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|Alagoa Grande (PB) – Munic�pio da Para�ba, com 28,4 mil habitantes, a 118 quil�metros de Jo�o Pessoa, Alagoa Grande recebe gente do Brasil e do mundo, que chega l� em busca dos primeiros passos de um dos nomes disruptivos da m�sica brasileira. H� exatos 100 anos, a serem completados amanh�, nascia Jos� Gomes Filho, fruto da uni�o do oleiro Z� Gomes e de Flora Mour�o, cantadora de coco.
Como que avisando ao visitante que ali � territ�rio sagrado da m�sica, um monumento em forma de pandeiro abre as portas da cidade, que se desenvolveu em torno de lagoa emoldurada por casas coloridas que desenham a geografia. "Jackson j� veio com o ritmo no sangue. A m�e dele era conquista, muito requisitada na regi�o. Desde muito cedo, ele tocava zabumba ou ensaiava alguns toques iniciais de percuss�o. Foi ali que ele decidiu ser um m�sico profissional", conta o escritor Fernando Moura, coautor com Ant�nio Vicente da biografia Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo (Editora 34).
Domingo, 18 de agosto de 2019. Por toda a cidade era poss�vel avistar motocicletas aos montes. A presen�a denunciava que o vaqueiro do sert�o, montado a cavalo, gib�o e chap�u de couro – imagem essa de um sert�o imagin�rio –, n�o � a �nica do homem e da mulher nordestina. E Jackson h� muito diz isso em sua m�sica, que faz a ponte entre a tradi��o do sert�o e a modernidade das cidades.

O Estado de Minas foi � Para�ba, por ocasi�o das comemora��es do centen�rio de Jackson do Pandeiro, para ouvir especialistas, m�sicos populares e nomes que despontam da m�sica contempor�nea – como mostramos no v�deo #praentender: por que ouvir Jackson do Pandeiro. No entanto, por generosidade, a Para�ba d� sempre mais: no domingo de c�u nublado e chuva fina, no Memorial Jackson do Pandeiro, testemunhamos turma de 50 alunos que tocavam sucesso de Jackson com flauta doce, escaleta e lira.
Ela tem na ponta da l�ngua sucessos como Sebastiana, de 1953, e Como tem Z� na Para�ba. "Ele foi fazer um jornal. E, nesse jornal, o radialista disse que estava faltando alguma coisa nele para fazer esse som. Era alguma coisa no nome dele. Ent�o, botou Jackson, o rei dos ritmos. Ele tocava tudo, mas o principal era o pandeiro. Ent�o, por isso ele acrescentou Jackson do Pandeiro", conta a menina, colocando �nfase em Jack toda vez que pronuncia o nome do m�sico."Jackson do Pandeiro � o homem que marcou a nossa terra, a nossa hist�ria, com um ritmo que s� ele pode fazer"
Iany Carla Borges dos Santos, 8 anos
Mas o nome art�stico que Jackson adotou n�o foi aprovado pela m�e, como revelado no livro O fole roncou! Uma hist�ria do forr� (Editora Zahar), de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues. "Mas � isso mesmo... Eu batizo um filho com nome de Jos�, e vem o diabo trocar o nome para um tal de Jack que eu n�o sei de onde saiu nem por onde entrou!", disse a m�e.
Criado em 2008, o Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande, ocupa um casar�o azul com janel�es. O visitante encontra parte da discografia, instrumentos tocados ou fabricados por Jackson, o viol�o que ele tocou assinado por Juscelino Kubitschek, roupas da esposa Almira Calixto; fotos hist�ricas, como o registro do encontro dele com Luiz Gonzaga, cord�is e revistas, recortes de jornais e v�deo contando a hist�ria dele.

