
Em busca do infante
N�lida Pi�on, de 83 anos, sempre teve uma queda pela hist�ria de Portugal, especialmente quando se trata do per�odo das grandes nave- ga��es. No entanto, foi num s�culo posterior que ela decidiu localizar Um dia chegarei a Sagres, livro que a acad�mica acaba de lan�ar ap�s 14 anos sem escrever um romance. Na saga narrada por N�lida, Mateus � um homem pobre, filho bastardo criado pelo av� que vai em busca das origens do infante dom Henrique e se revela um apaixonado pelas figuras �picas de Portugal no s�culo 15.
Um dia chegarei a Sagres se passa no s�culo 19 e, para encontrar a hist�ria e mergulhar na narrativa, a autora foi morar um ano em Portugal. “Eu tenho uma sensibilidade muito apurada, entendo a analogia das coisas, a analogia enriquece a cria��o liter�ria. Eu fui em busca das paisagens, dos res�duos de uma l�ngua que eu precisava ouvir, que vinha do s�culo 15, a l�ngua de Cam�es, que foi se implantando no mundo e que ele, Mateus, vai amar no s�culo 19”, conta N�lida. “Vi- sitei as aldeias e tudo que enriquecia minha ima- gina��o. O imagin�rio � uma composi��o de todos os saberes. Isso foi extraordin�rio, eu tinha a impress�o de que estava convivendo com o infante, que ele me ditava regras do seus poderes, da expans�o do imp�rio.”
Foram 14 anos sem um romance, mas N�lida n�o deixou de publicar durante esse tempo. Escreveu tr�s livros de mem�rias – O livro das horas, Una furtiva l�grima e Cora��o andarilho – e um de contos (A camisa do marido). Um dia chegarei a Sagres s� n�o saiu antes por duas raz�es: Gravetinho, o c�ozinho da autora, n�o aguentaria a viagem a Portugal e ela estava comprometida com afazeres na Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual � integrante e j� foi presidente.
Quando Gravetinho morreu, em 2017, a escritora se organizou para uma temporada no pa�s de Cam�es. “Eu me preparei para passar um ano em Portugal. Sempre fui uma apaixonada pelos s�culos, sempre li muita hist�ria, ent�o intensifiquei meus estudos entre os s�culos 15 at� 19, porque o romance ia se passar no (s�culo) 19, mas tinha uma simbologia intensa no 15, por causa do infante e dos navegantes”, conta. Enquanto viaja ao encontro do passado, Mateus revela um presente particular: o Portugal rico das grandes descobertas e navega��es agora parecia empobrecido e triste. Mas Mateus se d� conta de que, apesar de parecer um miser�vel, � herdeiro de um pa�s povoado por figuras m�ticas, como o infante dom Henrique, quinto filho de dom Jo�o I, conhecido como o navegador, respons�vel por expedi��es que descobriram e povoaram ilhas do Atl�ntico, como Madeira e A�ores. A seguir, uma entrevista com a autora:
Por que partir do fasc�nio de um personagem por um navegador que viveu quatro s�culos antes?
Eu sabia que meu livro tinha que mostrar a nova imagina��o que surge no mundo, um novo conceito de imagina��o que surge no mundo a partir do infante. Mateus vai ser o porta-voz de tudo isso, narrador em primeira pessoa. � um desafio muito grande a primeira pessoa, porque voc� est� sozinho, opera sem rede de seguran�a, � deriva, � s� voc� confrontado com o mundo. A terceira pessoa tem subterf�gios, a primeira n�o tem salva��o. Eu precisava dessa voz fr�gil e poderosa da primeira pessoa.
Mas quis que esse Mateus fosse pobre, gosto muito dos pobres da pen�nsula ib�rica porque os conhe�o muito, assimilei o modo de ser deles entre os 10 e os 12 anos, quando vivi na Gal�cia, no campo. Guardei todos esses detalhes da psique do lavrador na minha inf�ncia, nunca esqueci. Eu coloco a a��o no s�culo 19 tendo em vista a grandeza do s�culo 15, porque o Mateus nasceu na margem do rio Minho, entre Portugal e a Gal�cia, numa daquelas aldeias pobres, mi- ser�veis, nas quais a lavoura � penosa, a terra � seca.
