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Estado de Minas LITERATURA

Conan Doyle inspira novo livro de Mafra Carbonieri

Em seu mais recente livro, 'Um estudo em branco e preto', o prol�fico escritor paulista Mafra Carbonieri evoca Conan Doyle


30/04/2021 04:00 - atualizado 30/04/2021 08:15

Carbonieri: novo livro faz referência a
Carbonieri: novo livro faz refer�ncia a "Um estudo em vermelho", a estreia de Sherlock Holmes (foto: JO�O MARCONDES/ DIVULGA��O)
Um homem velho, um advogado calcinado em anos de remorso por livrar corruptos da cadeia, deita a cabe�a no travesseiro, mas n�o consegue dormir. O ressonar de sua senhora ao lado na pu�da camisola, a mulher que dele cuida e ministra os rem�dios, lhe d� calafrios. � uma santa, a esposa dedicada. O h�lito e os sons sa�dos das vias respirat�rias bafejam em sua alma e ele n�o consegue tirar da mente um assassinato.

O velho se esgueira da cama, foge do horror matrimonial em dire��o ao jardim amplo de sua casa de classe m�dia paulistana. Encontra um mendigo sorrateiro adentrando a propriedade. Ele o interpela, mentalmente. “Conhe�o voc� de algum lugar.” Repara melhor no chap�u do esfarrapado e, bem, n�o � um chap�u, mas um solid�u. O morador de rua � ningu�m menos que Rodrigo B�rgia, tamb�m conhecido como papa Alexandre VI, famoso por ter sido o mais corrupto e devasso cidad�o a ocupar a cadeira m�xima do Vaticano, no s�culo 15.

O B�rgia mais famoso, entre a hist�ria de uma ou duas de suas amantes, comenta com o velho advogado sobre uma das t�cnicas de assassinato em voga nos anos 1400: o envenenamento. O papa desfila as agruras e dores da imortalidade, enquanto planta na cabe�a desvairada do velho aquele m�todo sedutor e rom�ntico de acabar com a esposa.

Crime e castigo s�o temas do novo livro do octogen�rio escritor paulista Mafra Carbonieri: “Um estudo em branco e preto” (Editora Reformat�rio). Prol�fico e de pena erudita, integrante da Academia Paulista de Letras, Mafra desfila seu estilo minimalista e pontiagudo em mais de uma dezena de livros desde os anos 1970, onde domina com eleg�ncia qualquer g�nero e formato liter�rio, da poesia ao romance, do conto ao infantil. Entre seus livros mais marcantes est�o “Os gringos”, “Arma e bagagem”, “Homem esvaziando os bolsos” e “O motim na ilha dos sinos”.

Duas partes

No mais recente livro, a refer�ncia �bvia � a estreia do detetive Sherlock Holmes, personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle, em “Um estudo em vermelho”. Assim como no romance policial brit�nico do s�culo 19, este “estudo” � dividido em duas partes. O planejamento do crime, com suas diversas hip�teses de execu��o: machado, veneno, atropelamento; e a interna��o em um hospital psiqui�trico, onde o esquizofr�nico vil�o mergulha em hip�teses sobre remorso, processo penal e a fronteira entre realidade e loucura. Insano que �, por breves momentos flerta com a racionalidade, at� concluir: “Voltar � raz�o � a pior das loucuras”.

O crime � uma desculpa para Carbonieri viajar na mente do personagem e dos processos, legais, mentais, espirituais, da mis�ria humana. Mas, como a escrita do paulista de Botucatu foi afiada e temperada por uma vida inteira de experi�ncia como promotor, juiz e desembargador em S�o Paulo, o romance n�o se furta de agradar at� mesmo ao f� de livros policiais, em um final com o t�pico assassino que at� ent�o passara despercebido.

� “farsa” policial se sobrep�em as texturas eruditas existenciais de Mafra. Para al�m disso, como num confeito franc�s em camadas de cremes e ganaches diversos, ele prop�e um jogo de fic��o e realidade ao misturar personagens de outras obras suas, como o jornalista Malavolta Casadei e frei Eus�bio do Amor Perfeito (suas “transcriaturas”, como diz), ao pr�prio B�rgia, Freud, Kant, Shakespeare, o Watson de Sherlock e v�rios outros, em uma teia de relatos t�o intricados quanto fascinantes, em um modelo explorado � exaust�o pelo escritor chileno Roberto Bola�o.

Em sua saga dostoievskiana (talvez seria melhor citar Tolstoi, pois o velho l� “Anna Kar�nina” enquanto os fatos se desenrolam), o assassino tenta fugir da “ditadura dos acontecimentos” e assegurar um sentido preciso a cada minuto de sua exist�ncia, para concluir com uma tirada aristot�lica: “Melhor raciocinar por um caminho que seja um fim em si mesmo e n�o leve a lugar nenhum.”

Trecho

“Imagino por onde rastejaria a cobra que provocou em Cle�patra o �ltimo estertor. Penso na saliva sedutora do diabo. Ou nos potes florentinos. A culpa, no envenenamento, estaria onde estivessem a paix�o homicida e a s�ntese qu�mica. Se eu tenho paix�o, ela n�o me abandona na sagrada convoca��o da morte pela seiva dos infernos. Hoje eu enveneno essa mulher. Ningu�m me despojar� da culpa e dos seus rego- zijos �ntimos. Para provar que n�o sou desumano, ou perverso, admito que cultivo secretamente o prazer do remorso.”

Escrita de Mafra tem profundo compromisso com a vida

“Mafra Carbonieri � um escritor forjado nos anos mais duros da hist�ria brasileira recente. Sua prosa d� conta em alguma medida das tens�es desse per�odo, arrolando personagens � beira de situa��es-limite, imersos em uma realidade conflagrada. Desde seus primeiros livros, a linguagem sutil que enunciava essa mat�ria bruta vinha contaminada por um inesperado lirismo, que, al�m de potencializar, por oposi��o, a atmosfera rarefeita e opressiva das narrativas, permitia suspeitar da exist�ncia de um poeta por tr�s do prosador. Por�m, o que mais distingue a escrita de Mafra Carbonieri e a torna relevante �, acima de tudo, o profundo compromisso com a vida, al�m do olhar carregado de ir�nica compaix�o dirigido ao que de mais humano resta em cada um de n�s.”

Mar�al Aquino, escritor e roteirista (texto publicado na orelha de “Um estudo em branco e preto”) 

“Um estudo em branco e preto”
Mafra Carbonieri
Editora Reformat�rio
175 p�ginas
R$ 40


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