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Estado de Minas

Cr�tica e cria��o em Machado de Assis decifra a obra do maior escritor brasileiro

H� mesmo quem acredite que a crise por volta dos 40 anos de idade que levou Machado ao salto qualitativo na produ��o dos romances, justamente com Mem�rias p�stumas, s� foi poss�vel por causa da morte do 'pai espiritual'


postado em 22/11/2019 04:00 / atualizado em 22/11/2019 08:26

A sugest�o � do pr�prio Machado de Assis no primeiro cap�tulo de Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas: come�ar pelo fim, n�o pelo come�o, contar a morte antes mesmo de contar a vida. O motivo nem s� ir�nico � tornar o escrito “mais galante e mais novo”. Pois bem, dos nove ensaios de Andr�a Sirihal Werkema recolhidos em As duas pontas da literatura: cr�tica e cria��o em Machado de Assis, que tem lan�amento neste s�bado, na Casa Relic�rio, dois s�o dedicados n�o exatamente a Machado, mas a Jos� de Alencar, e est�o localizados ao fim do livro, bem depois das leituras voltadas para o Bruxo do Cosme Velho. O motivo n�o � t�o �bvio. Afinal, o escritor rom�ntico que foi Alencar, al�m de 10 anos mais velho que Machado, era precursor direto e motivo de inspira��o ao mais novo, o que talvez sugira ordenamento diferente, com os textos a respeito de Alencar quem sabe a abrir a reuni�o de ensaios.

H� mesmo quem acredite que a crise por volta dos 40 anos de idade que levou Machado ao salto qualitativo na produ��o dos romances, justamente com Mem�rias p�stumas, s� foi poss�vel por causa da morte do “pai espiritual” que era Alencar, em 1877, um ano antes de Machado come�ar a escrever o romance da virada pessoal, publicado em 1880, na Revista Brasileira, e, no ano seguinte, como livro. Quando se pensa na sugest�o do escritor argentino Jorge Luis Borges de que um escritor atual � quem influencia um mais antigo, ao estabelecer um par�metro para aquilo que os leitores devem entender e buscar como rede de influ�ncias, o c�rculo se fecha e passa a fazer sentido. Nem sempre � para frente que se anda. Machado pode ter mais influ�ncia sobre o modo como lemos hoje Jos� de Alencar do que se deixou influenciar pela obra do escritor rom�ntico. A crian�a � o pai do anci�o, dizia Machado, citando algu�m ou a si mesmo nessa situa��o. Talvez esteja certa a autora em colocar Alencar ao fim do livro, em resumo.

Vertente �nica

“N�o caiamos na armadilha de imaginar um Machado de Assis nascido pronto, c�none”, justifica Werkema a localiza��o dos textos a respeito de Alencar ao fim do volume. O que se discute e bem � a forma��o de Machado, tanto leitor, o que ele tamb�m foi, ali�s bastante sofisticado, quanto autor e cr�tico. O �ngulo escolhido pela doutora em literatura brasileira pela UFMG e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) para abordar a obra machadiana � a defesa do que se chama, na apresenta��o feita por Roberto Ac�zelo de Souza, de “fim evidente” que existe na proposta intelectual do escritor, “atar as duas pontas da literatura: cr�tica e cria��o” como um s� movimento. Em vez de tomar as duas partes em separado, como normalmente se faz, ela escolhe ler as vertentes como manifesta��o de um mesmo gesto sagaz de Machado, o que faz todo sentido e, agora sim, come�a a justificar cada vez mais a localiza��o dos ensaios de Alencar, se os argumentos anteriores n�o estavam suficientes.

Que leituras Machado fez dos rom�nticos que vinham antes dele, sobretudo de Junqueira Freire e �lvares de Azevedo, � o que preocupa Andr�a Werkema no primeiro ensaio. Ao mesmo tempo em que Machado precisa deixar o passado para tr�s para romper com ele, deve aprender a ler aquilo mesmo que vai ser superado. O Brasil nesse momento � novo como pa�s e produz literatura ainda titubeante e prec�ria. Alguns saltos se fazem necess�rios, como se preparar para eles?

