
No mais recente livro do professor de hist�ria cultural da Universidade de Cambridge, publicado no Brasil pela editora Unesp em 2020, este ingl�s analisa a obra de 500 pensadores dedicados a m�ltiplas �reas do conhecimento: de Leonardo Da Vinci a John Dee, passando por Comenius e George Eliot, at� chegar a Oliver Sacks e Susan Sontag.
Preocupado com a poss�vel extin��o dos pol�matas, Burke chama a aten��o no livro para o perigo representado pelo fim deste tipo de pensador. “Sem ele, o problema de ver as conex�es entre diferentes tipos de conhecimento se torna muito mais s�rio: ningu�m ser� capaz de ver o quadro geral”, alerta.
Na entrevista, que o caderno Pensar publica com exclusividade, Burke fala, entre outros assuntos, sobre o novo livro e de sua rela��o com a cultura brasileira. Casado com a historiadora brasileira Maria Lucia Pallares-Burke, na conversa ele lembra ainda de uma visita que fez a Ouro Preto, quando foi retratado por Carlos Bracher, e da melanc�lica imagem que o pa�s tem hoje no mundo.
Pol�mata � uma “esp�cie” em extin��o. Pelo menos foi com essa impress�o que fiquei depois da leitura do seu livro. Em uma palestra em 2017, na UFMG, o senhor j� alertava para o problema. E afirmou: “N�o identifico um pol�mata nascido depois dos anos 1950. Pode ser um erro meu. Se n�o for, teremos problemas”. J� conseguiu identificar algum pol�mata nascido depois dos anos 1950? Caso o senhor esteja certo, e os pol�matas estejam mesmo desaparecendo, que tipo de problemas teremos?
Encontrei ao menos um, um pouco mais jovem, Daniel Levitin (1957-), norte-americano (que trabalha com psicologia, neuroci�ncia, musicologia). Quando fazia essa observa��o sobre 1950, em algumas palestras, fui questionado duas vezes sobre Elon Musk, mas n�o acho que ele se qualifique. Se eu estiver certo sobre a extin��o iminente dos pol�matas, o problema de ver as conex�es entre diferentes tipos de conhecimento se torna muito mais s�rio: ningu�m ser� capaz de ver o quadro geral!
No livro, o senhor escreve: “Doze dos pol�matas listados vieram da Am�rica Latina. O n�mero n�o � alto em rela��o � popula��o total da regi�o. (...) Uma poss�vel explica��o pode ser a especializa��o tardia e a sobreviv�ncia da ideia do ‘homem de letras’”. Na lista dos 500 pol�matas do livro, s�o citados tr�s brasileiros: Jos� Mariano de Concei��o Veloso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Exatamente porque na cultura brasileira os homens de letras perduraram mais, n�o poder�amos incluir mais nomes? Penso em Antonio Candido e Lucia Miguel Pereira.
Pensei em incluir Antonio Candido, que pontua tanto no estudo de literatura quanto em sociologia, mas decidi que n�o era o suficiente, como no caso de S�rgio Buarque no estudo da literatura e da hist�ria. N�o tinha ouvido falar da Lucia Miguel Pereira, mas, pesquisando-a, vejo que combina literatura e biografia, portanto como os outros dois, apenas duas disciplinas.
Nesse crit�rio, eu poderia muito bem ter acrescentado muitos outros indiv�duos! Outro nome que me foi sugerido � o de Jos� Bonif�cio, mas embora concorde que foi multifacetado, visto que teve uma carreira pol�tica e po�tica ao lado de intelectual, n�o creio que tenha sido um pol�mata, pelo menos n�o pelos padr�es de sua �poca, dando uma contribui��o importante para a geologia, mas n�o, pelo que eu sei, para outras disciplinas acad�micas.
Nesse crit�rio, eu poderia muito bem ter acrescentado muitos outros indiv�duos! Outro nome que me foi sugerido � o de Jos� Bonif�cio, mas embora concorde que foi multifacetado, visto que teve uma carreira pol�tica e po�tica ao lado de intelectual, n�o creio que tenha sido um pol�mata, pelo menos n�o pelos padr�es de sua �poca, dando uma contribui��o importante para a geologia, mas n�o, pelo que eu sei, para outras disciplinas acad�micas.
''Pode ser um res�duo do colonialismo, mas acho que os brasileiros admiram muito mais o que � franc�s, ingl�s ou americano do que portugu�s!''
No cap�tulo ‘‘A era da interdisciplinaridade’’, o senhor escreve: “Jos� Ortega y Gasset denunciou o ‘ignorante instru�do’ e alegou que a especializa��o levaria � barb�rie; Lewis Mumford se orgulhava de apresentar-se como ‘generalista’; George Steiner disse que a especializa��o era ‘coisa de idiota’”. Vivemos dias tenebrosos, quando a ci�ncia � colocada em xeque por alguns setores da sociedade. Por que o irracional ganhou tanto espa�o no debate p�blico mundial? A especializa��o pode ter contribu�do para a descren�a na ci�ncia?
H� uma longa hist�ria de hostilidade ao intelecto, especialmente em certas formas de cristianismo. Eu me pergunto se a hostilidade de Bolsonaro est� ligada � sua religi�o, e ao apoio dos evang�licos, ou se ele sente inveja de pessoas mais inteligentes do que ele. H� tamb�m uma longa hist�ria de medo popular da ci�ncia: se voc� n�o a entende, ent�o ela parece m�gica.
Se essa hostilidade � mais forte hoje, isso pode ser resultado do pr�prio sucesso da ci�ncia moderna, tornando o mundo da fic��o cient�fica realidade com viagens espaciais, IA, clonagem, etc. N�o tenho certeza se a especializa��o tem algo a ver com isso, mas pode ter. No s�culo 19, o conhecimento popular da ci�ncia estava no auge, gra�as a palestras para o p�blico em geral, revistas, etc. As experi�ncias estavam mais pr�ximas da vida cotidiana. Hoje, precisamos de treinamento especializado para entender como o b�son de Higgs foi descoberto e como o Colisor funciona.
Se essa hostilidade � mais forte hoje, isso pode ser resultado do pr�prio sucesso da ci�ncia moderna, tornando o mundo da fic��o cient�fica realidade com viagens espaciais, IA, clonagem, etc. N�o tenho certeza se a especializa��o tem algo a ver com isso, mas pode ter. No s�culo 19, o conhecimento popular da ci�ncia estava no auge, gra�as a palestras para o p�blico em geral, revistas, etc. As experi�ncias estavam mais pr�ximas da vida cotidiana. Hoje, precisamos de treinamento especializado para entender como o b�son de Higgs foi descoberto e como o Colisor funciona.
Em 2017, na UFMG, o senhor tamb�m afirmou: “Os pol�matas ainda existem, mas a especializa��o est� tornando sua sobreviv�ncia cada vez mais dif�cil. As universidades n�o s�o mais um lugar t�o favor�vel para que estudiosos flores�am”. Qual sua vis�o da universidade hoje? Ela � mais, ou menos, interessante do que quando o senhor era estudante?
Sim e n�o! Quando eu era estudante em Oxford, recebi um bom treinamento especializado, mas sem refer�ncia a outras disciplinas (meu tutor, Keith Thomas, j� se interessava por antropologia, mas ele n�o confessou isso at� eu me formar). Os alunos eram quase todos brit�nicos, embora alguns professores fossem ex-refugiados: Isaiah Berlin (do bolchevismo) e o historiador de arte Edgar Wind (do nazismo).
Hoje, o cen�rio acad�mico � muito mais internacional. Quando entrei em minha faculdade de Cambridge, Emmanuel, em 1979, todos os professores eram angl�fonos (os mais ex�ticos eram um australiano e um neozeland�s). Hoje, os professores da minha faculdade t�m cerca de 10 l�nguas nativas entre eles, incluindo romeno, b�lgaro e bengali. Os alunos de p�s-gradua��o tamb�m s�o muito mais diversificados do que antes – embora essa diversidade agora seja amea�ada pelo Brexit. Quanto � especializa��o, ela cresceu ao mesmo tempo em que aumentou o interesse pela interdisciplinaridade. Oxford e Cambridge s�o especiais por causa do sistema de faculdade, j� que cada faculdade � uma miniuniversidade, com professores em quase todas as disciplinas.
Ent�o, em vez de encontrar outros historiadores no almo�o, como aconteceria se eu ensinasse em outro lugar, encontro professores de sociologia, literatura, geografia, japon�s, etc. (tamb�m cientistas, mas � mais dif�cil falar com eles sobre seu trabalho, eu n�o entendo o idioma!). As universidades s�o menos centrais para a pesquisa do que costumavam ser – muitas pesquisas cient�ficas acontecem em grandes empresas e muitas pesquisas sociais acontecem em “think tanks”. Isso pode estar tornando as universidades menos interessantes, mas como a hist�ria n�o foi afetada pela tend�ncia, n�o experimento essa periferiza��o.
Hoje, o cen�rio acad�mico � muito mais internacional. Quando entrei em minha faculdade de Cambridge, Emmanuel, em 1979, todos os professores eram angl�fonos (os mais ex�ticos eram um australiano e um neozeland�s). Hoje, os professores da minha faculdade t�m cerca de 10 l�nguas nativas entre eles, incluindo romeno, b�lgaro e bengali. Os alunos de p�s-gradua��o tamb�m s�o muito mais diversificados do que antes – embora essa diversidade agora seja amea�ada pelo Brexit. Quanto � especializa��o, ela cresceu ao mesmo tempo em que aumentou o interesse pela interdisciplinaridade. Oxford e Cambridge s�o especiais por causa do sistema de faculdade, j� que cada faculdade � uma miniuniversidade, com professores em quase todas as disciplinas.
Ent�o, em vez de encontrar outros historiadores no almo�o, como aconteceria se eu ensinasse em outro lugar, encontro professores de sociologia, literatura, geografia, japon�s, etc. (tamb�m cientistas, mas � mais dif�cil falar com eles sobre seu trabalho, eu n�o entendo o idioma!). As universidades s�o menos centrais para a pesquisa do que costumavam ser – muitas pesquisas cient�ficas acontecem em grandes empresas e muitas pesquisas sociais acontecem em “think tanks”. Isso pode estar tornando as universidades menos interessantes, mas como a hist�ria n�o foi afetada pela tend�ncia, n�o experimento essa periferiza��o.
Poderia contar um pouco da hist�ria do seu retrato pintado pelo mineiro Carlos Bracher?
Em visita ao Brasil, nossos amigos Jo�o Adolfo Hansen e sua esposa, Marta, nos levaram para almo�ar com seu amigo Bracher, em Ouro Preto. Come�amos a conversar e, de repente, Carlos disse: ‘N�o h� tempo para almo�ar, quero pintar o retrato do Pedro agora!’. Ent�o, sentei-me diante de seu cavalete e ele me perguntou se eu gostava de Turner. Eu disse que sim, especialmente no per�odo tardio. E ele escolheu uma tela maior do que antes. Ent�o, ele perguntou: ‘Voc� gosta de Mahler?’.
Eu disse sim, especialmente “Das lied von der Erde”. Ent�o, ele colocou uma grava��o e come�ou a me esbo�ar. Todo mundo podia ver o que ele estava fazendo, mas eu podia ver s� ele, movendo o pincel no tempo da m�sica e depois pintando com o cabo do pincel, n�o com os pelos – a tinta � muito grossa, demorou muito tempo para secar! Carlos trabalha r�pido, terminou em pouco mais de uma hora. � um homem generoso: nos presenteou com o retrato, que agora est� pendurado em nossa sala de jantar.
Eu disse sim, especialmente “Das lied von der Erde”. Ent�o, ele colocou uma grava��o e come�ou a me esbo�ar. Todo mundo podia ver o que ele estava fazendo, mas eu podia ver s� ele, movendo o pincel no tempo da m�sica e depois pintando com o cabo do pincel, n�o com os pelos – a tinta � muito grossa, demorou muito tempo para secar! Carlos trabalha r�pido, terminou em pouco mais de uma hora. � um homem generoso: nos presenteou com o retrato, que agora est� pendurado em nossa sala de jantar.
O senhor � um dos maiores especialistas do Renascimento. O que acha do barroco mineiro?
Amo o barroco. Na minha primeira visita ao Brasil, fui a Minas com Maria L�cia, Jo�o Hansen, que �, entre outras coisas, um especialista no barroco internacional na arte e na literatura, e Marta. Visitamos S�o Jo�o del-Rei, Tiradentes, Mariana e, claro, Ouro Preto. Eu conhecia o Aleijadinho, mas nunca tinha visto o seu trabalho antes. Eu j� era f� do barroco romano – Bernini e Borromini – ent�o n�o foi surpresa que fiquei impressionado. Voltei v�rias vezes a Ouro Preto e tamb�m a Congonhas para ver os profetas de Aleijadinho. Devo acrescentar que tamb�m sou f� do Niemeyer e tenho vivas mem�rias da Pampulha.
''Eu me pergunto se a hostilidade de Bolsonaro est� ligada � sua religi�o, e ao apoio dos evang�licos, ou se ele sente inveja de pessoas mais inteligentes do que ele. H� tamb�m uma longa hist�ria de medo popular da ci�ncia: se voc� n�o a entende, ent�o ela parece m�gica''
O senhor � grande admirador, e divulgador, de Gilberto Freyre. Junto com sua esposa, Maria L�cia, escreveu “Repensando os tr�picos”. O senhor j� demonstrou como Freyre “antecipou” m�todos que seriam depois consagrados com a Escola dos Annales. S�rgio Buarque, de certo modo, tamb�m n�o antecipou certa escrita da hist�ria?
Mas h� uma diferen�a nas datas. S�rgio se voltou para a hist�ria depois de Gilberto, e n�o antes do surgimento da Escola dos Annales, que descobriu quando era colega de Henri Hauser no Rio.
Ao entrevistar o historiador italiano Carlo Ginzburg alguns anos atr�s, ele me disse que uma das raz�es que o levaram a se tornar historiador foi a leitura de “Guerra e paz”, de Tolstoi. E o senhor: qual � a sua rela��o com a literatura?. L� muita fic��o?
Sim, eu me descrevo como um “leitor compulsivo” de romances, na analogia do “fumante inveterado”. Leio algumas p�ginas quase todos os dias e assim que um termina, leio outro. �s vezes, nova fic��o em ingl�s e l�nguas rom�nicas, �s vezes cl�ssicos. “Guerra e paz” � um dos poucos romances que li tr�s vezes (“O leopardo”, de Tomasi di Lampedusa, � outro).
Mas minha introdu��o � hist�ria foi diferente da de Carlo: veio de brincar com soldados de brinquedo, como muitos meninos ingleses da minha gera��o. Algu�m me deu um livro adulto chamado “Quinze batalhas decisivas do mundo”. Eu apenas li peda�os dele, mas organizei meus soldados de acordo com os diagramas de batalhas do livro. Isso me criou o interesse pela hist�ria militar. S� fui curado da obsess�o por soldados quando prestei o servi�o militar no ex�rcito brit�nico.
Mas minha introdu��o � hist�ria foi diferente da de Carlo: veio de brincar com soldados de brinquedo, como muitos meninos ingleses da minha gera��o. Algu�m me deu um livro adulto chamado “Quinze batalhas decisivas do mundo”. Eu apenas li peda�os dele, mas organizei meus soldados de acordo com os diagramas de batalhas do livro. Isso me criou o interesse pela hist�ria militar. S� fui curado da obsess�o por soldados quando prestei o servi�o militar no ex�rcito brit�nico.
