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Estado de Minas IDENTIDADE DE UM G�NIO

Escritor faz provoca��o em livro que tem Machado de Assis como personagem racista

O homem que odiava Machado de Assis � romance hist�rico passado no fim do s�culo 19 no Brasil


postado em 26/06/2020 04:00 / atualizado em 26/06/2020 07:44

Carolina, mulher de Machado de Assis por 35 anos até a sua morte, em 1904, é personagem central na ficção de O homem que odiava Machado de Assis(foto: QUINHO)
Carolina, mulher de Machado de Assis por 35 anos at� a sua morte, em 1904, � personagem central na fic��o de O homem que odiava Machado de Assis (foto: QUINHO)
Quem ama literatura e reconhece o autor de Dom Casmurro e Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas como o maior escritor brasileiro, certamente, ficar� curioso ao ter nas m�os um livro chamado O homem que odiava Machado de Assis. Foi o meu caso e, acredito, de muitos leitores pa�s afora.

Afinal, Joaquim Maria Machado de Assis, 112 anos ap�s sua morte, � refer�ncia de cr�tica e p�blico. O escritor Jos� Almeida J�nior, autor do livro, diz que n�o teve inten��o de fazer provoca��o liter�ria, mas uma fic��o sobre a vida de Machado. Sem querer, entretanto, acabou fazendo uma. “N�o foi uma ideia proposital para atrair leitores, mas, depois de publicado, muita gente chegou ao livro por causa do t�tulo”, diz. Ele foi buscar inspira��es exatamente na biografia e em duas obras do autor: o mist�rio sobre o adult�rio de Capitu em Dom Casmurro e a personalidade controversa de Br�s Cubas.

Al�m de juntar a d�vida da trai��o e o personagem mau-car�ter, Almeida J�nior cria uma pol�mica aos olhos de hoje: o escritor carioca se torna personagem do livro de forma pejorativa. Isso porque, na vis�o do protagonista Pedro Junqueira, de O homem que odiava Machado de Assis – um bo�mio fracassado que vive da heran�a do pai (inspirado em Mem�rias p�stumas de Br�s Cubas) –, Machado � “um mulato pern�stico, imitador barato de Jos� de Alencar, bajulador, vingativo” e omisso com a escravid�o.

De fato, Machado teve desafetos em vida, o mais famoso o cr�tico liter�rio S�lvio Romero, que detratou seus romances. Pol�mica � parte, Almeida J�nior cria uma fic��o que come�a exatamente no Morro do Livramento, no Rio, onde Machado nasceu em 21 de junho de 1839.

A partir da�, entrela�a o destino de Pedro Junqueira, menino rico, com o do menino pobre e mulato Joaquim. Desde a inf�ncia, eles j� se estranham. Por uma s�rie de coincid�ncias, eles v�o se encontrando ao longo da vida at� chegar ao ponto de se apaixonarem pela mesma mulher, Carolina.

Na vida real, Carolina foi a mulher de Machado de Assis, vinda de Portugal ap�s uma frustra��o misteriosa. Em sua fic��o, Almeida J�nior leva o jovem estudante Pedro para Portugal, onde conhece Carolina e a abandona gr�vida. Anos depois, ele a procura no Rio para tentar reatar o romance, mas descobre que ela est� casada com seu antigo desafeto, Machado de Assis, e as rusgas de suas inf�ncias tomam outras formas de conflito.

Entre idas e vindas, Pedro, ent�o, acaba despertando o ci�me e a desconfian�a do Machado personagem, assim como Bentinho desconfia da trai��o de Capitu (Carolina na fic��o) com seu amigo Escobar. “Resolvi construir uma fic��o com a premissa de que Dom Casmurro seria um livro autobiogr�fico, explorando a d�vida do adult�rio”, explica Almeida J�nior.

ABOLI��O

 Esse tri�ngulo amoroso permeia um per�odo fundamental da hist�ria do Brasil, a segunda metade do s�culo 19, quando ferviam os movimentos abolicionista e republicano em meio � monarquia decadente. Almeida J�nior mistura fic��o e realidade para expor as mazelas de um Rio de Janeiro dominado pela elite branca escravista, que sob a m�o do poder imperial massacra as popula��es negra e pobre e as mulheres, muitas condenadas aos bord�is ap�s serem expulsas de casa por ter ousado ter vida sexual antes do casamento. � assim com Joana, personagem marcante de O homem que odiava...

Al�m de Machado de Assis, ali est�o ao longo das p�ginas Jos� de Alencar, romancista j� consagrado e escravocrata que ainda acha que � cedo para deslanchar o processo de aboli��o, e Joaquim Nabuco, l�der da luta pelo fim da escravid�o, ambos em instigantes debates, al�m de S�lvio Romero, cr�tico implac�vel do escritor. O livro leva o leitor a um passeio pela hist�ria do Brasil, que, obviamente, n�o pode perder a no��o da licen�a criativa do autor sobre a realidade dos fatos.

ENTREVISTA

JOS� ALMEIDA J�NIOR / Escritor

A ideia do livro saiu da d�vida insol�vel de Benti-nho sobre o adult�rio de Capitu? Como se fosse um caso real na vida de Carolina, a mulher de Machado, e seu passado misterioso em Portugal?
Eu queria escrever um romance que tratasse da vida de Machado de Assis de maneira ficcional. Pesquisando as biografias, descobri que Carolina deixou Portugal e foi morar no Rio de Janeiro com um m�sico bo�mio chamado Artur Napole�o. Ela tinha passado dos 30 anos, idade em que as mu- lheres j� estavam casadas na sociedade conservadora da �poca.

Depois de ganhar certa notoriedade no Brasil como m�sico, Artur Napole�o escreveu um livro de mem�rias, mas eliminava o cap�tulo sobre a vinda de Carolina para o Brasil para n�o dar publicidade a um �ntimo drama familiar. Para aumentar o mist�rio, numa das poucas cartas n�o destru�das entre Machado de Assis e Carolina, o escritor diz pouco antes de se casar que sua noiva sofreu, insinuando desilus�o amorosa anterior.

A partir da�, resolvi construir uma fic��o com a premissa de que Dom Casmurro seria um livro autobiogr�fico, explorando a d�vida do adult�rio.

O nome O homem que odiava... � uma pegadinha liter�ria para atrair leitores? Porque Machado de Assis � unanimidade hoje, no Brasil e no exterior.
Durante o processo de escrita do livro, o perso- nagem Pedro Junqueira foi ganhando vida pr�pria e alimentando um �dio e um desprezo profundos por Machado de Assis desde a inf�ncia, passando pela adolesc�ncia, at� chegar � fase adulta. Da� veio o t�tulo. N�o foi uma ideia proposital para atrair leitores, mas, depois de publicado, muita gente chegou ao livro por causa do t�tulo.

� importante dizer que Machado de Assis � un�nime hoje, mas n�o na �poca em que era vivo. Machado sofreu muitas cr�ticas, algumas, inclusive, alimentadas pela quest�o racial. Josu� Montello tem um livro chamado Os inimigos de Machado de Assis em que trata dos advers�rios do escritor.

Mesmo sendo fic��o e partindo de um canalha como o protagonista Pedro Junqueira, por que atacar Machado de Assis e acus�-lo de omisso com a escravid�o, bajulador, violento (defende o espancamento de uma criada no livro), vingativo e ad�ltero? Esse perfil pol�mico negativo do escritor tamb�m � uma provoca��o ao leitor?
Pedro Junqueira foi um personagem inspirado em Br�s Cubas: filho de aristocrata, estudou em Coimbra, n�o trabalhou, mau-car�ter, fracassado nas ambi��es pol�ticas e nas rela��es amorosas. Os ataques � figura de Machado de Assis s�o do ponto de vista de Pedro Junqueira e tiveram por base cr�ticas, inclusive pessoais, que eram feitas por desafetos do escritor, como S�lvio Romero.

Ap�s a sua morte, Machado continuou recebendo duras cr�ticas de escritores, como Lima Barreto e Drummond. M�rio de Andrade escreveu um texto em 1939 dizendo que Machado foi um homem que lhe desagradava e que n�o desejaria para o seu conv�vio. Guimar�es Rosa chegou a escrever em seu di�rio que Machado de Assis era pern�stico. O suposto adult�rio de Machado de Assis a que me refiro no livro foi publicado no jornal sat�rico O cors�rio.

L�cia Miguel Pereira tamb�m cita em sua biografia um mal-estar entre Carolina e Machado de Assis, causado por uma trai��o. Ent�o, as qualidades negativas a respeito de Machado s�o uma vis�o de Pedro Junqueira, mas baseadas em cr�ticas sofridas pelo escritor.

Na sua vis�o, por que Machado de Assis, sendo afrodescendente, n�o foi militante na defesa da aboli��o al�m das den�ncias dissimuladas da escravid�o que faz em suas obras?
A escravid�o est� presente em praticamente toda a obra de Machado de Assis, incluindo romances, contos e cr�nicas. Drummond disse que o conto machadiano Pai contra m�e vale mais do que qualquer manifesto abolicionista. A figura de Machado de Assis como um sujeito alheio aos problemas da escravid�o foi constru�da de maneira equivocada.

O professor Eduardo de Assis Duarte reuniu numa colet�nea todos os textos machadianos a respeito da quest�o racial – o livro Machado de Assis afro- descendente. Machado de Assis fez a milit�ncia em seus textos � sua maneira, usando as principais ferramentas que dominava com maestria: a ironia e o sarcasmo.

Na pele do protagonista est� o Brasil real do fim do s�culo 19: um aristocrata branco que ataca a escravid�o por oportunismo, � racista, corrupto, preconceituoso de classe e homof�bico (tanto que o gar�om nem sequer tem nome, sempre � chamado de afeminado). Al�m do fim da escravid�o, o que mudou no pa�s desde ent�o?
Nos meus livros, costumo real�ar problemas hist�ricos que fazem sentido nos dias de hoje, talvez por isso o livro seja t�o atual. Mudou muita coisa do Brasil de Machado de Assis para o momento atual. A hist�ria est� sempre em movimento e n�o se repete. Por�m, o pa�s precisa corrigir erros e injusti�as hist�ricas.

O Brasil, por exemplo, nunca acertou as contas com os per�odos autorit�rios, por isso mesmo o autoritarismo � uma quest�o que retorna de tempos em tempos. O pa�s tamb�m optou por negar o racismo estrutural existente e por apostar no mito da democracia racial. O tema do racismo precisa ser pautado constantemente para ser combatido.

O HOMEM QUE ODIAVA MACHADO DE ASSIS
De Jos� Almeida J�nior
Faro Editorial
240 p�ginas
R$ 39,90


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