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Historiador brasileiro lan�a livro com manuscritos de at� 900 anos

Acervo de Pedro Corr�a do Lago re�ne cartas, desenhos, partituras e assinaturas que ajudam a desvendar a trajet�ria da humanidade


postado em 20/12/2019 06:00 / atualizado em 20/12/2019 08:02

Página de manuscrito autógrafo em que o arquiteto Oscar Niemeyer discorre sobre a influência internacional da arquitetura moderna brasileira(foto: Reprodução)
P�gina de manuscrito aut�grafo em que o arquiteto Oscar Niemeyer discorre sobre a influ�ncia internacional da arquitetura moderna brasileira (foto: Reprodu��o)
“Meu querido Sr. Ginoux,
Esta � para pedir-lhe a gentileza de mandar minhas duas camas, que ainda est�o com voc�s pelo trem lento. Acho que seria prudente esvaziar os colch�es, pois a compra de palha nova n�o ser� mais cara do que o dinheiro pago pelo carreto. Com rela��o ao resto da mob�lia o que haveria? Ainda tem o espelho, por exemplo, que eu gostaria de ter. Poderia, por gentileza, colar tiras de papel no vidro para evitar que quebre? Mas as duas c�modas, as cadeiras e mesas, voc�s podem guardar pelo trabalho que tiveram comigo, e se houver despesas extras, por favor me avisem (…) Sinceramente, � sua disposi��o, Vincent.”

O trecho � de carta de maio de 1890. O remetente: Vicent van Gogh (1853-1890). Ap�s grave colapso e de um surto em que chegou a decepar parte de sua pr�pria orelha esquerda, o pintor, que se internara voluntariamente num asilo em Saint-R�my-de Provence, no Sul da Fran�a, escreve dias antes de ter alta a Joseph Ginoux, amigo e antigo senhorio na cidade vizinha de Arles, onde Van Gogh vivera naquela que mais tarde chamaria de Casa Amarela.

Tal era a pobreza deste que um s�culo depois se tornaria um dos mais ic�nicos pintores da hist�ria, cujos quadros alcan�am cifras de US$ 75 milh�es, que o atormentado Van Gogh se preocupa em solicitar ao amigo que a palha dos colch�es seja esvaziada para economizar com o frete. E � nessa carta que o genial artista de en�rgicas pinceladas, perspectivas inventivas, cores e contornos contrastantes – e, claro, tr�gica vida – lista o invent�rio dos m�veis de seu quarto, que lhe inspiraram as tr�s vers�es da obra O quarto, hoje em exibi��o no Museu de Van Gogh, em Amsterd�, no Art Institute of Chicago e no Museu d'Orsay, em Paris. Dias depois de escrev�-la, Van Gogh partiu para Paris, de l� seguiu para Auver-sur-Oise, onde cometeu suic�dio dois meses depois.

Michelangelo Buonarroti (1475-1564), pessoalmente envolvido na seleção do mármore para suas obras e frequentemente desenhando e anotando as especificações(foto: Reprodução)
Michelangelo Buonarroti (1475-1564), pessoalmente envolvido na sele��o do m�rmore para suas obras e frequentemente desenhando e anotando as especifica��es (foto: Reprodu��o)

Essa carta integra a maior cole��o particular de manuscritos do mundo, do historiador de arte, escritor e editor brasileiro Pedro Corr�a do Lago, que h� 50 anos em busca obsessiva mundo afora, j� re�ne cerca de 100 mil aut�grafos – n�o simples assinaturas, como frequentemente associadas � palavra, mas todo tipo de documento escrito a m�o, como bilhetes, desenhos, partituras e fotos. S�o registros com a caligrafia de personagens, de conte�do significativo, relacionados a eventos que marcaram quase nove s�culos de hist�ria da humanidade. O mais antigo com assinaturas de quatro papas, firmado em 1153; o mais recente, de Stephen Hawking, na forma de uma digital, em 2006.

Essa viagem no tempo foi levada entre junho e setembro de 2018 � Morgan Library & Museum, em Nova York, um dos espa�os culturais mais importantes daquela cidade. Foram pin�adas do colossal acervo 140 pe�as para a exibi��o, preciosidades essas agora reunidas na obra A magia do manuscrito, Cole��o de Pedro Corr�a do Lago, Editora Taschen. Em bela edi��o de capa em linho, o livro foi publicado em ingl�s, franc�s, italiano, espanhol e alem�o, com texto de Christine Nelson, curadora de manuscritos liter�rios e hist�ricos da Morgan Library & Museum, pref�cios de Colin B. Bailey (diretor da Morgan Library & Museum) e do artista Vik Muniz.

