
Em terra de Carlos Drummond de Andrade, a poesia persiste. De trag�dias ambientais e ataques � cultura e express�o art�stica, tempos s�o hostis. Mas para 2020, a arte da palavra resiste em primeiro plano. Pronta para o combate. Longe de subterf�gios, segue em alta a “palavra abissal”. � assim que mineiros n�o mais se furtam a falar do “irrevel�vel segredo chamado Minas”. Soltam-no, em alto e bom som na voz de 59 autores que integram a obra Entrelinhas, entremontes: versos contempor�neos mineiros, organizada a seis m�os por Vera Casa Nova, poeta e ensa�sta, ex-professora de Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Kaio Carmona, poeta e p�s-doutorando em Po�ticas da Modernidade; e o poeta Marcelo Dolabela.
“Poetas de diferentes gera��es, est�ticas e procedimentos encontram-se aqui juntos como testemunho – agora hist�rico – de uma aposta na arte como resist�ncia a um tempo t�o infenso � poesia, a um pa�s que faz a op��o por um caminho contr�rio � arte e deixa a palavra em segundo plano, �s atividades depredat�rias que seguem ano ap�s ano, s�culo ap�s s�culo, assassinando a natureza e a popula��o de Minas Gerais”, registram os organizadores ao apresentarem a obra.
Em meio a uma diversa sele��o de temas, n�o faltaram as novas trag�dias que transbordam das montanhas perfuradas pela atividade subterr�nea um dia anotada por Drummond em sua “galeria vertical varando o ferro”. Com o poema Reptil, Adriana Versiani aborda a morte e o que resta aos sobreviventes: seria Brumadinho ou seria Mariana?
Apenas um reptil,
me compade�o da morte das nascentes.
Mesmo sendo frio meu sangue e eu apenas isso,
um reptil,
diante da grandeza extinta
do rio,
me compade�o.
Estou sobre a terra e bebo pouco.
O sol racha a lama em
losangos imperfeitos.
A vida arde no couro grosso que protege meu corpo.
Sou um reptil
E por isso n�o choro,
me compade�o.
Brenda Marques n�o deixa d�vidas. Ao repisar o inferno de lama, certa vez cuspido do estrondo das barragens, traduz com o poema Morte nas �guas de Uatu, o sofrimento que marca esses novos tempos:
Mariana � menina tricenten�ria
A capital das Minas origin�ria
Que do alto das montanhas
Pergunta �s suas mem�rias
“Cad� o Rio que tava aqui?”
O av� s�bio dos �ndios Krenak
Ganhou nos jornais destaque
E assim ele foi noticiado:
O Doce est� enlameado!
Com suas �guas cobertas
Onde est� seu Resplendor?
Seu fluxo agora de horas incertas
Emba�a os olhos e causa
extrema dor.
� longa a lista da lan�amentos preparada pelas editoras mineiras para 2020. Entre as obras, muitas escritoras. Nos termos de Ana Elisa Ribeiro, em Carta do velho editor ao colega no s�c. XXI: “prepara-te, caro,/� muito poeta/pra esconder/sob o tapete./melhor ouvi-las,/numa boa,/que o tapete delas/ voa. Na programa��o deste primeiro semestre, Leida Reis, da P�ginas Editora, est�o no prelo, O que falta, poesia ilustrada de Leny Louzada; Prana, romance de Jacqueline Farid, autora finalista do Pr�mio Oceanos em 2018; Elas, a alma, o infinito, antologia po�tica feminina que d� sequ�ncia � obra Ela, a alma, a cura lan�ada em 2019; Paisagens latente em Nova York, livro de arquitetura, de Marina Viegas; Quem eu vi no espelho, de Val�ria Sobral; e na modalidade infantojuvenil, A chave do Ouro, de Angela Leite Xavier e Cad� o cabelo da mam�e?, de Ana Paula Pacheco que aborda a tem�tica do c�ncer.
Ainda pela P�ginas Editora, est�o programados em fevereiro e mar�o os lan�amentos dos autores Victor Alves, Esquadr�o do fim do mundo; Caleidosc�pio, cr�nicas e contos de Henrique German; e Deus brincando, de Carlos Alberto da Cunha Pimenta; e Fome de folha, de Marlei Tartoni.
Pela Editora Relic�rio, destaca-se nesta virada a obra O Rio antes do Rio, do jornalista Rafael Freitas da Silva, que conta a hist�ria dos vencidos, com o subt�tulo autoexplicativo: A Guanabara Tupinamb� e suas aldeias ancestrais, a hist�ria do primeiro carioca e dos exploradores, conquistadores e moradores pioneiros, a disputa entre portugueses e franceses, a guerra contra os nativos e as batalhas que marcaram a funda��o do Rio de Janeiro.
Trata-se da quarta edi��o revista e ampliada, agora pela Relic�rio: as tr�s �ltimas edi��es foram publicadas pela editora Babil�nia e se esgotaram em menos de um ano e meio. O livro, que inspirou o enredo da Portela para o este Carnaval de 2020 – os carnavalescos Marcia e Renato Lage levar�o � Marques de Sapucai o enredo “Guajupi�, terra sem males”-, al�m de novo projeto gr�fico, tem novos mapas e �ndice remissivo.
Hist�rias da ocupa��o
Com a sua hist�ria tratada a partir de sua funda��o, em 1565, as informa��es e a abordagem sobre o Rio antes de sua coloniza��o eram muito escassas e foram relegadas a uma esp�cie de c�mara escura do passado. Quem eram os habitantes, antes da chegada dos portugueses? Os nativos resistiram � ocupa��o; ou aderiram docilmente � domina��o europeia? Esse para�so de “rios de �guas transparentes e das florestas que avan�avam sobre o mar”, em sua composi��o �nd�gena, transbordava para a Baixada Fluminense, a ba�a de Sepetiba e os munic�pios que ficavam no caminho para a Regi�o dos Lagos. As aldeias eram governadas por morubixabas (caciques) desde os tupis que l� chegaram, h� cerca de 2 ou 3 mil anos.
Nas palavras do autor: “Este livro narra a busca de uma hist�ria esquecida, de rel�quias e pistas documentais. Este trabalho parte principalmente de uma constata��o de que muito pouco se sabe sobre as origens da cidade do Rio de Janeiro, por exemplo o caso de certos nomes que pronunciamos com gosto como se fossem a personifica��o das qualidades de nossa terra, mas que se ignoram completamente seus significados e como foram formados.
Algumas das dezenas de aldeias que fervilhavam na cidade – ent�o formada por uma sociedade complexa e solid�ria – deram origem, pasmem, a nomes de bairros e, hoje, ainda s�o desconhecidas da popula��o”.Nesse desafio de pesquisa, Rafael Freitas da Silva explica como revisitou as obras dos franceses, que pelo Rio estiveram antes dos lusos e como se valeudas modernas pesquisas sobre as topon�mias do Rio de Janeiro e ainda por passagens reveladoras de obras jesu�ticas.
Em seu pacote de lan�amentos, a Relic�rio programa, para este primeiro semestre, lan�amentos de autores consagrados como Hannah Arendt - Eu Mesma, Tamb�m Eu Dan�o e o fil�sofo Jacques Ranci�re – O espa�o das palavras – de Mallarm� � Broodthears. E ainda, Amir Or – A paisagem correta; Sara Gallardo – Eisejuaz; Carla Maia – Sob o risco do g�nero: por um cinema com mulheres; Marie Jos�-Mondzain – Confisca��o: das palavras, das imagens e do tempo; e Margo Glantz - E por olhar tudo, nada via.