
O protagonista � o funcion�rio p�blico Winston Smith, que ousa desafiar o sistema, mas at� amar � proibido, ironicamente, pelo Minist�rio do Amor, por isso ele � preso e torturado. O paradoxo segue com o Minist�rio da Paz, que estimula a guerra, e o Minist�rio da Verdade, que prega as verdades subjetivas.

A trag�dia liter�ria de Orwell descrita em 1984 acaba de ganhar uma vers�o nacional pelos tra�os do ilustrador e quadrinista paulista Fido Nesti, de 49 anos, e que desde os 13 ficou impressionado quando leu a obra, exatamente no ano de 1984. “Esse sempre foi um dos meus livros favoritos, nenhuma adapta��o havia sido feita no formato de quadrinhos e, infelizmente, sua hist�ria encontra muitos paralelos com nossos dias”, disse Fido ao Estado de Minas.
Convidado pela Companhia das Letras para fazer a HQ, Fido deu um mergulho profundo, de 20 meses, na obra lida 35 anos antes e conseguiu um impressionante e convincente resultado. A predomin�ncia da cor cinza nos quadrinhos permeada pelo vermelho como um permanente alarme de vigil�ncia e medo traduzem muito bem o que � a obra de Orwell. O c�u que n�o � azul, mas cinzento, e uma Londres com pr�dios e arquitetura igualmente sombria, monol�tica e brutalizada sufoca Winston e os demais personagens e arrebatam o leitor ao longo de 243 p�ginas.
Convidado pela Companhia das Letras para fazer a HQ, Fido deu um mergulho profundo, de 20 meses, na obra lida 35 anos antes e conseguiu um impressionante e convincente resultado. A predomin�ncia da cor cinza nos quadrinhos permeada pelo vermelho como um permanente alarme de vigil�ncia e medo traduzem muito bem o que � a obra de Orwell. O c�u que n�o � azul, mas cinzento, e uma Londres com pr�dios e arquitetura igualmente sombria, monol�tica e brutalizada sufoca Winston e os demais personagens e arrebatam o leitor ao longo de 243 p�ginas.
Fido Nesti reproduz bons di�logos da Novafala da obra original, como teletela, pensamento-crime, duplipensamento (transformar mentira em verdade) e do horror sempre � espreita. “Diga-me, quando � que v�o me matar?”, pergunta Winston ao carrasco. E ouve como resposta: “Pode demorar, voc� � um caso dif�cil. Mas n�o perca as esperan�as. Mais cedo ou mais tarde, todos se curam”. E o que n�o pode ser dito � representado nas imagens. Os quadros de tamanho proporcional, em sua maioria cinzentos, tamb�m d�o uma impress�o de rotina e aliena��o na vida de Winston, bem no contexto da ideia de Orwell.
A caracteriza��o que Fido faz do Grande Irm�o, que tudo v�, onipresente e onisciente, como um deus maligno, est� ali o tempo todo assombrando com seu indefect�vel bigode e olhar penetrante, leva a uma analogia direta ao maior genocida da hist�ria da humanidade. A vigil�ncia est� em todo lugar, patrulha at� o pensamento. E 2021 chega a parecer mais sombrio do que 1984, porque n�o existe apenas um Grande Irm�o, s�o muitos. Eles se manifestam pelas aparentemente amistosas redes sociais. “Existem alguns Grandes e poderosos Irm�os espalhados pelo mundo e aos poucos fomos nos acostumando � sua eterna vigil�ncia e escrut�nio”, alerta Fido.

1984
• George Orwell
• Adapta��o de Fido Nesti
• Companhia das letras
• 223 p�ginas
• R$ 59,90 (impresso)
• R$ 39,90 (kindle)