Ele pensa que est� condenado � mis�ria, que n�o tem salva��o para os camponeses portugueses. E o menino vai se dando conta de que n�o � miser�vel porque nasceu numa terra que tinha her�is, que viveu a odisseia da navega��o, ent�o ele come�a a tecer uma hist�ria dentro dele como se revivesse o infante. A hist�ria toda � em torno disso.
Mas quis que esse Mateus fosse pobre, gosto muito dos pobres da pen�nsula ib�rica porque os conhe�o muito, assimilei o modo de ser deles entre os 10 e os 12 anos, quando vivi na Gal�cia, no campo. Guardei todos esses detalhes da psique do lavrador na minha inf�ncia, nunca esqueci. Eu coloco a a��o no s�culo 19 tendo em vista a grandeza do s�culo 15, porque o Mateus nasceu na margem do rio Minho, entre Portugal e a Gal�cia, numa daquelas aldeias pobres, mi- ser�veis, nas quais a lavoura � penosa, a terra � seca.
Ele pensa que est� condenado � mis�ria, que n�o tem salva��o para os camponeses portugueses. E o menino vai se dando conta de que n�o � miser�vel porque nasceu numa terra que tinha her�is, que viveu a odisseia da navega��o, ent�o ele come�a a tecer uma hist�ria dentro dele como se revivesse o infante. A hist�ria toda � em torno disso.
Por que o s�culo 19?
Acho o s�culo 19 portugu�s muito interessante porque ainda tem monarquia, o poder dos mo- narcas, a nobreza tinha prest�gio e v�rias coisas politicamente muito interessantes aconteceram. Acho um s�culo muito original na Europa, e em Portugal era menos. O sistema industrial se ex- pande, mas em Portugal chega a tudo com mais atraso. Era um per�odo de grandes mudan�as pol�ticas e progressistas, mas tamb�m de grande pobreza dos povos miser�veis. Esses contrastes me atra�ram muito para a fic��o. O esp�rito do livro n�o � renascentista, � o esp�rito de um livro que tem uma vis�o mais que ut�pica, �pica da humanidade.
Que tipo de utopia Mateus representa? Quem seria ele hoje?
N�o aceito o conceito de que a utopia � manejada pelos poderosos, pelos grandes sonhadores, pelos intelectuais. Acredito que cada qual tem o direito ao sonho modesto, pobre, que � uma utopia pessoal. Sempre achei que a imigra��o � um movimento ut�pico. Qualquer movimento pol�tico engendrado por um pequeno grupo tem o gesto da utopia. Mateus, ao acreditar na grandeza de Portugal e se devotar, � um sonho poderoso no qual ele quis acreditar at� o fim da vida. Ele chega a Sagres, sai de Sagres, mas Sagres n�o sai dele.
Acredito num sonho quase sem formato, porque o sonho n�o pode ser apropriado pelas ideologias, pelos partidos, pelo poder pol�tico. O que vejo no sonho � aquele indiv�duo, privado, que, somado a outros, nos fazem crer na grande utopia coletiva de um pa�s e de uma na��o. Um pa�s deixa de ser pa�s e se torna na��o quando tem uma dose fant�stica de sonhos e utopias, quando cresce e � capaz de fornecer aos seus habitantes, ao seu povo, os elementos que permitem sonhar. Um pa�s n�o � um aglomerado.
Acredito num sonho quase sem formato, porque o sonho n�o pode ser apropriado pelas ideologias, pelos partidos, pelo poder pol�tico. O que vejo no sonho � aquele indiv�duo, privado, que, somado a outros, nos fazem crer na grande utopia coletiva de um pa�s e de uma na��o. Um pa�s deixa de ser pa�s e se torna na��o quando tem uma dose fant�stica de sonhos e utopias, quando cresce e � capaz de fornecer aos seus habitantes, ao seu povo, os elementos que permitem sonhar. Um pa�s n�o � um aglomerado.
Como a senhora v� o Brasil hoje, a partir dessa perspectiva de na��o?
O Brasil corre o risco hoje de ser um aglomerado. E n�o � de hoje, nunca deixamos de ser um aglomerado. Qual a percentagem que n�o tem saneamento b�sico? Um pa�s que tem essa aus�ncia de saneamento b�sico explica a alma nacional. N�o tem banheiro, vaso sanit�rio, que d� uma dignidade, que permite sonhar, desenvolver suas utopias. � uma vergonha. Voc� n�o pode ter vergonha do seu corpo. E voc� tem vergonha do seu corpo quando n�o tem um vaso sanit�rio. O Brasil � um pa�s abandonado � sua mis�ria.
Deus � importante para Mateus, assim como os animais. E para a senhora?
Os animais, cada dia mais, ocupam um espa�o poderoso na minha vida. Porque o tratamento que lhes � dado revela a precariedade da moral humana. N�s somos cru�is e carrascos em rela��o aos animais. N�s praticamente assassinamos os animais a cada dia. Deus � uma resposta indivi- dual, cada qual estabelece uma alian�a com Deus. Sou uma mulher de f�, mas nunca aceitei Deus como justiceiro, como algu�m que subordinou minha consci�ncia � vontade dEle. Eu penso segundo meus prop�sitos c�vicos e morais. Cada dia durmo buscando onde est� o epicentro do �mago da minha consci�ncia.
Como a senhora tem enfrentado a pandemia?
Estou na minha casa, s� sa� tr�s vezes desde 12 de mar�o, por raz�es profissionais. Mas sou uma mulher muito serena. Fui, ao longo da minha vida, uma mulher que sempre entendeu a his- t�ria humana, sempre soube que a humanidade esteve sujeita a percal�os terr�veis e nos tocou esse. Mas o pobre vive essa trag�dia desde sempre. N�s, que sempre tivemos o p�o, � que estamos perplexos. � um momento de refletir sobre a grande solidariedade humana e refletir sobre mudan�as necess�rias.
A senhora tem esperan�a?
Esperan�a � uma esp�cie de h�bito, � preciso ter esperan�a para seguir arfando. O arfar humano � impulsionado por esse gesto de sobreviv�ncia. Temos que ter a esperan�a de que vamos dormir, comer, falar, pensar. Sen�o, � a morte.
Um dia chegarei a Sagres
.N�lida Pi�on
.Record
.510 p�ginas
.R$ 62,90

A trilogia de Cromwell
Andr� de Leones
“A hist�ria � a grande prostituta de todos n�s”, escreveu o historiador Paulo Bertran em Hist�ria da Terra e do homem no Planalto Central (editora Verano). E complementa: “hist�ria e desejo de hist�ria � o que perseguimos. A hist�ria arrogante, antr�pica, insana”. S�o palavras que sempre me v�m � cabe�a quando me deparo com romances hist�ricos. Em geral, os melhores exemplares do g�nero adotam uma postura violentamente ativa em rela��o aos personagens e acontecimentos abordados. N�o se trata, � claro, de uma �nfase banal no termo romance em detrimento de hist�rico, mas da compreens�o de que tudo, grosso modo, � narrativa. Ao escrever sua trilogia sobre Thomas Cromwell (1485-1540), o filho de um turbulento ferreiro e cervejeiro que se tornou o principal ministro de Henrique VIII, a inglesa Hilary Mantel investiu em um estilo direto e n�o raro agressivo, em que a op��o pelo tempo presente confere imediatez a cada ato, di�logo e digress�o.
Os dois primeiros volumes, Wolf Hall e Tragam os corpos (outrora lan�ado pela editora Record como O livro de Henrique), com tradu��o de Heloisa Mour�o, foram reeditados pela Todavia. O terceiro, The mirror and the light (O espelho e a luz), est� previsto para chegar �s livrarias brasileiras em mar�o deste novo ano. Eles est�o entre os melhores livros lan�ados neste s�culo.
Os dois primeiros volumes, Wolf Hall e Tragam os corpos (outrora lan�ado pela editora Record como O livro de Henrique), com tradu��o de Heloisa Mour�o, foram reeditados pela Todavia. O terceiro, The mirror and the light (O espelho e a luz), est� previsto para chegar �s livrarias brasileiras em mar�o deste novo ano. Eles est�o entre os melhores livros lan�ados neste s�culo.
