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Estado de Minas VERS�O DE UM CL�SSICO

Adapta��o leva jovens leitores a uma viagem de aventuras com Dom Quixote

Hist�ria do personagem mais c�lebre da literatura mundial e sua luta por justi�a ganham vers�o infantojuvenil pela escritor carioca Luciana Sandroni


02/07/2021 04:00 - atualizado 02/07/2021 09:08

(foto: ANA MATSUSAKI/EDITORA ESCARLATE)
(foto: ANA MATSUSAKI/EDITORA ESCARLATE)
“ – Meu amigo, nunca esque�a sua origem humilde de campon�s, n�o tenha vergonha, mas sim orgulho dela. Assim todos ter�o tamb�m. D� mais aten��o aos pobres que aos ricos. Trate todos bem, de maneira igual, dos criados aos nobres. E, Sancho, o conselho mais importante: seja justo –. Depois dos bons conselhos, o escudeiro quis se levantar para agradecer, mas Dom Quixote continuou: – Agora, os conselhos de higiene: tome banho todos os dias, corte as unhas uma vez por semana, ande bem-vestido... nem t�o elegante, nem t�o desleixado. Coma pouco de dia e ceie menos ainda: esse � o segredo da sa�de. 'Que o alimento seja seu rem�dio', j� dizia Hip�crates. Beba pouco. N�o se esque�a: Deus ajuda quem cedo madrugada. E nada de pregui�a.”

Adapta��o de 'Dom Quixote' feita pela escritora Luciana Sandroni leva jovens leitores a refletirem, de forma divertida, sobre valores essenciais � vida, como solidariedade e lealdade


Essa � uma passagem da parceria entre o personagem mais c�lebre da literatura mundial, j� no fim da vida, narrada em “As aventuras de Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pan�a”, adapta��o infantojuvenil da obra-prima de Miguel de Cervantes (1547-1616) feita pela escritora carioca Luciana Sandroni, que acaba de ser lan�ada.

Como se sabe, depois de muito ler hist�rias de cavalaria, o solit�rio e entediado Alonso Quixano, que vive em sua propriedade numa aldeia na regi�o da Mancha, na Espanha rec�m-sa�da da Idade M�dia, em companhia da governanta e de uma sobrinha, tem um surto de insanidade. Numa madrugada, sem distinguir mais realidade e fantasia, ele se transforma em Dom Quixote.

“Sairei pelo mundo para proteger os fracos e oprimidos! Ah, nesse mundo h� tantas injusti�as por desfazer!”, diz o novo her�i, que improvisa escudo e espada, monta num cavalo magrelo, que recebe o nome de Rocinante, e vai pelo mundo em busca de aventuras como cavaleiro andante para acabar com a injusti�as, na companhia de um vizinho, Sancho, a quem convence ser seu escudeiro em troca de ganhar uma ilha para governar. Tudo em nome de seu amor plat�nico por Dulcineia.

Entre os primeiros inimigos, os mais famosos do romance, est�o dezenas de moinhos transformados em terr�veis monstros pela imagina��o de Dom Quixote. Os aparelhos mec�nicos eram uma grande novidade na �poca. “Os moinhos de vento era enormes, vis�veis a dist�ncia e mais barulhentos do que qualquer outra coisa produzida pelo homem. Capazes de mover moendas e outras m�quinas pesadas com a for�a dos gigantes, foram os primeiros precursores da civiliza��o mec�nica e os perfeitos advers�rios para algu�m como Dom Quixote, que insistia em viver no passado”, avalia o escritor Martin Puchner, autor de “O mundo da escrita – Como a literatura transformou a civiliza��o” (Companhia das Letras/2019). Segundo ele, Dom Quixote foi t�o popular quando lan�ado “que a pessoas come�aram a se vestir como ele”.

Escrito h� quatro s�culos (a primeira parte em 1605 e a segunda em 1615), Dom Quixote � considerado o primeiro romance moderno e j� apontado in�meras vezes como o maior romance de todos os tempos. � uma fabulosa s�tira � literatura popular�ssima da �poca, os romances de cavalaria, nos quais os her�is com poderes ilimitados enfrentavam mundos e criaturas sobrenaturais para salvar donzelas indefesas. Dom Quixote, entretanto, ao contr�rio dos her�is medievais, � humano, demasiado humano.