Machado o faz com leituras sofisticadas e olhar atento para al�m do alcance de que os precursores s�o mais ou menos dotados, um olhar bifurcado a observar o que se faz no pa�s, mas tamb�m l� fora. � medida que aponta os limitantes o escritor se prepara para fazer os avan�os necess�rios, talvez o maior deles, se livrar de uma ideia restrita de nacionalismo. Como ela diz no segundo ensaio ainda sobre o mesmo tema, o escritor prefere “antes lan�ar d�vidas, desestabilizar certezas e provocar desconfian�as em rela��o a um c�none nacionalista que amea�ava homogeneizar uma compreens�o do que fosse literatura brasileira”. A quest�o n�o � enxergar literatura brasileira, como Werkema aponta bem, mas tratar de literatura, ponto. “Como uma forma de atestar a maioridade enfim de nossa literatura nacional, exatamente pela afirma��o de sua universalidade.” � o que ela reconhece, mais tarde, como “uma mentalidade liter�ria finalmente aut�noma entre n�s”, esse n�s a� refer�ncia � na��o em busca de identidade, conceito t�o complicado entre brasileiros e que ocorre tamb�m no campo liter�rio, como n�o podia deixar de ser.

Degrau elevado

O esfor�o de Andr�a Werkema no miolo do ensaio dedicado � for�a da obra de Machado na forma��o do c�none do s�culo 19 brasileiro � o de n�o isolar o escritor como g�nio solit�rio no �mbito da literatura, mas inclu�-lo numa serializa��o, mesmo que a obra possa ser lida como apogeu um tanto peculiar e distinto do arcabou�o anterior. Aqui o problema se torna mais complexo quando se admite a “tese da integra��o de Machado � s�rie de nossos escritores oitocentistas, ao contr�rio daqueles que fazem dele caso � parte, irrup��o de genialidade sem explica��o que n�o por teorias pseudorrom�nticas ou gen�tica pri- vilegiada.”

A obra machadiana apresenta um degrau bem mais elevado, ruptura numa s�rie que vinha l� com alguma efici�ncia mais ou menos periclitante no esfor�o por ser articulada e � muito dif�cil n�o ouvir as vozes qualificadas que ficam realmente a se perguntar, como faz o cr�tico Roberto Schwarz, autor de dois estudos brilhantes que – sobretudo o segundo, Um mestre na periferia do capitalismo – reorientaram o modo de ler o escritor. “Que pensar do imenso desn�vel entre as Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas e a nossa fic��o anterior, inclu�das a� as obras iniciais do mesmo Machado de Assis?”, ele questiona. E h� John Gledson, outro nome de peso quando se trata de Machado, que fala em “transforma��o s�smica” para se referir ao livro respons�vel pela virada. Parte da resposta, me parece, vem no pr�prio conjunto de ideias do segundo texto de Schwarz, ao ler um subsolo pol�tico e social particularmente perspicaz na superf�cie liter�ria deste livro de Machado. Ao que se poderia acrescentar uma dose da argumenta��o de Harold Bloom (ali�s, um admirador do Bruxo do Cosme Velho) como primeiro argumento em defesa de livro que se qualifica para entrar no c�none: resiste � releitura?. Pois � o que faz a obra de Machado, parece mais ler o(s) leitor(es) do que se entrega para ser decifrada. Da� tantos esfor�os a acumular fortuna cr�tica.

A quest�o ineg�vel � que Machado est� no centro do c�none brasileiro, o que leva Werkema a se indagar se ele se encontra a� “por sua capacidade de organizar a literatura brasileira – for�a liter�ria – ou por sua capacidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora da literatura brasileira?”. � uma pena que n�o haja uma resposta, mesmo com a advert�ncia da autora de que se trata de uma indefini��o tempor�ria. Gostaria de saber e suponho que o leitor interessado tamb�m. Esse, ali�s, pode ser considerado um ponto de hesita��o. �s vezes, os temas s�o levantados pelas orelhas, como lebres, olhados com certo espanto e depois devolvidos sem respostas. Que Machado fizesse isso na obra era divertido, ir�nico, provocador, parte estruturante da composi��o. Que o ensaio seja forma aberta tamb�m � aceit�vel at� certo ponto. Mas o sucesso de um ensa�sta decorre da capacidade de correr riscos e andar no fio da navalha. E Werkema o faz, aqui e ali, como ao ousar levantar a voz em questionamento a ideias do pr�prio Schwarz; a autora diz ter se sentido incomodada quando se deparou com a leitura que Schwarz faz de Alencar em Ao vencedor as batatas, com o modelo usado para a an�lise, “em certa medida, alheio ao romance de Alencar”. E a partir da�, mesmo que respeitosamente, pondera os pr�prios sen�es. N�o � pouca coisa. Um dos pontos altos da argumenta��o de Werkema est� em, de maneira divertida, tratar os quatro romances anteriores a Mem�rias p�stumas como “subg�neros do romance rom�ntico”, chamados, de maneira provocadora, de “romances de casamento”. Claro que com a pegada machadiana, ou seja, o casamento n�o mais visto como triunfo do amor entre os envolvidos, como faziam os rom�nticos, mas como resultado de estrat�gias argutas de protagonistas � procura de ascens�o social (�s vezes com resultados um tanto amargos, como ocorre em Iai� Garcia, o �ltimo dos livros da primeira fase). A aproxima��o que Andr�a Werkema faz com os romances ingleses do s�culo 18, muito interessante e com possibilidades par�dicas, fica na sugest�o e n�o ganha desdobramentos. Outra lebre. � poss�vel vislumbrar a autora escrevendo um livro inteiro, e muito rico, a respeito do assunto.