“O valor de um manuscrito aut�grafo foi verificado no momento em que os homens come�aram a adorar sua pr�pria esp�cie, a enxergar os escritores do passado como uma plataforma para o pensamento futuro. Eu sempre considerei que nossa hist�ria deve ter come�ado com o primeiro ato de autoria”, afirma Vik Muniz, ao apresentar a obra e o autor da cole��o. E se na Gr�cia Antiga a rever�ncia dos atenienses aos manuscritos de seus principais escritores – considerados tesouros p�blicos – teve em Arist�teles um organizar de grande n�mero de documentos antigos, o inc�ndio da lend�ria biblioteca de Alexandria, maior reposit�rio conhecido de manuscritos originais de todos os tempos, representou a ruptura simb�lica com o conhecimento antigo. Para Vik Muniz, outras cole��es importantes da Antiguidade, consumidas pelas chamas, como as bibliotecas de Celsus e P�rgamo, na Anat�lica, contribu�ram para o fato de que, desde o final do Imp�rio Romano, nenhum manuscrito original antigo sobrevivesse.

Paul Gauguin, que se mudara para a casa do amigo Vincent van Gogh, em Arles, no Sul da França, onde ambos planejavam trabalhar juntos no mesmo estúdio(foto: Reprodução)
Paul Gauguin, que se mudara para a casa do amigo Vincent van Gogh, em Arles, no Sul da Fran�a, onde ambos planejavam trabalhar juntos no mesmo est�dio (foto: Reprodu��o)
“Foi s� a partir da �poca de Petrarca, no s�culo 14, que o interesse pela recupera��o do conhecimento dos escritores do passado seria revivido. A Renascen�a trouxe um novo culto � celebridade que foi fortalecido pela populariza��o da alfabetiza��o e um investimento renovado na vida social. Desde ent�o, cheques banc�rios, listas de compras, rabiscos em guardanapos, notas de suic�dio, todas essas coisas ef�meras manuscritas que ajudam a completar a colcha de retalhos infinitamente complexa da hist�ria t�m fascinado cada vez mais acad�micos e leigos”, afirma Vik Muniz.

Segredos e encantos dos manuscritos
Desde a adolesc�ncia, Pedro Corr�a do Lago, filho de diplomata, descobriu o prazer em descortinar o mundo m�gico dos manuscritos. Nas palavras do escritor austr�aco Stefan Zweig, tamb�m colecionador, que segundo anota Christine Nelson no texto De amor e magia inspiraram o t�tulo do livro, o h�bito foi assim explicado: “(…) conhe�o bem a magia do manuscrito, e sei que dar um escrito a m�o � tamb�m transmitir um segredo – um segredo que se revela apenas por amor”. � assim que, da cole��o de Pedro Corr�a do Lago nasce a obra A magia do manuscrito. Nela, a roda da civiliza��o se faz presente no campo das artes visuais, da literatura, da ci�ncia, da filosofia, al�m de muitos personagens hist�ricos.

Cartas e documentos trazem � tona rela��es pessoais, intrigas e decis�es de reis e de seus conselheiros. Da chegada ao trono ingl�s de Elizabeth I, em 1558, � revolu��o cubana sob o comando de Fidel Castro, em 1959. H� itens de personagens em todos os cantos do mundo: manuscritos de Mary Stuart (1542-1587, rainha da Esc�cia), Sim�n Bol�var (1783-1830), Mata Hari (1876-1917), Benjamin Franklin (1706-1790), Sun Yat-sem (1866-1925), Hirohito (1901-1989), Mahatma Gandhi (1869-1948) e Leon Trotsky (1879-1940). Fotos autografadas de Touro Sentado (1831-1890), Abraham Lincoln (1809-1865), Grigory Rasputin (1869-1916) e Emiliano Zapata (1879-1919) tamb�m integram o acervo da edi��o. Em 1502, Lucr�cia Borgia (1480-1519), a lend�ria mulher por tr�s do poder no Renascimento, escreveu ao cunhado enquanto seguia para se casar. J� Henrique VIII (1491-1547) escreve ao ent�o rei da Fran�a Francisco I sobre as negocia��es de paz

Dois meses antes de seu suicídio, em carta para Joseph Ginoux, Van Gogh descreve o mobiliário de seu quarto, imortalizado nas três versões da obra O quarto(foto: Reprodução)
Dois meses antes de seu suic�dio, em carta para Joseph Ginoux, Van Gogh descreve o mobili�rio de seu quarto, imortalizado nas tr�s vers�es da obra O quarto (foto: Reprodu��o)
Di�logos, passos e ecos de g�nios saltam da obra. Charles Darwin (1809-1882) desabafa em 1871 a uma colega com quem havia se desentendido a respeito da sua teoria da evolu��o: “Eu tenho sempre o consolo de ter feito o melhor que podia”. Ada Lovelace (1815-1852), pioneira da computa��o, comenta em carta a obra Cosmos, de Alexander von Humboldt, e a obra Vest�gios da hist�ria natural da cria��o, at� ent�o de autoria an�nima: nega ser autora de Vest�gios, que antecipava as descobertas de Darwin.