Cervantes teve uma vida �pica como soldado, lutou em guerras, ficou com a m�o mutilada, foi prisioneiro de guerra e tornado escravo pelos turcos por cinco anos, ap�s ser capturado em alto-mar. Viu sua obra ser plagiada e usurpada e morreu pobre, sem reconhecimento de sua genialidade. Essa vida aventurosa est� refletida em suas obras, principalmente em Dom Quixote e seu ferrenho idealismo para tornar o mundo mais justo.

'H� ALGO DE PODRE NESTE CASTELO'

A adapta��o de Luciana Sandroni, em 123 p�ginas retiradas das mais de 1,2 mil da obra original, com belas ilustra��es de Ana Matsusaki, capta bem o esp�rito liter�rio original para iniciar os jovens leitores na saga de Dom Quixote de forma divertida e, o mais importante, com boas reflex�es sobre justi�a, solidariedade, lealdade e humanismo. Em sua loucura, que contagia Sancho, Dom Quixote � justo e sensato.

Mas ser� que � loucura lutar por justi�a? � t�o imposs�vel e incomoda tanto assim o resto do mundo. “Dom Quixote, como apontam os especialistas, � louco na a��o, mas seus coment�rios s�o sempre profundos, sensatos. Acredito que o livro passa uma esperan�a de lutar contra as injusti�as, pelos mais pobres, pensar nos outros. Penso que Cervantes quis dizer com a “loucura” uma forma de rebeldia contra as injusti�as do mundo”, diz Luciana Sandroni em entrevista ao Pensar.

Talvez seja a luta por justi�a uma loucura que incomoda. Dom Quixote conversa com Sancho: “– Se ao defender os pobres e os necessitados, sou preso, � porque h� algo de podre neste castelo. J� suspeitava disso, n�o �, Sancho? Sei que a coragem e a luta por justi�a incomodam. Sempre foi assim: a virtude � mais perseguida pelos maus do que defendida pelos bons. Mas o mal n�o durar� para sempre! Os bons tempos voltar�o!’ Os amigos, emocionados, bateram palmas e gritaram vivas. O her�i, confiante, foi levado pelos guardas”.

Dom Quixote, ent�o, foi detido pela guarda real, colocado numa jaula e mandado de volta para casa depois de mais uma investida sobre pessoas comuns como perigosos inimigos imagin�rios. Mas, em outro lampejo (ser� de loucura ou de lucidez?), ele persiste no di�logo com a governanta? “– Meu patr�o, o senhor n�o vai sossegar, n�o �? - perguntou a governanta. – N�o minha amiga. N�o posso viver alheio a tantas injusti�as. Os tiranos est�o � solta.

Tenho que endireitar o que est� torto. Nasci para isso (…) Quero sair por esse mundo, socorrer os �rf�os e as vi�vas, dar comida aos que t�m fome e �gua aos t�m sede. Se ficar aqui deitado nessa cama... n�o sei o que ser� de mim.” Lendo Dom Quixote (a extensa obra original, na qual Cervantes intercala outras inquietantes hist�rias, como “A novela do curioso impertinente”, ou a boa adapta��o de Luciana Sandroni), percebe-se a atualidade da obra. Afinal, a plena justi�a dos homens ainda � prec�ria e ainda est� pendurada na bandeira do idealismo.

Entrevista
LUCIANA SANDRONI
Escritora

'Parece que ele fala ao nosso tempo'

Por que adaptar “Dom Quixote” para o leitor infantojuvenil? 
Na verdade, fui convidada pelas editoras da Brinque Book, Suzana Sanson e Anna Rennhack, para fazer a adapta��o. Mas acredito que tenha sido porque “Dom Quixote”, um cl�ssico, � um personagem que agrada a todos, adulto ou crian�a. O livro tem a capacidade de divertir e, ao mesmo tempo, fazer pensar. � uma obra que surpreende o leitor pela atualidade, embora seja um texto de mais de 400 anos. Parece que ele fala ao nosso tempo.