'Sonoridade planet�ria'
Jackson viveu inf�ncia pobre, mas, desde muito cedo, se encontrou na m�sica levado pelas m�os da m�e cantadora de coco. Depois da morte do pai, foi com a m�e para Campina Grande, em 1930, cidade economicamente pujante, no in�cio do s�culo 1920, pela exporta��o de algod�o, o ouro branco. Antes de se tornar m�sico profissional, Jackson teve outras ocupa��es. Trabalhou com entregador de p�o e ajudante em padaria. Quando decidiu se dedicar exclusivamente � m�sica, teve oportunidade de tocar bateria, mas escolheu o pandeiro. "Baterista vou ser o segundo, o terceiro [instrumentista], eu quero ser o primeiro. E realmente ele conseguiu com o pandeiro", revela Fernando Moura.
Depois, mudou-se para Jo�o Pessoa e conviveu na R�dio Tabajara com a gera��o herdeira de Severino Ara�jo, o grande maestro da Orquestra Tabajara. Jackson tamb�m foi para Recife para inaugurar a R�dio do Jornal do Commercio, em 1948. "Participou de diversos grupos, diversas forma��es. Montavam as orquestras e dividiam os grupos para os programas variados durante o dia. Era tudo ao vivo.
Em 1953, lan�ou Sebastiana, at� contrariado. Era uma revista de carnaval, ele queria cantar uma marchinha, um frevo. Mas o diretor do programa disse que estava com a intui��o de que ele deveria cantar um coco, heran�a de sua m�e. Ele foi e cantou. Foi um tremendo sucesso. Ele escolheu na r�dio uma atriz chamada Lu�za de Oliveira. Na hora do a, e, i, o, u, y, ela deu uma umbigada nele e a plateia foi abaixo", recorda Fernando."Campina era muito pulsante economicamente, devido ao algod�o. Ent�o passava orquestras de todo o mundo por l�, big bands. Vinham para Recife, depois iam para Campina Grande. Ele participou de tudo isso, vivenciou e tocou"
Fernando Moura, coautor da biografia Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo
Al�m de Campina Grande, Jo�o Pessoa e Recife, o Rio de Janeiro tamb�m conquistou Jackson, que demorou a ir � capital fluminense por medo de avi�o. Ele estranhou a Cidade Maravilhosa � primeira vista, para depois eterniz�-la na letra de Xote de Copacabana: "Eu vou voltar que n�o aguento/ O Rio de Janeiro n�o me sai do pensamento". O rei do ritmo morreu em 10 de julho de 1982, em Bras�lia, por complica��es do diabetes.
Mistura de m�sica regional com m�sica nacional
Jackson do Pandeiro esmaece a fronteira entre m�sica regional e nacional com sucessos que foram muito populares. "Jackson pode ser percebido como figura que vai mesclar, am�lgama mesmo, o que � m�sica nacional e o que � m�sica regional. Ele elucida, coloca as cartas na mesa: a cultura popular e a m�sica popular n�o t�m como ser cristalizadas em conceitos criados academicamente. Ela � m�ltipla, ela � caleidosc�pica nesse sentido. Ela foge das categorias", afirma a pesquisadora Manuela Fonseca Ramos, que fez a disserta��o "Na levada do pandeiro: a m�sica de Jackson do pandeiro entre 1953 e 1967".A lista � enorme. "Costumo dizer que todos os grandes g�nios est�o � frente do seu tempo. Geralmente, n�o s�o compreendidos no per�odo em que est�o. Eles t�m olhar muito na frente", diz o m�sico e produtor Sandrinho Dupan, curador da exposi��o.
E essa descoberta ocorre no Brasil todo, destaca Sandrinho. "BH tem uma cena de forr� fort�ssima, quando vou l�, encontro jovens que est�o descobrindo coisas, est�o trocando ideias, que tocam as m�sicas, que eu penso: nossa, esse pessoal conhece isso. Como paraibano, conterr�neo de Jackson, a gente v� que a m�sica dele chegou muito longe e rompeu barreiras". Jackson tamb�m � reverenciado por jovens m�sicos, como os que integram o grupo vocal e autoral Quadrilha, formado por Elon, Guga, Pedro �ndio Negro e Amorim.

"O Jackson foi a figura mais completa trafegando pela m�sica brasileira: tocou samba, twist, coco, forr�, samba jazz, entre v�rios outros g�neros. Tamb�m tocou com Dominguinhos, Gal Costa", lembra Vhinny, que est� � frente dos projetos Forrozim, promovido uma vez por m�s no Sab�tico, na Rua Sapuca�, al�m de fazer a curadoria musical do Ziriguidum, que, h� 15 anos, promove festas de forr� todas as ter�as e quintas na capital mineira.
Inspira��o em m�ltiplas fontes
At� os 35 anos Jackson n�o sabia ler nem escrever. Aprendeu com a segunda mulher, Almira. Mas era genial em termos musicais. Tocou diversos instrumentos e inovou na divis�o r�tmica. "Jo�o Bosco deu um exemplo bem feliz: falava, para o leigo entender, que o cantor normal era um passageiro que estava na esta��o. O trem chegava, ele entrava e seguia a viagem. Jackson era um passageiro que estava na esta��o. O trem chegava, ele entrava, mas, depois, ele estava dentro. Ele brincava com essa coisa de elasticidade do tempo. Conseguia deixar a coisa acelerar e depois pegar. Ele conseguia atrasar e depois chegar no tempo certo", explica Sandrinho.
Os afros batuques tamb�m aparecem na obra. "Jackson coloca os afro batuques. Pega totalmente o nosso som mais primitivo, a quest�o da �frica, tudo que envolveu os batuques", completa. Essa fase foi apresentada em show preparado por Cabru�ra e Os Fulanos, que abriu o Festival de Inverno de Campina Grande, que, neste ano, homenageia o m�sico de Alagoa Grande.
Jackson e Gonzaga: os dois reis
A Regi�o Nordeste deu � m�sica brasileira Luiz Gonzaga, o Rei do Bai�o, e Jackson do Pandeiro, o Rei dos Ritmos. Mas como foi a conviv�ncia entre dois reis nesse territ�rio? Como cada um participou da cria��o desse Nordeste imagin�rio? H� quem diga que n�o eram amigos. Mas a melhor posi��o sobre a rela��o dos dois � definida pelo secret�rio de Cultura e Turismo de Alagoa Grande – terra natal de Jackson –, Marcelo F�lix: h� um pouco de verdade e h� um pouco de lenda sobre a desaven�a dos dois.Marcelo F�lix completa: "Estima-se que esse mito da disputa midi�tica entre Jackson e Luiz Gonzaga, os dois reis da �poca, tamb�m tinha um 'quezinho' de ci�me pela grandiosidade de um e pela grandiosidade de outro. Essa m�sica, Forr� em Caruaru, traz muito disso".
Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, em O fole roncou! Uma hist�ria do forr�, narram o encontro de Jackson com Gonzaga no programa de r�dio que Jackson apresentava com Adelzo Alves. O Rei do Bai�o chegou de maneira inesperada, trazendo frisson ao audit�rio, onde estavam Abdias, Z� Calixto, Nelza, C�cero e Tinda. O encontro foi descrito assim: