
Mineiro de Uberaba, Cacaso morou um tempo no interior de S�o Paulo. Aos 11 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde estudou filosofia. Nas d�cadas de 1960 e 1970, lecionou teoria da literatura e literatura brasileira na PUC-Rio. Colaborou regularmente em revistas e jornais, como Movimento, Opini�o, sempre defendendo e teorizando sobre o cen�rio po�tico dos seus contempor�neos, da chamada gera��o mime�grafo, no que se convencionou tamb�m de chamar poesia marginal. � um dos integrantes da antologia “26 poetas hoje”, organizada por Heloisa Buarque de Holanda.
Estreou na poesia em 1967, com o livro “A palavra cerzida”, prefaciado por Jos� Guilherme Merquior. Em 1974, lan�a “Grupo Escolar”, pela cole��o Frenesi, composta tamb�m dos livros “Passatempo”, de Francisco Alvim, “Cora��es veteranos”, de Roberto Schwarz, “Em busca do sete-estrelo”, de Geraldo Carneiro, e “Motor”, de Jo�o Carlos P�dua. Cacaso se une, ent�o, a outros poetas, como Eudoro Augusto, Carlos Saldanha e Chacal, para formar a cole��o Vida de Artista, pela qual lan�ou “Segunda classe” (em parceria com Luiz Olavo Fontes) e “Beijo na boca”, ambos em 1975. Depois vieram “Na corda bamba” (1978), “Mar de mineiro” (1982) e “Beijo na boca e outros poemas” (1985), primeira antologia po�tica do autor.
Sem d�vida, Cacaso foi uma das vozes mais combativas e criativas daqueles anos de chumbo, dando visibilidade ao fen�meno poesia marginal, em que militavam poetas como Francisco Alvim, Ana Cristina Cesar, Chacal, Charles e Paulo Leminski, entre muitos outros. No campo da m�sica, muitos amigos/parceiros: Edu Lobo, Djavan, Tom Jobim, Toquinho, Ol�via Byington, Sueli Costa e mais uma penca de nomes. Morreu em 1987, em consequ�ncia de um infarto do mioc�rdio.
Cacaso foi um intelectual, no melhor sentido da palavra: professor, poeta, letrista, cr�tico, ensa�sta, agitador cultural, pensador. Ao reunir os livros publicados pelo autor e adicionar poemas in�ditos, “Cacaso – Poesia completa” adota o mesmo procedimento que ocorreu com Paulo Leminski e Waly Salom�o. Agrupar a produ��o dispersa em pequenos livros toscamente mimeografados ou xerocados, com edi��es caseiras, toscas, limitad�ssimas, folhas soltas, panfletos. Os livros independentes passavam de m�o em m�o, mas num c�rculo muito restrito. Al�m, obviamente, da qualidade liter�ria que carregam, s�o sucesso tamb�m pela grande curiosidade que geram num p�blico, principalmente jovem, muito ligado �s redes sociais, que divulga continuamente essa poesia dita marginal.
Na edi��o da Companhia das Letras, al�m dos seis livros que publicou, encontramos poemas esparsos, alguns anteriores ao seu primeiro, “A palavra cerzida”, publicado aos 23 anos de idade. Os depoimentos na fortuna cr�tica do poeta trazem deliciosas hist�rias: Roberto Schwarz, Heloisa Buarque de Hollanda e Vilma Ar�as compartilham conosco as viv�ncias com o poeta. Como define outro mineiro, Chico Alvim, “Cacaso tem o g�nio brasileiro da fala macia, sensual e maliciosa. � da fam�lia de (Manuel) Bandeira, cuja linguagem � sem artif�cios.”
Cacaso foi um agregador, uma personalidade extremamente soci�vel. Principal te�rico da poesia marginal. Sua poesia, na fase mais recente, a partir de “Grupo Escolar”, revela uma ginga, certa mal�cia, um sentimento bem brasileiro, interiorano, ressabiado, ir�nico, espertamente matuto. Vivendo a poesia, com espontaneidade e um tom coloquial. Tudo isso ele soube tamb�m trazer para o universo das muitas letras que comp�s. Basta ler (ou escutar) os versos de “Lero lero”, parceria com Edu Lobo.
