol falecidos em campo” da enciclop�dia colaborativa.

“De acordo com a Wikip�dia, entre 2001 e 2020, houve uma m�dia de 4,2 mortes por ano atribu�das [a doen�as card�acas fatais]. Em contraste, em 2021, de acordo com nossa lista, houve 21 casos entre jogadores da FIFA”, disse. Em outras palavras, teriam ocorrido “cerca de cinco vezes mais” mortes desse tipo em 2021 do que nos anos anteriores, concluiu.

Jean-Marie Vailloud, cardiologista de uma cl�nica de reabilita��o de Marselha, Fran�a, garantiu � AFP que a conclus�o da autora israelense “n�o � baseada em nada” e que usar publica��es online muito diferentes para construir uma amostra base “e, em seguida, pegar uma lista da Wikip�dia para comparar e extrair tend�ncias dela” vai “contra a pr�tica cient�fica”.

“N�o h� mais mortes do que antes da pandemia”

A fim de obter esclarecimentos sobre esses rumores recorrentes de um aumento repentino de doen�as card�acas no futebol, a AFP contatou no �ltimo outubro o comit� encarregado do “registro de mortes card�acas s�bitas” no futebol, vinculado � Federa��o Internacional de Futebol (FIFA).

Trata-se de um grupo de trabalho da Universidade de Saarbr�cken (Alemanha), liderado pelo m�dico desportivo Florian Egger, que havia identificado “617 casos de morte s�bita” entre 2014 e 2018, ou seja, mais de uma centena por ano, segundo este estudo publicado no British Journal of Sports Medicine (BMJ), e n�o 4,2 como afirma Shir-Raz.

Para uma verifica��o anterior da AFP, Egger j� havia explicado que agora “n�o h� mais mortes entre jogadores de futebol do que antes da pandemia” de covid-19.

As cifras oficiais de mortes s�bitas card�acas em campos de futebol para 2021 ainda est�o sendo analisadas, informou ele em um e-mail � AFP em 25 de novembro passado, mas esclareceu: “N�o vemos nenhuma din�mica particular" em compara��o com os anos anteriores.

Tim Meyer, presidente da comiss�o m�dica da Federa��o Alem� de Futebol (DFB) e m�dico da sele��o alem�, disse � AFP em 19 de outubro: “Na minha opini�o, a alega��o de que as mortes no esporte ou no futebol em particular aumentaram depois da introdu��o de vacinas contra covid-19 � infundada”.

Problemas card�acos no esporte

A morte s�bita em esportes de alto n�vel n�o data do aparecimento da covid-19 e das vacinas contra essa doen�a. Nos �ltimos anos, diversos epis�dios no campo de jogo abalaram o mundo do futebol, como o do camaron�s Marc-Vivien Fo� em 2003, o do brasileiro Caetano “Serginho” em 2004 e o do espanhol Antonio Puerta em 2007.

“Sempre houve mortes no esporte, mas foram e s�o muito raras”, explicou Meyer. Segundo ele, os atletas s�o, em m�dia, mais saud�veis do que os outros, mas “infelizmente tamb�m h� doen�as card�acas inadvertidas” que podem desencadear esses problemas repentinos.

“Do ponto de vista cardiovascular, a atividade f�sica traz um enorme benef�cio. Mas pode haver um risco adicional para pessoas que praticam em alta intensidade e que t�m doen�as cardiovasculares diagnosticadas ou silenciosas" das quais a pessoa n�o tem conhecimento, detalhou Jean-Marie Vailloud. Por isso, o cardiologista insiste na necessidade de obter o atestado m�dico de um profissional de sa�de para praticar uma atividade de forma intensiva.

Efeitos colaterais das vacinas

Desde o in�cio da vacina��o contra a covid-19 em pessoas com mais de 12 anos de idade nos Estados Unidos, Fran�a e B�lgica, foram notificados �s ag�ncias de farmacovigil�ncia v�rios casos de miocardite (uma inflama��o do cora��o) em adolescentes vacinados. Ocorreram principalmente em homens jovens, ap�s receberem a segunda dose.

No �ltimo m�s de junho, especialistas americanos analisaram 323 casos de inflama��o card�aca em adolescentes ap�s serem vacinados com a Pfizer/BioNtech e com a Moderna. Eles conclu�ram que havia uma “prov�vel” rela��o entre essas vacinas e os casos raros de miocardite, mas que a maioria dos casos eram “leves, e os indiv�duos geralmente se recuperavam por conta pr�pria ou com tratamento m�nimo”.

Em um comunicado publicado em agosto, os Centros de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos relataram a decis�o dos especialistas: "Em 23 de junho de 2021, o Comit� Consultivo em Pr�ticas de Imuniza��o (ACIP) dos CDC revisou os dados dispon�veis e concluiu que os benef�cios da vacina��o contra covid-19 para as pessoas e para a popula��o superam os riscos de miocardite e recomendou o uso cont�nuo da vacina em pessoas com mais de 12 anos".

Esses e outros efeitos adversos continuam a ser monitorados pelas ag�ncias de farmacovigil�ncia dos diferentes pa�ses (1, 2, 3).

Esta verifica��o foi realizada com base em informa��es cient�ficas e oficiais sobre o novo coronav�rus dispon�veis na data desta publica��o.

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