� bastante conhecida sua admira��o por Montaigne. E que o levou a escrever um maravilhoso livro sobre o autor de “Os ensaios”. Mas sei tamb�m de seu amor a Tchekhov. Poderia falar um pouco mais desta paix�o?
N�o tenho certeza se posso explicar minha paix�o por Tchekhov - talvez se eu tivesse um psicanalista, ele ou ela explicaria para mim. N�o leio russo, mas descobri Tchekhov atrav�s do teatro, j� vi suas pe�as muitas vezes e as achei incrivelmente comoventes. Al�m disso, li muitos de seus contos. Quando eu estava ensinando em Sussex, colocava uma foto de Tchekhov e sua esposa, Olga, na porta do meu gabinete. Se algu�m me perguntasse por que (j� que normalmente exibo imagens de historiadores), eu n�o saberia o que dizer.
Nunca vi o senhor falar, ou escrever, sobre Joseph Conrad. Mas sua juventude tem algo de conradiano: um ingl�s servindo �s For�as Armadas num lugar distante. Conrad � um autor da sua predile��o? Ou o senhor tem mais paix�o por George Orwell?
Sim, sou f� de Conrad. “Nostromo” � outro dos poucos romances que li tr�s vezes (cada vez com admira��o crescente). Tamb�m admiro Orwell, mas menos por suas duas f�bulas famosas e mais por sua “Homenagem � Catalunha” e por suas observa��es sobre a pol�tica brit�nica e a l�ngua inglesa.
No artigo “Esbo�os de um autorretrato”, do livro “O historiador como colunista”, o senhor conta que, quando dava aula no Brasil, ouvia dos alunos a mesma pergunta que L�vi-Strauss tinha ouvido 50 anos antes: “Esta � a �ltima palavra?”. Os estudantes brasileiros eram fi�is � tradi��o na preocupa��o com o novo. Os brasileiros est�o fadados a pensar como colonizados?
Eu distinguiria entre admira��o por tudo o que � novo (ligada � ideia de progresso e possivelmente � vida em um novo pa�s) e o que os australianos (pensando em si mesmos) chamam de 'encolhimento cultural', em outras palavras, uma admira��o excessiva por tudo que � estrangeiro. O ‘encolhimento’ est� certamente associado a uma sensa��o de estar na periferia cultural. Pode ser um res�duo do colonialismo, mas acho que os brasileiros admiram muito mais o que � franc�s, ingl�s ou americano do que portugu�s!
O senhor parece n�o ter muita simpatia pela obra do fil�sofo franc�s Michel Foucault. J� disse que Foucault � superestimado em muitos pa�ses. O senhor acredita que o autor de “Vigiar e punir” tamb�m � muito valorizado na universidade brasileira?
Certamente, tenho a impress�o de que alguns intelectuais brasileiros se apaixonam facilmente pelos te�ricos franceses e perdem o senso cr�tico. Como os alunos que mencionei na resposta anterior, eles aceitam facilmente a ideia mais recente. Quando visitei o Brasil pela primeira vez, em 1986, Foucault havia morrido recentemente e ainda era um her�i. N�o sei sobre a situa��o de hoje. Concordo que Foucault teve algumas ideias importantes e originais, mas tamb�m acredito que sua escrita foi muito sedutora, uma ret�rica que arrebatou os leitores a ponto de alguns deles se esquecerem de perguntar qu�o boas eram as evid�ncias, por exemplo, para algumas de suas afirma��es sobre o passado.
Depois de d�cadas visitando o Brasil regularmente, e casado com uma brasileira, que imagem o senhor tem hoje do Brasil?
Uma – apropriadamente – imagem mista! Quando visitei S�o Paulo pela primeira vez, esperava que fosse uma grande vers�o de Mil�o. Ainda aceito essa analogia, mas percebi que existem muitos Brasis – j� visitei muitos deles at� agora. Ainda estou impressionado com o calor das rela��es sociais, embora agora perceba que o “homem cordial” n�o se refere � amizade com uma pessoa emocional que odeia e ama com facilidade. Infelizmente, o lado do �dio � predominante nos anos Bolsonaro, como o amor parecia ser nos anos Lula.
