
Quando Caio J�lio C�sar (100 a.C. - 44 a.C.), ap�s vencer a guerra civil contra as for�as de Pompeu, perdoou os antigos inimigos, entre estes estava a cidade de Atenas, que o combatera, em refer�ncia � qual comentou: “Quantas vezes a gl�ria de seus antepassados ir� salv�-la da autodestrui��o?”. Num intervalo de duas centenas de anos, entre os s�culos 5 e 4 antes de Cristo, dessa diminuta cidade-estado na Gr�cia Antiga – onde viviam n�o mais do que 200 mil habitantes – emerge o legado da revolu��o democr�tica que persiste ainda hoje como tra�o fundamental do sistema pol�tico ocidental.
Para al�m da pr�tica de governo que incluiu em definitivo o povo na equa��o do poder – em contraposi��o �s f�rmulas at� ent�o correntes de tiranias ou oligarquias –, a idade de ouro dessa civiliza��o, inspirada por her�is como Aquiles, Agamenon, Heitor, Ulisses, e respaldada na racionalidade para a solu��o dos mist�rios da natureza humana, legou � humanidade as ideias de g�nios como S�crates, Plat�o, Xenofonte, Arist�teles. Dramaturgos do quilate de �squilo, S�focles e Eur�pedes. Escultores como F�deas. Estadistas como P�ricles. Estrategistas como Tem�stocles. Uma intermin�vel lista de nomes de feitos imortais.
Mas essa Atenas da Antiguidade n�o lan�ou as bases do universo intelectual contempor�neo isoladamente. A cidade-estado e sua democracia implantada por Cl�stenes em 510 a.C. alcan�ou em seus grandes feitos o apogeu sobretudo em intera��o e no vigor da disputa pelo controle do Mediterr�neo Oriental com duas outras pot�ncias rivais do per�odo.
A principal delas, a P�rsia, do Imp�rio Aquem�nida, fundado por Ciro, o Grande – que dominou terras que se estendiam do Indo aos B�lc�s, da �sia Central ao Alto Egito. Esse impressionante monarca, que incorporou aos seus dom�nios as pr�speras cidades gregas ao longo do litoral da �sia Menor, ensinava aos advers�rios a arte da toler�ncia – esta que hoje cultuamos como valor democr�tico: sem se impor aos s�ditos, nos termos de Edmund Burke, com “neglig�ncia s�bia e salutar”, em troca do pagamento de impostos e homens para o ex�rcito, deixou intocados os costumes, religi�es e culturas dos povos vencidos. A disciplinada Esparta, cidade-estado no Peloponeso, pen�nsula ao Sul da Gr�cia – totalit�ria e encerrada em seu coletivo de brutais combatentes conhecidos como “Iguais” – foi a terceira pot�ncia do Mediterr�neo, em constante altern�ncia com Atenas e a P�rsia.
� na intera��o dos tr�s players – P�rsia, Atenas e Esparta – que Anthony Everitt conta a hist�ria em sua nova obra, A ascens�o de Atenas, descrita como um “bal� complicado”, em que esses “dan�arinos entrela�avam o corpo, revezando amigos e inimigos”. E � porque Atenas n�o existiria tal a conhecemos sem a P�rsia e sem Esparta, que os tr�s jogadores da Antiguidade no Mediterr�neo Oriental conheceram o auge e posterior aniquilamento ap�s a conquista da P�rsia por Alexandre, o Grande, seguida de sua morte. “As tr�s grandes pot�ncias desfrutaram de altos z�nites, mas todas acabaram por enfrentar a derrota e o desastre. Seu progresso cont�m todas as emo��es de uma montanha-russa hist�rica”, registra Everitt.
“Os atenienses faziam parte de um avan�o hel�nico gen�rico e tomavam emprestadas ideias e tecnologias de seus vizinhos n�o gregos – por exemplo, eg�pcios e persas –, apesar de seu desprezo pelos 'b�rbaros'. Se soub�ssemos tanto sobre as outras sociedades inseridas e em torno do Mediterr�neo Oriental nos tempos cl�ssicos quanto sabemos sobre os atenienses, talvez eles n�o nos parecessem t�o excepcionais. Provavelmente, seriam considerados secund�rios”, ressalva Everitt. Foi, portanto, do entrela�amento de suas rivalidades e de seus valores opostos – o despotismo civilizado persa em confronto com o ideal de liberdade ateniense, ambos em contraste com a disciplina do coletivo totalit�rio espartano – que essas pot�ncias conquistaram seus triunfos sucedidos pela ru�na.
Ap�s o estabelecimento da democracia, em uma Atenas em expans�o, foi, nas palavras de Everitt, inundada com energia e criatividade: o sistema democr�tico exigia participa��o popular e observ�ncia religiosa e oferecia aos cidad�os uma oportunidade de moldar diretamente o seu destino pol�tico. Os atenienses acreditavam na raz�o e no poder dela para esclarecer os mist�rios da natureza humana. “O amor � liberdade era valor fundamental que a democracia alimentou. Foi o fundamento da investiga��o racional e da express�o art�stica livre”, considera Everitt. Nessa comunidade, S�crates dava aulas de �tica nas ruas para seus alunos, entre eles Plat�o e Xenofonte; dramaturgos como �squilo, S�focles e Eur�pides falaram sobre o drama da exist�ncia humana. Foi com tais nomes que Atenas lan�ou as bases do universo intelectual contempor�neo, levantando quest�es filos�ficas ainda hoje debatidas.
