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Estado de Minas LITERATURA

Caixa com tr�s livros re�ne a obra completa de Henriqueta Lisboa

Cole��o compila poesia, prosa e tradu��o de uma das principais escritoras brasileiras do s�culo 20, dona de linguagem l�mpida e suave


12/02/2021 04:00 - atualizado 11/02/2021 22:51

Ver galeria . 10 Fotos Obra completa de Henriqueta Lisboa foi reunida pela editora Peirópolis em três volumes: Poesia, Prosa e Poesia TraduzidaREVISTA A CIGARRA/ACERVO ESTADO DE MINAS-18/05/1964
Obra completa de Henriqueta Lisboa foi reunida pela editora Peir�polis em tr�s volumes: Poesia, Prosa e Poesia Traduzida (foto: REVISTA A CIGARRA/ACERVO ESTADO DE MINAS-18/05/1964 )
“A morte � limpa./ Cruel mas limpa.” Os versos que abrem o poema Restauradora dizem muito de Henriqueta Lisboa (1901-1985). A morte se apresenta como tema central na paisagem clara de sua literatura. Organizada pelos professores e ensa�stas Reinaldo Marques e Wander Melo Miranda para celebrar os 120 anos de nascimento da escritora, a Obra completa da poeta mineira aparece em tr�s estonteantes volumes: Poesia , Prosa e Poesia traduzida . � lan�amento para soltar foguetes e ter na estante, sem receio de exageros.

O trabalho de compila��o de toda a obra come�ou em 1989, com a chegada do arquivo da escritora ao  Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais . De l� pra c�, a Editora UFMG publicou, em 2001, Henriqueta Lisboa: poesia traduzida e, em 2003, os organizadores foram convidados por Abigail Lisboa de Oliveira Carvalho, sobrinha e respons�vel pelo esp�lio, a cuidar da edi��o da obra completa. Com a morte de Abigail, em 2006, o trabalho foi interrompido.

O projeto renasceu em 2018 por iniciativa da Editora Peir�polis, de S�o Paulo. Os quatro livros de cr�tica liter�ria, originalmente publicados por editoras de Belo Horizonte e dific�limos de encontrar, j� haviam sido digitalizados. Idem para poesia e tradu��o. Com a revis�o e a edi��o, os organizadores contabilizam quatro anos de trabalho que possibilitam agora a avalia��o da import�ncia em �mbito nacional da poeta nascida em Lambari, primeira mulher a entrar para a  Academia Mineira de Letras.  

Cosmopolita mineira


Reinaldo Marques a aproxima da tradi��o dos escritores cr�ticos, sempre em esfor�o permanente de atualiza��o te�rica. “A avalia��o do papel dela e da import�ncia da obra nunca foi devidamente feita. Com seu perfil recatado, fez relevante trabalho de media��o cultural, principalmente como tradutora e articulando uma rede de escritoras latinoamericanas. Quer dizer, Henriqueta ficou presa entre as montanhas e, ao mesmo tempo, aberta para o mundo.” 

Versos curtos, prosa de grande sensibilidade te�rico-cr�tica. “Delicadeza � a palavra que resume tudo”, afirma Melo Miranda. Nas leituras que faz de Guimar�es Rosa, por exemplo, salta aos olhos a personalidade �mpar do pensamento desta “simbolista moderna”, se alguma eventual defini��o lhe couber. Na personagem Miguilim, ela nota a persist�ncia da inf�ncia “pela intensidade com que se projetam os estados de alma do autor, pela anima��o de suas imagens, sutileza de sugest�es, justeza de express�o”. 

O sutil e o justo que lhe eram pr�prios, inclusive na tradu��o. Para Marques, o trabalho intelectual “extremamente prof�cuo”de uma “simples e dedicada professora mineira”desvenda uma “leitora e tradutora refinada de poesia”. Traduziu poemas da amiga Gabriela Mistral, do italiano Dante Alighieri e de muitos outros. Nas l�nguas espanhola e italiana, caminhou com sua t�mida desenvoltura, t�o fiel ao original quanto precisa na aposta por uma linguagem l�mpida. 