Nos anos 1970, Cacaso e outros poetas escreveram letras para can��es da MPB, visando atingir um p�blico maior do que o consumidor de literatura e, claro, garantir uma fonte de renda com direitos autorais. Poesia pra tocar no r�dio. No caso do nosso poeta, ele queria deixar o magist�rio para se dedicar de corpo e alma � vida de letrista, no que foi muito bem-sucedido. Talvez se mirasse no exemplo de Vin�cius de Moraes, que idolatrava. Pena que muitas vezes as r�dios citam apenas o cantor, e n�o o parceiro que escreveu as letras.
Cacaso ficou conhecido no meio liter�rio como pai de uma verdadeira ilumina��o. Criou o conceito de que os poetas contempor�neos seus, da poesia marginal, estavam, na verdade, de uma forma ou de outra, escrevendo um grande poem�o, um extenso, longo e vasto poema coletivo. E, no fundo, estavam. Mais uma vez, acertou em cheio.
O clima na �poca era de total informalidade, cansados que todos estavam das amarras dos manifestos ideol�gicos e da sisudez das academias de letras. Poesia de jovem pra jovem, tirando o terno e a gravata, tirando o poeta da torre de marfim e colocando-o na rua do mundo. Romper sim, mas romper dentro da tradi��o, seguindo os passos dos modernistas da primeira fase, em que imperava o poema-piada, agora reescrito. Redescobrir tudo, mas com uma vis�o bem mais �cida de um Brasil onde n�o havia liberdade de express�o, tempos da ditadura militar.
O que fica do poeta? Livros, poemas, filhos, letras de m�sica, boas lembran�as, experi�ncias est�ticas. � o que est� no livro “Cacaso – Poesia completa”. Recomendo demais.

”Cacaso – poesia completa”
• Cacaso
• Companhia das Letras
• 456 p�ginas
• R$ 71
• E-book: R$ 39,90
*Nicolas Behr � poeta, autor dos livros “Poes�lia” (2002) e “Laranja seleta” (2007)
“Dentro de mim
mora um anjo”
(parceria com Sueli Costa)
Quem me v� assim cantando
N�o sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que tem a boca pintada
Que tem as unhas pintadas
Que tem as asas pintadas
Que passa horas a fio
No espelho do toucador
Dentro de mim mora um anjo
Que me sufoca de amor
Dentro de mim mora um anjo
Montado sobre um cavalo
Que ele sangra de espora
Ele � meu lado de dentro
Eu sou seu lado de fora
Quem me v� assim cantando
N�o sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que arrasta suas medalhas
E que batuca pandeiro
Que me prendeu em seus la�os
Mas que � meu prisioneiro
Acho que � colombina
Acho que � bailarina
Acho que � brasileiro
Quem me v� assim cantando
N�o sabe nada de mim
• • •
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabi�
vive comendo o meu fub�.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a �gua j� n�o vira vinho,
vira direto vinagre.
“O LUGAR DA
TRANSGRESS�O”
Encontrei um sapo cochilando dentro de
Minha botina. Nunca me meti em botina
De sapo. Que liberdades s�o essas?

“Lero-lero”
(parceria com Edu Lobo)
Sou brasileiro
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana � quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja s� que coisa estranha
saia dessa se puder
Eu sou poeta
e n�o nego minha ra�a
fa�o verso por pirra�a
e tamb�m por precis�o
de p� quebrado
verso branco rima rica
negaceio dou a dica
tenho a minha solu��o
N�o guardo m�goa
n�o blasfemo n�o pondero
n�o tolero lero-lero
devo nada pra ningu�m
sou esfor�ado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
fa�o como me conv�m
“Falando s�rio”
Outro amor? N�o caio mais