Uma adapta��o n�o desestimula o leitor a ler depois a obra original ou � o contr�rio, exatamente por isso ele vai querer conhec�-la com mais detalhes? 
Na minha opini�o � o contr�rio, a adapta��o de um cl�ssico pode despertar, mais tarde, a curiosidade do leitor para a obra original. Assim como a adapta��o, seja para a TV, o cinema, o teatro, sempre desperta interesse pelo livro original. � interessante mostrar para o jovem leitor e para as crian�as que os escritores contempor�neos tamb�m se “alimentam” dos cl�ssicos.

Voc� concorda com a recente e pol�mica declara��o do youtuber Felipe Neto de que “for�ar adolescentes a ler cl�ssicos do romantismo e realismo � um desservi�o das escolas para a literatura” e que isso “gera jovens que acham literatura um saco”? Viria da� a necessidade de adapta��es?
Acredito que “for�ar” a ler n�o � o desejado. Penso que o bom professor deve despertar o interesse do aluno para a leitura, seja a adapta��o de um livro cl�ssico ou de um autor contempor�neo, e existem muitos hoje no Brasil. Ele far� de tudo para estimular o interesse do aluno nessa viagem fant�stica que � a leitura. N�o � f�cil, mas deve ser prazerosa. Se a escola n�o incluir no seu curr�culo livros de Monteiro Lobato, Machado de Assis, Drummond, Manuel Bandeira, quem vai falar? No Brasil, a maioria dos alunos chega aos livros por interm�dio da escola.

O livro � caro, n�o h� uma pol�tica p�blica de incentivo � leitura... Nesse governo, ent�o, nem se fala... Ent�o, o professor tem essa responsabilidade. Mas acredito que se ele suscitar sua paix�o pelos livros, os alunos v�o, de alguma maneira se interessar. Se n�o for agora, quem sabe mais tarde v�o se interessar?
 
Al�m das v�rias aventuras de Ludi, voc� tem uma obra sensacional, “Joaquim e Maria e a est�tua de Machado de Assis”, na qual a est�tua de Machado de Assis na ABL ganha vida e acompanha de dois estudantes pelo Rio. Essa iniciativa veio da ideia de apresentar Machado ao p�blico jovem? E que retorno neste sentido a obra obteve?
Tive essa ideia para homenagear os 100 anos da morte do Machado em 2008. Acho que sempre tem essa ideia, de apresentar a obra para os jovens, mas acho que a vontade maior era de cativar o leitor com uma aventura na qual Machado leva dois adolescentes pelo Rio de Janeiro atual. Nesta tentativa de mostrar uma face deste escritor genial, procurei inseri-lo na cidade em que ele nasceu, e seus romances aconteceram na cidade com uma vida intensa de grandes edif�cios, de tr�fego congestionado que assustaram o escritor.

Dom Quixote � idealista e ing�nuo e acredita que pode fazer um mundo mais justo em defesa dos pobres e oprimidos. Mas diante de tanta injusti�a desde que o mundo � mundo, � ingenuidade e “loucura” ainda hoje acreditar em justi�a para todos, visto que parece um ideal inalcan��vel?
Miguel de Cervantes escreveu “Dom Quixote” numa �poca em que os livros de cavalaria andante ainda faziam sucesso, tempo de novelas heroicas narrando a saga medieval. Seu sentimento de justi�a de defesa dos pobres e seu amor por Dulcineia vinham desses livros. Por�m, Dom Quixote, como apontam os especialistas, � louco na a��o, mas seus coment�rios s�o sempre profundos, sensatos. Acredito que o livro passa uma esperan�a de lutar contra as injusti�as, pelos mais pobres, pensar nos outros. Penso que Cervantes quis dizer com a “loucura” foi uma forma de rebeldia contra as injusti�as do mundo.

� a conquista de ideais que d� sentido � vida humana, inclusive para suportar a certeza da finitude, como faz Dom Quixote?
Ao ler “Dom Quixote”, entendemos que o sentido da vida humana � a solidariedade, o amor – n�o s� o amor rom�ntico, mas tamb�m o amor pelo pr�ximo. E a luta pelos ideais humanistas.

“AS AVENTURAS DE DOM QUIXOTE E SEU FIEL ESCUDEIRO SANCHO PAN�A”
Miguel de Cervantes
Adapta��o de Luciana Sandroni
Editora Escarlate
123 p�ginas
R$ 44,90


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