Os principais di�logos liter�rios ocorrem entre o simbolismo de Alphonsus de Guimaraens e o modernismo de M�rio de Andrade. Foi muito pr�xima de Cec�lia Meireles. Os poetas hispano-americanos e os cl�ssicos lhe d�o o restante do tapete formador de uma poesia dif�cil de classificar, de encaixar. “A princ�pio, pode parecer comum”, diz Wander Melo Miranda. “Mas n�o. Ela tem uma sensibilidade muito grande, feita de insights que levam a uma poesia �nica, refinada, em que se destacam o tema da morte e a rela��o com a natureza.” 

Os versos de Sofrimento , do livro Flor da morte (1949), mostram a dor provocada pela morte. Os sentidos permanecem no desaparecimento do f�sico, do que � palp�vel: o corpo, o instrumento, a alavanca, a obra. Resta a correspond�ncia do que se d� a sentir: o esp�rito, a m�sica, o impulso, o remate. A estrela desaparece para dar lugar � luz. Apesar de muito quando comparado ao pouco “que se perdeu”, nada do que fica serve para aplacar a falta. A pedra de sal, por princ�pio e fim, se desfaz no mar da exist�ncia. 

No coração da Savassi: estátua de Henriqueta Lisboa, no quarteirão fechado da Rua Pernambuco, em frente ao prédio onde a escritora morou até a morte(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
No cora��o da Savassi: est�tua de Henriqueta Lisboa, no quarteir�o fechado da Rua Pernambuco, em frente ao pr�dio onde a escritora morou at� a morte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
O poema tem a capacidade de vislumbrar, em s�ntese expressiva, o que � a literatura de Henriqueta Lisboa. O imortal (por isso, maravilhoso) resiste e insiste em meio ao incompreens�vel sil�ncio deixado pelo que antes era carne. A poesia preenche esse meio, esse lugar. De pouco adianta, porque o ser humano e a natureza, entremeados por sua fragilidade, est�o fadados ao fracasso. “Sombra se desdobra/ em sombra/ a cada vencido/ passo”, escreve em Perspectiva

A morte po�tica em ar, fogo, terra e �gua transforma-se num olhar bastante did�tico nos textos de reflex�o sobre obras e autores. O volume da Prosa �, de fato, o surpreendente que desfaz a tristeza anterior. A professora e cr�tica liter�ria Henriqueta, elegantes cabelos curtos � moda antiga, era organizada e atualizada. Suas aulas escritas de literatura brasileira e hispano-americana t�m esse delicioso prazer do exerc�cio cultural dado por genu�no amor � literatura. 

E n�o � disso que estamos precisando? N�o a leitura raivosa do que um texto poderia ter sido, do que um texto deveria ter dito. N�o o olhar exclusivamente sociol�gico sobre a fic��o liter�ria. Encontrar ou reencontrar Henriqueta Lisboa � deixar-se vacinar contra os sabich�es pol�ticos que pretendem saber tudo desde sempre, os que cercam a literatura de preconceitos fingindo que n�o. Aqui o mist�rio � mais profundo e amb�guo, mais l�ngua e arrepio. 

Diante desta obra completa e correta, o leitor se torna capaz de levar aquela est�tua na Savassi para um passeio noturno de m�os dadas com o que naturalmente somos e, em breve, deixamos de ser. Porque a arte � assim: “Confus�o extrema/ de �xtases, sarcasmos,/ e ranger de dentes”. E vem com a simplicidade dada na superf�cie, para que o leitor possa compreender o incerto. “Pago caro o orgulho/ de querer perfeita/ minha vida ef�mera.”

HENRIQUETA LISBOA: OBRA COMPLETA . Tr�s volumes: Poesia , Prosa e Poesia traduzida (Editora Peir�polis), R$ 360. Ebook: R$ 33 (cada volume).  editorapeiropolis.com.br

"Delicadeza � a palavra que resume tudo (...). Uma sensibilidade muito grande, com forte personalidade, feita de insights que levam a uma poesia �nica, refinada, em que se destacam o tema da morte e a rela��o com a natureza."