A caligrafia de sir Isaac Newton (1642-1727) desenha uma �rvore diferente daquela que assistiu � ma�� cair, insight que o levou ao desenvolvimento da lei universal da gravita��o: a sua pr�pria �rvore geneal�gica. Foi resultado de pesquisa minuciosa sobre a sua ancestralidade, naquele 1705, quando foi condecorado pela ent�o rainha Anne, da Inglaterra. Albert Einstein (1879-1955), em busca da “teoria de tudo”, trabalha equa��es matem�ticas, e Stephen Hawking (1942-2018) “assina” uma c�pia de seu best-seller Uma breve hist�ria do tempo, de 1993, com sua digital.


Um legado da civiliza��o

Maquiavel (1469-1527), Immanuel Kant (1724-1804), Adam Smith (1723-1790), Karl Marx (1818-1883), homens que marcaram a hist�ria do pensamento pol�tico e econ�mico, deixam rastros de seu legado na obra. Assim como em pleno Iluminismo franc�s, Louise Dupin (1706-1799) preparava uma p�gina – texto seminal sobre o pensamento feminino da Europa Ocidental – nunca terminado, escrita por seu assistente de pesquisa Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).

Embora 60% da cole��o de Pedro Corr�a do Lago seja de manuscritos lusos-brasileiros, para a mostra de 140 pe�as em Nova York – e consequentemente para o livro que dela se originou – foram selecionados manuscritos de apenas cinco brasileiros: Machado de Assis (trechos de um dos seus �ltimos trabalhos, O escriv�o Coimbra, 1907), Santos Dumont (desenhos de seus dirig�veis, 1929), Villa-Lobos (manuscrito de pe�a baseada em cantos ind�genas, 1929), Tom Jobim (a partitura original autografada de Chega de saudade, 1958) e Oscar Niemeyer (esbo�o do Congresso Nacional, 1964, e texto, 1970).

De todos os campos do conhecimento ressoam as vozes que constituem nossa civiliza��o. E se, por um lado, ecos do disruptivo Van Gogh perfilam numa carta-invent�rio, a tosca mob�lia que comp�e tr�s entre os mais famosos quadros do planeta, por outro, o amigo dele Paul Gauguin (1848-1903) relata em carta de 1889 os dias de tormento que passou com o colega, em Arles: “Eu pretendia ficar um ano no Sul (da Fran�a) trabalhando com um amigo que tamb�m � pintor. Infelizmente, esse amigo tornou-se louco varrido e, por um m�s inteiro, vivi sob o medo constante de um acidente mortal ou tr�gico (…)”. 

O destinat�rio que a leu, � �poca, jamais imaginaria a quem Gauguin se referira. Gauguin, que tamb�m teve uma vida de dificuldades econ�micas, priva��es e doen�as, despede-se de seu interlocutor demonstrando consci�ncia da dimens�o de sua obra: “Voc� reconhecer� aquele maluco com quem se encontrou uma vez brevemente. Eu sei o que me espera, e prossigo calmamente de infort�nio em infort�nio at� o final – mas tamb�m sei que o granito perecer�, mas a minha obra n�o perecer�”.