Ao conceb�-los, Mantel foi muito al�m do mero regurgitar de uma pesquisa extensa e trabalhosa. H�, desde as p�ginas iniciais, um esfor�o muito claro para presentificar e palpabilizar cada personagem. Os efeitos nunca s�o menos do que impressio- nantes, tornando o nosso apego �s “severidades do passado” algo inescap�vel. Embora sejam narrados em terceira pessoa, os romances se orientam pelos olhos e pela cabe�a de Cromwell. A fragilidade de sua condi��o, mesmo quando se encontra no paroxismo do poder e da influ�ncia, marca cada p�gina, cada par�grafo. Essa fragilidade n�o diz respeito apenas ao seu lugar na corte e no jogo pol�tico. Uma das passagens mais dilacerantes de Wolf Hall, por exemplo, diz respeito � morte da esposa do protagonista (p�g. 98):
H� algo errado se voc� chega em casa ao entardecer e as tochas j� est�o queimando. O ar � adocicado e voc� se sente bem quando entra, sente-se jovem, imaculado. � quando percebe os rostos de- solados; os rostos que se desviam quando o veem.
E poucas linhas abaixo: “Ele se lembra da manh�: os len��is �midos, a testa �mida. Liz, ele pensa, voc� n�o lutou?”. Mas n�o � poss�vel esmagar a “cabe�a funesta” da morte, “crucific�-la”. Olhando, mais tarde, para o corpo da mulher, Cromwell pensa que Liz “parece mais simples e mais morta que as pessoas que ele via nos campos de batalha, com as tripas derramadas”. As filhas dele ter�o o mesmo destino, abatidas pela doen�a.
Trechos como os citados acima s�o um exem- plo perfeito da percuci�ncia de Mantel. S�o constru��es aparentemente simples, mas que carregam uma tremenda sofistica��o, constat�vel em imagens inesperadas e �s vezes sombrias, mas sempre exatas. A imprevisibilidade formal encorpa a imprevisibilidade factual. Assim como n�o sabemos o que vir� a seguir, de que forma as intrigas ser�o planejadas e levadas a cabo, em que ordem, afinal, os corpos ser�o trazidos e empilhados aos p�s do rei, � imposs�vel antecipar as analogias, met�foras e idea��es da prosa da autora. Isso tamb�m alimenta a urg�ncia da coisa, a no��o de que perseguimos a – e somos perseguidos pela – hist�ria. Refor�ada pelo texto, a inexorabilidade dos eventos � assustadora.
Hist�ria de uma vingan�a
� claro que, dada a import�ncia dos acontecimentos narrados nos romances, o teor imprevis�vel diz respeito �s filigranas, aos detalhes, aos di�logos e �s conspira��es que levam �s consequ�ncias maiores e j� bastante conhecidas. Wolf Hall se passa entre 1500 e 1535, e enfoca a ascens�o de Cromwell. Henrique VIII quer se divorciar de Catarina de Arag�o para desposar Ana Bolena. Entre as in�meras v�timas da cis�o provocada pelo processo est�o o cardeal Wolsey e Thomas More. Tragam os corpos d� prosseguimento � hist�ria, concentrando a a��o em 1535 e 1536.
O rei se afasta de Ana Bolena e se aproxima de Jane Seymour. Em um certo n�vel, � a hist�ria de uma vingan�a (de Cromwell por Wolsey), em que a ca�adora do volume anterior � enredada e abatida: Bolena e v�rios membros de seu c�rculo (incluindo o irm�o, George) s�o implicados e julgados em outro processo. “N�o se trata tanto de quem � culpado”, diz algu�m a Cromwell (p�g. 242), “mas de qual culpa � �til para o senhor.” Ao que ele retruca: “(...) n�o somos padres. N�o queremos aquele tipo de confiss�o. Somos advogados. Queremos a verdade pouco a pouco, e s� as partes que podemos usar”.
O rei se afasta de Ana Bolena e se aproxima de Jane Seymour. Em um certo n�vel, � a hist�ria de uma vingan�a (de Cromwell por Wolsey), em que a ca�adora do volume anterior � enredada e abatida: Bolena e v�rios membros de seu c�rculo (incluindo o irm�o, George) s�o implicados e julgados em outro processo. “N�o se trata tanto de quem � culpado”, diz algu�m a Cromwell (p�g. 242), “mas de qual culpa � �til para o senhor.” Ao que ele retruca: “(...) n�o somos padres. N�o queremos aquele tipo de confiss�o. Somos advogados. Queremos a verdade pouco a pouco, e s� as partes que podemos usar”.