Reconhecido por construir biografias, Anthony Everitt, professor da Universidade de Nottingham (Reino Unido), j� publicou obras sobre a hist�ria europeia, como A ascens�o de Roma, C�cero e Augustus. Em A ascens�o de Atenas, o acad�mico opta por escrever “uma hist�ria narrativa”, avan�ando linearmente pelos s�culos, reconstruindo o contexto de grandes eventos, sem revelar o desfecho. Em algumas passagens se aproximando de um romance ficcional, Everitt n�o se furta de preencher lacunas da hist�ria documentada em seu livro com mitos, lendas reveladoras da forma como gregos percebiam o mundo.
PERDA DE PODER
Ap�s a morte de Alexandre, o Grande e a divis�o de seu imp�rio em reinos da era helen�stica – Maced�nia, Egito, o cora��o imperial na �sia e P�rgamo – , Atenas foi reduzida a um ator pol�tico dentro da esfera de influ�ncia da Maced�nia. “O lugar ficou bastante dilapidado; as Longas Muralhas, entre Atenas e o Pireu, ru�ram e n�o foram reconstru�das. A cidade nunca mais seria uma democracia plena e livre com o sufr�gio universal masculino. Nunca mais dominaria os mares com suas frotas, embora, de tempos em tempos, o com�rcio se recuperasse e o Pireu continuasse sendo um importante porto internacional. O �nico ponto alto da cidade era ser centro de ensino superior especializado em ret�rica e filosofia. Durante s�culos, os jovens gregos e depois os romanos passavam um ano ou mais em Atenas, concluindo sua educa��o”, diz o autor.
Atenas, que sob a era ptlolomaica ainda se viu preterida por Alexandria, teve como alternativa apenas respaldar-se sobre a sua hist�ria gloriosa, um memorial escancarado a c�u aberto em seus templos, colunatas e est�tuas colossais. Poupada por J�lio C�sar e ainda protegida com investimentos vultosos pelos imperadores Augusto e Adriano, que vieram um s�culo depois, Atenas seria novamente saqueada e depois alvo de sucessivas invas�es g�ticas. Ao fim do s�culo 12, um arcebispo crist�o que vivia ali descreveu-a como “um buraco esquecido por Deus”. Sob o Imp�rio Otomano, o Partenon tornou-se mesquita; enquanto a �gora, palco de debates, transformou-se um pasto de ovelhas e burros. No s�culo 17, quando venezianos e turcos guerreavam, o Partenon foi usado para estocar arsenal e foi bombardeado. N�o bastasse, entre 1801 e 1805, lorde Elgin, embaixador brit�nico no Imp�rio Otomano, removeu as esculturas remanescentes do templo dedicado a Atenas e carregou-as para Londres. Hoje, integram o acervo do British Museum e s�o demandadas pelo governo grego.
Em sua hist�rias, gregos sempre compreenderam a trag�dia da condi��o humana, a vida ef�mera e cheia de dor, assim descrita por Homero: “Homens ao longo de suas gera��es s�o como folhas das �rvores. O vento sopra e as folhas que nasceram durante o ano espalham-se no ch�o, mas as �rvores abrem seus brotos frescos quando chega a primavera. Da mesma forma, uma gera��o floresce, enquanto outra finda”.

TRECHO DO LIVRO
“A Acr�pole foi transformada. Destinada a rivalizar com os templos de �rtemis de �feso e de Hera em Samos, o Partenon, uma enorme e nova constru��o, foi um dos primeiros projetos, conclu�do em 443-442. Foi feito no estilo d�rico inteiramente com o m�rmore do monte Pent�lico pr�ximo, que adquire tom dourado � luz do sol. As colunas com caneluras largas foram erigidas sem uma base diretamente colocada na plataforma plana (stylobate) sobre a qual o templo foi constru�do, encimadas por lajes de m�rmore simples. O templo foi decorado com esculturas pintadas com cores brilhantes. O objetivo era tanto educacional quanto est�tico, pois homenageava o embate entre os l�pitas e os centauros, os gregos e as amazonas, os deuses e os Gigantes, todos s�mbolos do triunfo da civiliza��o sobre a barb�rie. Nos front�es triangulares, nas extremidades do templo, estava representado o nascimento de Atena e a luta entre a deusa e seu tio Poseidon pelo direito de ser a divindade protetora da cidade.
Dentro da colunata, havia duas grandes c�maras interiores sem janelas. Bem no alto do lado externo das paredes, um longo friso, representando a prociss�o panatenaica, circundava o templo; santu�rios sagrados eram em geral reservados a deuses e her�is, mas ali atenienses comuns eram representados. O maior dos c�modos, a cella, era o lar de uma est�tua de doze metros de altura de Atena Partenos, a deusa virgem, criada por F�dias.

A ASCENS�O DE ATENAS
De Anthony Everitt
Editora Planeta
440 p�ginas
R$ 99,90