Vejo o Brasil como uma mistura de formalidade e informalidade, de hierarquia e fraternidade, de amizade e viol�ncia. Os pontos fortes e fracos da cultura s�o frequentemente, embora nem sempre, o oposto dos pontos fortes e fracos dos brit�nicos! �s vezes, penso que enquanto os brit�nicos s�o melhores na vida p�blica (menos corrup��o, mais efici�ncia), os brasileiros s�o melhores na vida privada (fui adotado por uma fam�lia brasileira notavelmente harmoniosa!)
Vejo o Brasil como uma mistura de formalidade e informalidade, de hierarquia e fraternidade, de amizade e viol�ncia. Os pontos fortes e fracos da cultura s�o frequentemente, embora nem sempre, o oposto dos pontos fortes e fracos dos brit�nicos! �s vezes, penso que enquanto os brit�nicos s�o melhores na vida p�blica (menos corrup��o, mais efici�ncia), os brasileiros s�o melhores na vida privada (fui adotado por uma fam�lia brasileira notavelmente harmoniosa!)
O senhor � um grande divulgador da obra de pensadores como Gilberto Freyre, do polon�s Witold Kula e do cubano Fernando Ortiz: autores importantes, mas pouco conhecidos fora de seus pa�ses. Como a professora Maria Lucia lembra na entrevista feita com o senhor, no livro “As muitas faces da hist�ria”, “o lugar onde se fala � t�o importante quanto o que se fala”. Estamos mesmo fadados a sempre ter uma periferia e um centro?
Concordo com Maria L�cia e tenho consci�ncia da sorte de ter o ingl�s como l�ngua nativa e de compartilhar a capital cultural de Oxford e Cambridge. As recentes mudan�as nos meios de comunica��o (nos �ltimos 30 anos ou mais) significam que a geografia n�o pesa tanto quanto antes sobre pensadores que n�o vivem em uma grande metr�pole. A linguagem ainda pesa, e pesa especialmente sobre pensadores de pequenos pa�ses com l�nguas que poucas pessoas desejam aprender – mas eles podem fazer o esfor�o e ent�o s�o (pelo menos �s vezes) recompensados. Se Jon Elster tivesse continuado a escrever em noruegu�s e/ou Slavoj Zizek em esloveno, poucas pessoas saberiam sobre suas ideias!
Na mesma entrevista, dada pelo senhor em “As muitas fases da hist�ria”, o senhor admite que nunca gostou de se envolver em pol�micas. “Diferente de Christopher Hill, E. P. Thompson e Lawrence Stone, nunca estive muito envolvido em controv�rsias hist�ricas”. O senhor tem mesmo t�dio � controv�rsia?
Eu diria que n�o gosto de pol�mica. Ela, �s vezes, elas s�o necess�rias: mas passam facilmente do intelectual para o pessoal. Estou surpreso ao ver que, em minha lista de historiadores controversos, deixei de fora os dois exemplos mais famosos de Oxford em meus tempos de estudante: A. J. P. Taylor e Hugh Trevor-Roper. Trevor-Roper supervisionou minha pesquisa, mas achei Stone muito mais simp�tico. Trevor-Roper admitia que gostava de lutas. Eu n�o.
Quem � Peter Burke
Quem � Peter Burke
Historiador ingl�s nascido em 1937, Peter Burke � professor em�rito da Universidade de Cambridge. Ensinou tamb�m nas universidades de Princeton e Essex. Especialista em hist�ria moderna europeia, foi professor visitante da USP entre 1994 e 1995. Lan�ou, entre outros livros, “Hist�ria e teoria social”, “A arte da conversa��o”, “Testemunha ocular: o uso de imagens como evid�ncia hist�ria” e “A escrita da hist�ria: novas perspectivas” e “Repensando os tr�picos”, que escreveu com a esposa, Maria L�cia Pallares-Burke.

O pol�mata – Uma hist�ria cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag
• Peter Burke
• Editora Unesp
• 512 p�ginas
• R$ 88