No m�dio e no longo prazos, a institui��o desse estado de coisas nunca � saud�vel. Por mais que as vontades do rei sejam ancoradas em uma necessidade premente – um herdeiro –, algo sem o que n�o sobreviver�, as farsas e maquina��es contaminam de tal forma o ambiente que qualquer consequ�ncia se torna poss�vel. “H� um clima de medo”, lemos em Tragam os corpos (p�g. 272), “e foi ele [Cromwell] quem o criou. Ningu�m sabe por quanto tempo as pris�es continuar�o e quem mais ser� levado. Ele sente que nem ele pr�prio sabe, e � ele quem est� no comando de tudo”. A experi�ncia de tal instabilidade � comum a todos n�s, em qualquer �poca e em qualquer lugar. Trata-se de uma “com�dia” da qual todos riem, “exceto os condenados”. E, cedo ou tarde, todos somos condenados.
Cromwell sabe muito bem disso. Os nobres nem tanto, como fica evidente em uma discuss�o entre Henrique e Chapuys, o embaixador de Carlos V, em Wolf Hall (p�g. 368): “Diga-me, por que acham que fa�o isso?”, pergunta o rei. “Por lux�ria? � isso que acham?”. E, ent�o, a intromiss�o do narrador tinge a passagem de ironia: “Matar um cardeal? Dividir seu pa�s? Cindir a Igreja?”. Lubricidade, instinto de sobreviv�ncia pol�tica, quest�es e necessidades de Estado, n�o importa: a partir de um certo ponto, depois que determinada linha � cruzada, estamos todos condenados a desempenhar um papel e a morrer, literalmente ou n�o, de imediato ou n�o, por causa dele.
Entre a fragilidade e a implacabilidade, o Cromwell de Wolf Hall � um dos personagens mais bem constru�dos da literatura contempor�nea. Ao contr�rio de Ana Bolena, ele tem consci�ncia (mesmo que difusa, a princ�pio) do que o aguarda nesse ambiente que cria “cad�veres dentro do devido processo legal”. Acolhido pelas asas do drag�o, sabe que cedo ou tarde ser� alcan�ado pelas chamas, coisa que seus advers�rios fazem quest�o de lembr�-lhe a todo momento. “O que o faz pensar que ser� diferente com voc�, que voc� � diferente desses homens?”, ouve de algu�m em Tragam os corpos (p�g. 281). E, nesse contexto, at� mesmo o rei, andando em c�rculos por um “cemit�rio de beb�s mortos”, � humanizado aos nossos olhos.
A hist�ria � tamb�m essa dan�a de destinos imbrincados, de atos motivados ou desmotivados, de promessas e amea�as, de decis�es tomadas por convic��o ou desespero, no calor da hora ou – o que � mais comum – quando j� � tarde demais. A genia- lidade da autora est� em ressaltar a emerg�ncia e a trag�dia de cada uma dessas coisas por meio de uma prosa irrepreens�vel.
Em Wolf Hall, o passado � sempre essa presen�a abrasiva, um dispositivo que nos situa aqui e alhures de forma simult�nea. Desse modo, Hilary Mantel n�o prostitui a hist�ria, mas revela como somos prostitu�dos por ela. Ou, conforme uma passagem de Tragam os corpos (p�g. 179): “O passado jaz � sua volta como uma casa incendiada. Ele construiu e construiu incessantemente, mas tem levado anos para limpar os destro�os”. Eis a� uma limpeza sem fim, pois as ru�nas e os corpos nunca param de se acumular.
Em Wolf Hall, o passado � sempre essa presen�a abrasiva, um dispositivo que nos situa aqui e alhures de forma simult�nea. Desse modo, Hilary Mantel n�o prostitui a hist�ria, mas revela como somos prostitu�dos por ela. Ou, conforme uma passagem de Tragam os corpos (p�g. 179): “O passado jaz � sua volta como uma casa incendiada. Ele construiu e construiu incessantemente, mas tem levado anos para limpar os destro�os”. Eis a� uma limpeza sem fim, pois as ru�nas e os corpos nunca param de se acumular.
*Andr� de Leones (Goi�nia, 1980) � autor do romance Eufrates (Jos� Olympio, 2018), entre outros
Wolf Hall
.Hilary Mantel
.Tradu��o de Helo�sa Mour�o
.Todavia
.544 p�ginas
.R$ 89,90
Tragam os corpos
.Hilary Mantel
.Tradu��o de Helo�sa Mour�o
.Todavia
.344 p�ginas
.R$ 74,90