ENTREVISTA/Pedro Corr�a do Lago


Pedro Corrêa do Lago tem a maior coleção particular de manuscritos do mundo(foto: Paulo Jabur/Divulgação)
Pedro Corr�a do Lago tem a maior cole��o particular de manuscritos do mundo (foto: Paulo Jabur/Divulga��o)
O que � uma cole��o de manuscritos e como desenvolveu esse interesse?
A palavra que melhor define o que coleciono, infelizmente, virou sin�nimo de uma coisa muito limitada: o aut�grafo. Mas o aut�grafo n�o quer dizer uma simples assinatura. Aut�grafo � qualquer coisa escrita a m�o, com a pr�pria letra. Na verdade, o que interessa ao colecionador � o conte�do. Eu n�o sou colecionador de assinaturas, mas sou colecionador de aut�grafos. Ent�o, o manuscrito de um poema do Jo�o Cabral, mesmo n�o assinado, � um aut�grafo maravilhoso. Como, por exemplo, o cart�o do Freud para um paciente americano: ele escreve 20 horas, 2 mil shillings. Resume a psican�lise, quer dizer, na pr�pria letra do Freud uma cobran�a por 20 sess�es. Outro exemplo, uma pessoa como Monet, ao fazer um empr�stimo de mil francos no in�cio de sua carreira, deixou como garantia em cart�rio 35 quadros dele. Hoje, 35 quadros de Monet valem US$ 100 milh�es. Na exposi��o da cole��o na Morgan Library, em Nova York, teve um peda�o de papel rasgado, que foi o primeiro encontrado a m�o por Marcel Proust, quando nele escreveu a primeira vers�o dos tr�s primeiros par�grafos de um dos volumes daquela que � considerada a obra liter�ria mais importante do s�culo 20, Em busca do tempo perdido. A inspira��o dele se materializou naquele papel, naquele momento, que agora est� na minha m�o. Ent�o, tenho 10 minutos congelados da inspira��o dele, tenho o momento de cria��o de uma ideia que foi compartilhada por dezenas de milh�es de leitores no mundo nesse s�culo e � considerado um grande momento da li- teratura. A cole��o toda gira em torno do prazer. � algo que enriqueceu minha vida ao longo dos �ltimos 50 anos com in�meras alegrias: a alegria de encontrar a pe�a, de estud�-la, porque tem conte�do mais importante do que imaginado, alegria de revisit�-la, de compartilh�-la com pesquisadores, de exibi-las ou imprimi-la num livro. Tenho in�meros documentos em torno de personagens importantes da hist�ria, como Napole�o, Einstein, Freud, Picasso. Comecei aos 13, 14 anos, mas a cole��o se desenvolveu quando descobri que existia um mercado para isso, muitos leil�es na Europa. Viajava muito pelo mundo, meu pai era diplomata, fui comprando um pouco no mundo inteiro, de particulares, em leil�es, de marchands especializados. Enfim, virou uma cole��o que me dizem hoje os especialistas que � a maior cole��o privada do mundo.

Quantos aut�grafos tem a sua cole��o? Como arquiva esses documentos e qual o valor estimado?
S�o mais de 100 mil manuscritos. Guardo em arquivos � prova de fogo. S�o pastas suspensas de quatro gavetas, s� que refor�adas. O fabricante alem�o garante que pode queimar a mil graus durante uma hora no entorno deles, que o interior continua intacto. Protege tamb�m da �gua. Sou obrigado a guardar isso num quarto t�rreo, porque os arquivos pesam meia tonelada por cada metro quadrado. Voc� me pergunta sobre o valor da cole��o. � inestim�vel. Diria por exemplo que um manuscrito como o de Van Gogh foi uma carta que adquiri de um marchand ingl�s, h� oito anos. Quando vi a carta – tinha sido antes vendida num leil�o e tamb�m oferecida em cat�logo por um marchand americano muito importante –, me dei conta de que nenhum deles reparou que se tratava de invent�rio dos m�veis que compunham o quarto de Van Gogh, provavelmente o quarto mais famoso da pintura ocidental. Essa carta teria sido muito mais cara se tivessem percebido, porque o que faz o valor de um aut�grafo � o conte�do do manuscrito. Evidentemente, relacionada com o quarto, a carta ganhava outro significado. Comprei-a em 12 presta��es e a troquei por outros projetos tamb�m. Custou algo como um carro importado

A sua cole��o tem personagens brasileiros?
Tenho uma cole��o internacional e uma cole��o luso-brasileira, em torno da cultura de l�ngua portuguesa. Tenho coisas importantes de Fernando Pessoa, E�a de Queiroz, Machado de Assis, dos imperadores, enfim, a hist�ria de Brasil e Portugal � t�o ligada, que eu diria que a maior parte, ou seja, 60 mil dos 100 mil aut�grafos, s�o da cole��o luso-brasileira. O livro se refere � exposi��o que fiz na Morgan Library e para l� fiz sele��o de 140 pe�as. Coloquei cinco brasileiros, mas tentei, na medida do poss�vel, escolher nomes conhecidos do p�blico. Entre os brasileiros escolhi Niemeyer, Villa Lobos, Tom Jobim, Machado de Assis e Santos Dumont. S�o nomes brasileiros muito respeitados l� fora. N�o por falta de talento, mas por falta de centralidade. Talvez a nossa arte e literatura n�o s�o t�o conhecidas internacionalmente.


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