
O sentimento de familiaridade com o universo de Dickinson se instalou e o pesquisador come�ou a traduzir alguns poemas. Dois anos depois, apresentava � Emily Dickinson Society um projeto para traduzir a obra completa da autora. O resultado est� num primeiro volume bil�ngue de 884 p�ginas publicado pela editora UnB, em parceria com a editora Unicamp.
Dickinson, segundo M�ller, seria a �nica autora que nunca publicou um livro e, por isso, editar a obra completa foi um desafio. Pouco se sabe sobre como a poeta gostaria que os versos fossem apresentados e, por isso, foi preciso optar por uma organiza��o particular. Dickinson reunia seus escritos em fasc�culos. Morta em maio de 1886, ela chegou a publicar 10 poemas em jornais e revistas, mas nunca foi al�m dos peri�dicos. “� como se toda a obra dela fosse um grande manuscrito � espera de um editor. Ao longo de mais de 100 anos, v�rias edi��es foram propostas e todas elas
rasgavam
os manuscritos da Emily Dickinson”, explica M�ller.
Foi gra�as � pesquisa de Cristianne Miller, que assina o pref�cio de “Poesia completa – Volume I: Os fasc�culos”, que M�ller decidiu ser o mais fiel poss�vel aos originais da poeta. “O que a Cristianne Miller fez foi recompor os manuscritos na ordem em que ela tinha deixado, porque n�o se sabe como ela editaria isso. A� que entram os
fasc�culos
.
Muita gente defende que ela fazia pr�-editando os livros. Ela queria muito ser publicada e mostrou os poemas para as grandes editoras. N�o aconteceu porque ela era ileg�vel para o mundo contempor�neo dela. As pessoas n�o s� n�o entendiam como n�o aceitavam ”, conta M�ller, que � ex-professor da Universidade de Bras�lia (UnB) e hoje d� aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro.
Muita gente defende que ela fazia pr�-editando os livros. Ela queria muito ser publicada e mostrou os poemas para as grandes editoras. N�o aconteceu porque ela era ileg�vel para o mundo contempor�neo dela. As pessoas n�o s� n�o entendiam como n�o aceitavam ”, conta M�ller, que � ex-professor da Universidade de Bras�lia (UnB) e hoje d� aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro.
Ritmo e elipses

Para o tradutor, o maior desafio da obra de Dickinson est� na compreens�o dos versos. A escrita ra- dical, a experimenta��o, o ritmo, as elipses e uma certa instabilidade podem deixar os leitores com o p� atr�s, embora, na maioria das vezes, esses sejam tamb�m os grandes atrativos da obra da americana. “At� hoje leio os poemas e n�o tenho certeza do que estou lendo. Depois de ter traduzido tudo, n�o tenho certeza. Ela cria uma zona de indetermina��o sem�ntica que tem a ver com o modo como ela vai criando elipses, esses vazios de significa��o que geram uma esp�cie de um abismo”, explica M�ller. “E me interessou muito pensar em como posso traduzir esses vazios, como fazer uma tradu��o que n�o seja uma explica��o do poema, mas que tamb�m crie esses vazios.”
O Brasil e o para�so

Entre os poemas traduzidos est�o quatro sobre o Brasil. Curiosamente, o pa�s apareceu algumas vezes na obra da poeta, sempre ligado � ideia de para�so. Todos foram traduzidos e publicados em compila��es, mas, na maioria das vezes, apareciam separados. “J� existia uma certa produ��o cr�tica que associava o Brasil a uma ideia de para�so na obra da Emily Dickinson”, avisa M�ller. “O que fiz foi conectar esses poemas: tentei mostrar que existe uma certa ordem e a ideia de que o Brasil aparece sempre como uma coisa inalcan��vel, inating�vel.”
Emily Dickinson nasceu em Amherst (Massachussets), em 1830, num tempo em que mulheres n�o tinham a liberdade para escrever. Contempor�nea das irm�s Bront�, cujos romances entraram para o c�none da literatura ocidental, fazia parte de um grupo de mulheres que
desafiava
a conven��o social. Ao contr�rio das Bront�, que chegaram a publicar seus romances em vida e com pseud�nimos masculinos, Dickinson n�o conseguiu ver seus livros publicados, mas se tornou um �cone da poesia ame- ricana.
Dona de uma ironia muito moderna, que nada tem de ris�vel e aposta na inseguran�a, no n�o dito, nos sil�ncios, ela integra uma linhagem de poetas que se sustentam na economia. Os versos curtos, com poemas de duas ou quatro linhas, intrigam e plantam interroga��es. “Emily Dickinson � como uma jardineira, ela vai cortar as coisas, vai criar um jardim que vai chegar ao bonsai, com poemas de um verso, dois versos”, explica Adalberto M�ller, que j� tem o segundo volume da obra completa pronto para ser lan�ado.
Dona de uma ironia muito moderna, que nada tem de ris�vel e aposta na inseguran�a, no n�o dito, nos sil�ncios, ela integra uma linhagem de poetas que se sustentam na economia. Os versos curtos, com poemas de duas ou quatro linhas, intrigam e plantam interroga��es. “Emily Dickinson � como uma jardineira, ela vai cortar as coisas, vai criar um jardim que vai chegar ao bonsai, com poemas de um verso, dois versos”, explica Adalberto M�ller, que j� tem o segundo volume da obra completa pronto para ser lan�ado.
“Fasc�culo quinze”
Me entreguei para Ele -
E O tomei, em troca
Solene contrato da Vida
Ratifiquei, na hora
Pode que o Dote O desaponte -
Eu mesma, parco valor
Que a Comprador suspeita,
A Posse Di�ria - de Amor
Deprecia a Vis�o -
Mas at� que o Mercante adquira -
Favas - Ilhas de Especiarias -
Do Cargueiro subtil - mentira -
Pelo menos - � M�tuo - o Risco -
Ou - Lucro equivalente -
Doce Conta da Vida - Pendurar � noite -
E ser de Dia - Insolvente -
“Fasc�culo onze”
Noites Loucas - Noites Loucas!
Contigo estaria
Em noites loucas assim
A nossa lux�ria!
Os ventos - in�teis -
A um Cora��o no cais –
Nunca mais ter B�ssola -
Mapas nunca mais!
Remando no �den
O Mar - ali!
Ah se eu atracasse - � noite -
Em ti!

”Poesia completa – Emily Dickinson: Volume I: Os fasc�culos”
Emily Dickinson
Tradu��o de Adalberto M�ller Editora UnB e editora Unicamp
888 p�ginas
R$ 160