Wander Melo Miranda, um dos organizadores de Obra completa



"Com seu perfil recatado, ela fez um relevante trabalho de media��o cultural, principalmente como tradutora e articulando uma rede de escritoras latinoamericanas. Ficou presa entre as montanhas e, ao mesmo tempo, aberta para o mundo."

Reinaldo Marques, um dos organizadores de Obra completa



SOFRIMENTO 
No oceano integra-se (bem pouco) 
uma pedra de sal. 

Ficou o esp�rito, 
mais livre que o corpo. 

A m�sica, 
muito al�m do instrumento. 

Da alavanca, 
sua raz�o de ser: o impulso. 

Ficou o selo, o remate 
da obra. 

A luz que sobrevive � estrela 
e � sua coroa. 

O maravilhoso. O imortal. 

O que se perdeu foi pouco. 

Mas era o que eu mais amava.

A FACE L�VIDA 

N�o a face dos mortos. 
Nem a face 
dos que n�o coram 
aos a�oites da vida. 
Por�m a face 
l�vida 
dos que resistem 
pelo espanto. 

N�o a face da madrugada 
na exaust�o 
dos solu�os. 
Mas a face do lago 
sem reflexos 
quando as �guas entranha. 
N�o a face da est�tua 
fria de lua e z�firo. 
Mas a face do c�rio 
que se consome 
l�vida 
no ardor.

Tradu��o de um soneto de Dante Alighieri

T�o discreta e gentil se me afigura 
ao saudar, quando passa, a minha amada, 
que a l�ngua n�o consegue dizer nada 
e a fit�-la, o olhar n�o se aventura.

Ela se vai sentindo-se louvada 
envolta de mod�stia nobre e pura. 
Parece que do c�u essa criatura 
para atestar milagre foi baixada.

Ao que a contempla infunde tal prazer, 
pelos olhos transmite tal dul�or, 
que s� quem prova pode compreender.

E assim, parece, o seu semblante inspira 
um delicado esp�rito de amor 
que vai dizendo ao cora��o: suspira.

Sobre a poesia de Cec�lia Meireles

“O que distingue, particularmente, a poesia de Cec�lia � a luminosa simplicidade com que ela se utiliza do mist�rio, em cuja atmosfera respira. Habituada ao mist�rio, fonte de riqueza art�stica, n�o assume atitudes estranhas quando a ele se refere. Mostra-se original porque � fundamentalmente original, sem preciosismo. Valoriza as palavras quotidianas, para que elas digam o indiz�vel. Com um n�mero restrito de palavras, realiza o milagre. Sem desdenhar da gra�a do verso, a que empresta um ritmo todo seu, � surpreendente de precis�o. A sobriedade de atitudes, a dignidade dos sil�ncios repentinos, o desapego da mat�ria inerente a essa poesia, lembram, por afinidade, o ascetismo oriental. Poema dos poemas desvendou uma intensa voca��o m�stica � semelhan�a dos sacerdotes budistas. A ternura impregnada de pudor que se nota neste livro tecido de s�mbolos foi-se concentrando cada vez mais. A experi�ncia da vida tornou maior, em Cec�lia, aquele inato inconformismo. � pr�pria rebeldia op�s, no entanto, uma serenidade l�cida. O horror � vulgaridade auxiliou-a nessa intr�pida resist�ncia a todas as solicita��es do tempo. A sua resposta � vida, em desafio aos dias que correm, de m�seros interesses, � a cidadela em que recolhe os seres sofredores, os pequeninos doentes, e aqueles mendigos estoicos de sua not�vel ‘estirpe’. � a sua mensagem l�rica.”

Doutor em Estudos Liter�rios pela UFMG e autor de A reinven��o do escritor (Editora UFMG), S�rgio de S� � professor na Universidade de Bras�lia (UnB).


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