Outro ponto elevado do conjunto de ensaios est� na aproxima��o dos pr�logos que funcionam como moldura em Mem�rias p�stumas – um do pr�prio Machado, outro do personagem, Br�s Cubas – com o texto escrito em 1798 “Carta sobre o romance”, de Friedrich Schlegel, publicado na revista Athen�um. A indica��o do g�nero, aposta Werkema, “se � que se fa�a necess�ria, deve vir de dentro da obra – romance”. Que � o que faz Machado. “A obra em si mesma � tudo”, est� dito em “Ao leitor”, o pr�logo de Br�s Cubas. E, ao apresentar um ou dois sen�es, eu diria que, mesmo com a advert�ncia de Werkema na nota preliminar de que “eventuais redund�ncias e repeti��es” s�o quase inevit�veis, a repeti��o por quatro vezes do mesmo trecho do ensaio cr�tico “A nova gera��o”, de Machado, torna-se excessiva. O que leva a outra reflex�o: tamanha � a fortuna cr�tica machadiana (os levantamentos de Jos� Galante, Jean-Michel Massa e Ubiratan Machado, este �ltimo at� o ano de 2003, est�o a� para quem quiser verificar), que talvez seja hora de se pensar num estudo h�brido da vida e obra do escritor. Afinal, h� muito a falar sobre o mundo habitado pelo escritor: os fatos hist�ricos do s�culo 19, a antropologia, o contexto brasileiro, minibiografias espargidas de amigos como Joaquim Nabuco, Quintino Bocaiuva, Jos� Ver�ssimo, at� mesmo algo de Pedro II, quem sabe alguma coisa do Bar�o de Mau� e sua obsess�o industrial e banqueira... Um grande caldeir�o que n�o se esque�a de analisar as desigualdades econ�micas e sociais, inclusive na face mais �spera e desumana – a escravid�o – e os projetos urban�sticos que sempre se esqueceram das popula��es marginalizadas. Eis outro ponto de partida para se retirar mais uma lebre da inesgot�vel cartola do m�gico Machado.

* Paulo Paniago � professor de jornalismo da Universidade de Bras�lia.

Andréa Sirihal Werkema é doutora em literatura brasileira pela UFMG e professora da Uerj (foto: Divulgação)
Andr�a Sirihal Werkema � doutora em literatura brasileira pela UFMG e professora da Uerj (foto: Divulga��o)
TRECHO DO LIVRO

“O momento em que Machado de Assis exerceu a cr�tica liter�ria (estabele�o em aproximado as d�cadas de 1860 e 1870) coloca-o estrategicamente entre o Romantismo que perdurava ainda, os parnasianos, decadentistas e ‘baudelairianos’ que come�am a transformar os paradigmas po�ticos do fim do s�culo, e a fic��o de cunho realista/naturalista que vem, por um lado, continuar, e, por outro, se opor ao projeto vitorioso do romance alencariano, todos esses movimentos liter�rios observados com aten��o pelo jovem cr�tico Machado de Assis. Al�m do mais, o passado cl�ssico, tesouro de que todo o Ocidente tem o seu quinh�o, nunca � perdido de vista por nosso escritor. O apelo � toler�ncia para com os diferentes estilos liter�rios, expresso algumas vezes nos escritos cr�ticos de Machado de Assis, demonstra mais do que apenas o cuidado em agradar a gregos e troianos: demonstra uma preocupa��o ininterrupta em ver uma obra para al�m de seu enquadramento imediato em uma escola – para al�m de seu cerceamento por uma norma, por um modo estabelecido 
de fazer.”


As duas pontas da literatura: cr�tica e cria��o em Machado de Assis
. De Andr�a Sirihal Werkema
. Relic�rio
. 148 p�ginas
. R$ 36,90

. Lan�amento: amanh� (23), das  11h �s 15h, na Casa Relic�rio (Rua Machado, 155, casa 1, Bairro Floresta, BH)


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