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Estado de Minas VINHOS DO SUL

O filho de nordestino e abolicionista que patrocinou a ind�stria vin�cola ga�cha

A ind�stria vitivin�cola da Serra ga�cha n�o existiria sem o entusiasmo e o incentivo de um filho de pernambucano que estudou em Recife e acolheu, no Rio Grande do Sul, de nordestinos que moldaram a hist�ria do Estado.


06/03/2023 08:30 - atualizado 06/03/2023 08:41


Borges de Medeiros
Borges de Medeiros foi um dos personagens mais importantes da hist�ria do Rio Grande do Sul (foto: Pal�cio Piratini)

A ind�stria vitivin�cola da Serra ga�cha n�o existiria sem o entusiasmo e o incentivo de um filho de pernambucano que estudou em Recife e acolheu, no Rio Grande do Sul, v�rios nordestinos que moldaram a hist�ria do Estado.

Ant�nio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) � mais conhecido do p�blico brasileiro como o elegante cidad�o de casaca, colarinho duro e chap�u coco na capa da cole��o Nosso S�culo, da Editora Abril, muito popular nos anos 1980. Ele foi, entretanto, muito mais do que um �cone da moda da Belle �poque.

Nenhum indiv�duo na hist�ria do Brasil permaneceu por mais tempo em um comando do Executivo do que Borges de Medeiros. Foram 26 anos como presidente (equivalente ao atual governador) do Estado do Rio Grande do Sul: de 1898 a 1908 e de 1913 a 1928. No intervalo de 1908 a 1913, quando o cargo foi ocupado por seu condisc�pulo Carlos Barbosa Gon�alves (1851-1933), Borges assumiu o papel de poder por tr�s do trono.

Nas tr�s d�cadas em que mandou e desmandou no Estado mais meridional da federa��o, Borges teve papel de primeira linha na pol�tica nacional, aprovando e vetando aspirantes � Presid�ncia da Rep�blica. Como l�der incontest�vel do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), foi o mentor de Get�lio Vargas, Oswaldo Aranha, Jos� Ant�nio Flores da Cunha, Jo�o Neves da Fontoura, Maur�cio Cardoso e muitos outros.


Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul
O polo de vinhos Vale dos Vinhedos � uma das atra��es tur�sticas do Rio Grande do Sul (foto: Getty Images)

No in�cio deste m�s de mar�o, a ind�stria vin�cola ga�cha esteve sob os holofotes da m�dia ap�s o resgate de mais de 200 trabalhadores — a grande maioria deles vinda da Bahia — de condi��es an�logas � escravid�o no munic�pio de Bento Gon�alves.

Eles trabalhavam para uma empresa terceirizada, contratada pelas vin�colas Aurora, Garibaldi e Salton, importantes produtoras da regi�o.

O pai de Borges de Medeiros era o advogado pernambucano Augusto C�sar de Medeiros, nomeado promotor p�blico de Ca�apava do Sul, na Metade Sul do Rio Grande do Sul. No munic�pio, Medeiros casou-se com Miquelina de Lima Borges, de fam�lia de propriet�rios de terras.

Uma das iniciativas de Borges de Medeiros no governo do Rio Grande do Sul foi justasmente o incentivo � ind�stria de uva e vinho.

A regi�o em que essa atividade prosperou, a Encosta da Serra do Nordeste (hoje conhecida como Serra ga�cha e compreendendo 75 dos 496 munic�pios ga�chos, incluindo Caxias do Sul, Bento Gon�alves, Garibaldi e Flores da Cunha), foi uma das �ltimas a ser povoadas no Estado. A ocupa��o tardia teve causas sobretudo econ�micas: situada 300 metros acima do n�vel do mar e coberta de florestas de arauc�ria e pinus, n�o se prestava � cria��o de gado que havia sustentado por s�culos a economia rio-grandense. A presen�a de �ndios da etnia kaingang, os chamados "bugres", tornava a �rea mais amea�adora.

Mesmo os primeiros migrantes na segunda metade do s�culo 19 — alem�es, franceses, holandeses, poloneses, suecos e su��os — n�o se aventuraram encosta acima, preferindo terras menos in�spitas e pr�ximas de cursos d'�gua, como os vales dos rios Ca� e dos Sinos. A Encosta da Serra foi destinada aos que chegaram mais tarde, a partir de 1870: os italianos oriundos das prov�ncias do V�neto e do Trentino (ent�o parte do Imp�rio Austro-h�ngaro).

Em vez de ser alojados em aldeias, como na antiga tradi��o europeia que remonta � Antiguidade, os migrantes foram distribu�dos em lotes independentes organizados em travess�es (linhas). O sistema previa a cria��o de vilas que serviriam como centro comercial e comunit�rio, mas as linhas acabaram sendo a unidade adotada pelos colonos para a tessitura de seus la�os de sociabilidade na nova terra.


Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) é mais conhecido do público brasileiro como o elegante cidadão de casaca, colarinho duro e chapéu coco na capa da coleção Nosso Século, da Editora Abril, muito popular nos anos 1980
(foto: Arquivo)

Mal servidos pela geografia, os rec�m-chegados foram favorecidos pela hist�ria. Em 1893, pouco mais de tr�s anos ap�s a proclama��o da Rep�blica, o Rio Grande do Sul foi sacudido por uma guerra civil de tr�s anos entre os republicanos, no poder em Porto Alegre, e os estancieiros da Metade Sul que haviam dominado a regi�o desde os tempos coloniais. O conflito, que durou tr�s anos e deixou 10 mil mortos, terminou com a vit�ria dos primeiros. Derrotados e humilhados, os fazendeiros da Metade Sul assistiram � remo��o de entraves pol�ticos � atividade manufatureira e comercial nas regi�es de migra��o, embora a pecu�ria continuasse sendo o principal ramo da economia do Estado. Al�m disso, a guerra quase n�o chegou � Serra. Diferentemente do que ocorreria mais ao sul, a popula��o cresceu e, com ela, o peso econ�mico de migrantes e descendentes.

O governo do Estado, sob Julio de Castilhos (1892-1898) e, depois, Borges de Medeiros, intu�a o potencial agr�cola e industrial das regi�es de migra��o. O principal prop�sito era suprir os grandes centros urbanos, como Porto Alegre e Pelotas, com produtos de subsist�ncia. As pr�prias col�nias foram organizadas em moldes supostamente cient�ficos, de acordo com a ideologia positivista. As primeiras tentativas de plantar uvas, com mudas vindas da Europa, n�o vingaram. Entusiasta do progresso da regi�o, Borges de Medeiros criou uma esta��o agron�mica para prestar assist�ncia aos colonos e patrocinou a importa��o de mudas de uva da variedade Isabel ou Isabella, que mais tarde se provou inadequada.

Em mensagem � Assembleia Legislativa, em 20 de setembro de 1902, comemorou os sucessos alcan�ados: "A viticultura tem melhorado visivelmente, devido aos trabalhos que a Esta��o Agron�mica h� empreendido com efic�cia. A distribui��o anual de bacilos das melhores castas de videiras trar� dentro em pouco a substitui��o completa da uva Isabella, que n�o � a mais pr�pria para a fabrica��o do vinho, atenta a sua fraqueza alco�lica". E completou: "Mais do que o aumento da produ��o, que ali�s � animadora, importa aperfei�oar os processos de vinifica��o e combater as fraudes e falsifica��es de todo g�nero, sobretudo quando consistem na adi��o aos vinhos de subst�ncias t�xicas".

A Serra especializou-se na produ��o de itens essenciais para as cidades em crescimento, mas que pouca aten��o recebiam nas regi�es de predom�nio da pecu�ria: banha, uva e madeira. Esse trip� impulsionou um desenvolvimento econ�mico que n�o seria igualado em nenhuma outra regi�o. Inicialmente destinada ao abastecimento do mercado rio-grandense, a banha tornou-se item de exporta��o a partir de 1889. Entre 1907 e 1927, o valor exportado cresceu 1000%. O vinho teve ascens�o ainda mais mete�rica: de 2,1 milh�es de litros anuais em 1905 para 20,8 milh�es entre 1927 e 1930. Finalmente, a madeira ganhou import�ncia crescente a partir da 1ª Guerra Mundial, respondendo por 2% da receita total de exporta��es do Estado em 1926-1930.

�s 15h40min do dia 10 de junho de 1910, os sinos das igrejas da vila de Santa Teresa, na Serra, repicaram em j�bilo. Era a chegada do primeiro trem � localidade, que passava, naquele dia, por ato assinado pelo presidente do Estado, Carlos Barbosa, um dos passageiros da composi��o, � categoria de cidade sob o nome de Caxias do Sul. O jornal O Brazil descreveu a cena: "Houve um alvoro�o indescrit�vel em todos os cora��es. Ouvem-se as notas vibrantes do Hino Nacional e da marcha real italiana; vivas e aclama��es reboam nos ares; ao longe, ao sinal de um disparo de canh�o, uma salva de 21 tiros de morteiros sa�da a chegada do trem inaugural".

O dom�nio de Borges de Medeiros foi inspirado no ide�rio positivista do fil�sofo franc�s Auguste Comte, que preconizava um governo dito cient�fico. O objetivo de uma administra��o positivista seria promover o progresso por meio da correta aplica��o do conhecimento humano em detrimento de valores democr�ticos como liberdade e representa��o. O positivismo havia inspirado intelectuais e militares desde os tempos do Imp�rio, e uma vers�o sint�tica de seu lema "O Amor por princ�pio, a Ordem por base e o Progresso por fim" foi incorporada � bandeira da Rep�blica. Na pr�tica, o regime do borgista Partido Republicano Rio-grandense (PRR) era uma ditadura na qual a Assembleia de Representantes (hoje Assembleia Legislativa), com esmagadora maioria governista, reunia-se duas vezes por ano.

"Tirano positivista", definiu-o o poeta e diplomata franc�s Paul Claudel, enviado ao final da 1ª Guerra Mundial a Porto Alegre para negociar d�vidas francesas e belgas no setor ferrovi�rio. "Magro como lobisomem, mesquinho como o dem�nio", vituperou Ramiro Barcelos, m�dico e aliado tornado inimigo, no poema Ant�nio Chimango, obra-prima de s�tira pol�tica.


Presidente do Rio Grande do Sul Borges de Medeiros
Nenhum indiv�duo na hist�ria do Brasil permaneceu por mais tempo no comando do Executivo do que Borges de Medeiros (foto: Dom�nio P�blico)

H� cem anos, oposicionistas promoveram um levante contra Borges que passou � hist�ria com o nome de Revolu��o de 1923. O objetivo do movimento armado era impedir a reelei��o do chefe do PRR para um novo mandato. No acordo que p�s fim ao levante, o presidente do Estado comprometeu-se a deixar o governo definitivamente em 1928, quando foi eleito seu pupilo Get�lio Vargas.

Do ponto de vista econ�mico e social, o Rio Grande do Sul experimentou um boom sob o governo de Borges. Cidades foram criadas, expandidas e melhoradas com avenidas, parques e ilumina��o p�blica. Floresceram ind�strias, linhas e ramais ferrovi�rios, cais e armaz�ns para transporte fluvial e mar�timo. Fundaram-se bancos, firmas de exporta��es, escolas, faculdades, tipografias, editoras, teatros. Essas e outras mudan�as influenciaram de forma decisiva o Rio Grande atual e tiveram consequ�ncias para o restante do pa�s.

A condi��o de filho de "baiano" — como eram conhecidos no Rio Grande do Sul os naturais da atual regi�o Nordeste — rendeu dissabores a Borges de Medeiros. O historiador Sergio da Costa Franco (1928-2022) assinalou que seus muitos inimigos costumavam acus�-lo de n�o ter nascido no Rio Grande do Sul, contrariando um preceito da Constitui��o de 1891 para a ocupa��o do cargo de presidente do Estado. "A afirma��o, de pura hostilidade partid�ria, n�o era verdadeira", notou o autor de Julio de Castilhos e sua �poca. Borges nasceu em 19 de novembro de 1863 em Ca�apava do Sul.

O adolescente Borges de Medeiros ingressou em 1881 na Faculdade de Direito de S�o Paulo, no Largo de S�o Francisco. Na institui��o, tornou-se ardente republicano e abolicionista, al�m de positivista. O curso seria conclu�do na Faculdade de Recife, em 1885. Segundo Costa Franco, o motivo da transfer�ncia teria sido financeiro: na capital pernambucana, o estudante poderia contar com moradia e alimenta��o fornecidas por familiares do pai.

As rela��es tecidas na esfera familiar e acad�mica levaram Borges a manter importantes la�os com nordestinos, alguns dos quais acolheu no servi�o p�blico e no setor privado no Rio Grande do Sul. Um deles foi o jurista potiguar Manuel Andr� da Rocha (1860-1942), de Natal. Ele assumiu em 1890 a comarca de Lagoa Vermelha, no interior do Rio Grande do Sul. Posteriormente, foi chefe de pol�cia, procurador-geral do Estado e presidente do Superior Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul. Sua fun��o mais not�ria, por�m, foi a de diretor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, hoje Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Andr� da Rocha permaneceu � frente da institui��o durante 40 anos.


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