ENTREVISTA/FIDO NESTI
“Existem Grandes Irm�os espalhados pelo mundo”
Por que fazer a HQ de 1984? Seria pela atualidade da obra de George Orwell, mesmo sete d�cadas depois de publicada? Foi um processo de gesta��o desde que voc� leu o livro, em 1984?
Foi um convite do meu editor. Eu j� estava trabalhando em outro projeto quando recebi a not�cia. Eu n�o precisei pensar muito para aceitar o desafio: esse sempre foi um dos meus livros favoritos, nenhuma adapta��o havia sido feita no formato de quadrinhos e, infelizmente, sua hist�ria encontra muitos paralelos com nossos dias. A primeira vez que li a obra foi no ano de 1984, ainda nos finalmentes da ditadura militar. Nunca poderia imaginar, depois de tantas d�cadas, estar vivendo tamanho retrocesso, e ao mesmo tempo estar revisitando o texto do Orwell dessa maneira.
Como foi o processo de produ��o da HQ?
Levou quase dois anos e trabalhei sozinho. Tudo come�a com v�rias leituras, anota��es, scripts e pesquisas para ir pensando em cen�rios, vestimentas e etc. Depois de definir os personagens e roteiros para cada p�gina, come�a a etapa do l�pis, seguida do nanquim, escaneamento e coloriza��o no computador. Por fim, h� o desenvolvimento da fonte e encaixe do texto.
Quem � o Grande Irm�o hoje que amea�a a democracia? As redes sociais? Os algoritmos? Google?
Parece que nos transformamos em meros n�meros, dados, parte de uma eterna estat�stica. Empurrados para consumir isso e aquilo, for�ados a ler esta ou aquela not�cia, moldados para votar neste ou naquele candidato. Eu acho que existem alguns Grandes e poderosos Irm�os espalhados pelo mundo e aos poucos fomos nos acostumando � sua eterna vigil�ncia e escrut�nio.
A humanidade vai conseguir escapar de sua pr�pria cria��o, a intelig�ncia artificial, ou vai ser absorvida por ela? Seremos no futuro rob�s dos algoritmos?
N�o consigo imaginar uma sa�da f�cil para isso... A revolu��o digital nos trouxe inova��es surpreendentes e muito bem-vindas, mas � preciso pensar nos riscos da intelig�ncia artificial. Poderiam elas avan�ar a tal ponto onde os humanos perderiam o seu controle?
As hist�rias em quadrinhos popularizaram e democratizam o conhecimento? No caso de Geor- ge Orwell, um cl�ssico da literatura mundial.
Vejo as adapta��es como uma forma de atingir um p�blico ainda maior, no caso de obras j� consagradas. E em tempos em que a leitura de um livro � fortemente disputada com o que se passa dentro dos celulares e outros meios digitais, acho que � uma boa maneira de apresentar um cl�ssico. Mas considero uma porta de entrada e sempre recomendo que leiam tamb�m o original.

QUEM FOI GEORGE ORWELL
Eric Arthur Blair (1903-1950) nasceu na �ndia brit�nica e viveu apenas 46 anos, mas teve vida intensa. Foi integrante da Pol�cia Imperial Indiana na antiga Birm�nia, sob as ordens do Imp�rio Brit�nico, se decepcionou com o autoritarismo, mudou-se para Paris para se dedicar � literatura, mas passou fome, foi embora para Londres, onde teve atividades diversas, inclusive como jornalista e anarquista, se envolveu com classes oper�rias, que despertaram seu humanismo, e condenou o stalinismo.
Alistou-se para a Guerra Civil Espanhola e acabou baleado. Tentou se alistar tamb�m para combater o nazismo na Segunda Guerra Mundial, mas sua sa�de n�o permitiu. Voltou a trabalhar com jornalismo, como correspondente em v�rios pa�ses, at� a sua morte por tuberculose, em 21 de janeiro de 1950. Com o pseud�nimo George Orwell, escreveu obras importantes sobre os desvarios de um mundo sempre em guerra. As principais s�o 1984 e A revolu��o dos bichos.
Alistou-se para a Guerra Civil Espanhola e acabou baleado. Tentou se alistar tamb�m para combater o nazismo na Segunda Guerra Mundial, mas sua sa�de n�o permitiu. Voltou a trabalhar com jornalismo, como correspondente em v�rios pa�ses, at� a sua morte por tuberculose, em 21 de janeiro de 1950. Com o pseud�nimo George Orwell, escreveu obras importantes sobre os desvarios de um mundo sempre em guerra. As principais s�o 1984 e A revolu��o dos bichos.
Revolu��o impressionista
Uma obra de arte impressionista em quadrinhos. Cada cena, cada quadro � literalmente uma pintura. Essa � a impress�o, sem trocadilho, que se tem da adapta��o para HQ de A revolu��o dos bichos, dlo ilustrador e quadrinista ga�cho Odyr Bernardi, de 53 anos. A obra de George Orwell conta a hist�ria dos habitantes da Granja Solar, onde os animais s�o submetidos a maus-tratos pelo propriet�rio beberr�o Jones. Cansados de tanta explora��o e insuflados por Major, um porco velho, eles se rebelam para implantar o “animalismo”, um sistema cooperativo e igualit�rio de poder com o lema “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”.
Mas o poder corrompe e o que era para ser uma democracia logo tamb�m se transforma em ditadura, quando os porcos, liderados pelo cacha�o Napole�o, considerados mais inteligentes, come�am a usufruir de privil�gios e adotam um regime de opress�o tendo os c�es dizimadores de humanos e outros bichos que resistem ao novo sistema de privil�gios.
Odyr faz uma adapta��o em tinta acr�lica que literalmente enche os olhos em cada p�gina dessa distopia rural. Parece pintura do impressionismo – o movimento que surgiu na pintura francesa na segunda metade do s�culo 19, que rompeu com o academicismo e o realismo com efeitos de luz e movimento, elimina��o de contornos e percep��o muito subjetiva. � como se cada cena tivesse vida pr�pria e se encerrasse em sua pr�pria imagem e em seu pr�prio di�logo.
Assim como 1984, essa obra de Orwell tamb�m segue atual�ssima, tantas d�cadas depois de lan�ada. “O ressurgimento do fascismo foi s� uma coincid�ncia. Mas os temas do livro s�o atemporais, como demonstra o fato de o livro ser um sucesso h� 70 e tantos anos”, afirmou Odyr ao Estado de Minas. Coincid�ncia ou n�o, o horror da ditadura est� sempre � espreita com o neofascismo e o poder, in�meros s�o os exemplos hist�ricos, realmente tende a corromper.

A revolu��o dos bichos
• George Orwell
• Adapta��o de Odyr
• Companhia das letras
• 175 p�ginas
• R$ 49,90 (impresso)
• R$ 34,94 (kindle)

ENTREVISTA/ODYR
“Temas do livro s�o atemporais”
Como surgiu a ideia de transformar A revolu��o dos bichos em HQ? Pela atualidade do tema, como a amea�a de ressurgimento do fascismo?
Foi uma iniciativa da pr�pria Companhia das Letras, que tem os direitos do George Orwell no Brasil. O ressurgimento do fascismo foi s� uma coincid�ncia. Mas os temas do livro s�o atemporais, como demonstra o fato de o livro ser um sucesso h� 70 e tantos anos.
Seu trabalho vai al�m de uma HQ. Cada p�gina parece uma obra de arte. Como foi esse processo de produ��o com tinta acr�lica? Em quanto tempo produziu as 175 p�ginas?
HQs pintadas n�o chegam a ser uma novidade desde que os m�todos de impress�o se sofisticaram. De uma certa maneira, n�o � mais dif�cil nem mais f�cil que com o tradicional nanquim. Qualquer t�cnica que voc� use, o desenho e a narrativa t�m que se defender e funcionar. Talvez uma vantagem da pintura � trazer algo da realidade do mundo, a textura, as cores, a luz de uma forma mais literal que a s�ntese do desenho. Levei um pouco menos que um ano.
Voc� tinha em mente pinturas impressionistas quando fez A revolu��o dos bichos ou foi uma manifesta��o do seu inconsciente?
Eu certamente aprecio os impressionistas e acho que meu trabalho tem algo do sentido original da palavra: algu�m que n�o trabalha em um registro de representa��o realista, mas tenta criar uma impress�o. Meu favorito seria (Claude) Monet.
As HQs popularizaram e democratizam o conhecimento? No caso, um cl�ssico da literatura mundial.
Sim, existe toda uma tend�ncia de adapta��o dos cl�ssicos, os quadrinhos s�o uma forma de acesso mais aberta, que t�m atrativos mais imediatos para leitores mais jovens ou relutantes. Nunca esgotam ou substituem o original, mas idealmente somam e trazem algo de novo, al�m de levar talvez o leitor at� a obra original.
O poder corrompe? Afinal, os bichos fizeram uma revolu��o para se livrar de uma tirania e foram v�timas de outra.
Sim, infelizmente, a hist�ria e os jornais nos mostram que sim.