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Estado de Minas ROMANCE

Don DeLillo volta com o romance 'O sil�ncio'

Escritor norte-americano lan�a livro que se passa durante um apag�o tecnol�gico no ano de 2022


16/07/2021 04:00 - atualizado 16/07/2021 08:03

Nascido em 1936, o nova-iorquino DeLillo ambientou 'O silêncio' no ano de 2022(foto: LOIC VENANCE/AFP)
Nascido em 1936, o nova-iorquino DeLillo ambientou 'O sil�ncio' no ano de 2022 (foto: LOIC VENANCE/AFP)
Novo livro de Don DeLillo, uma das grandes vozes da literatura norte-americana, “O sil�ncio” � menor que uma novela e maior do que um conto. Na classe executiva de um avi�o que vai de Paris a Newark, um homem quer dormir, mas n�o consegue parar de olhar a tela — “altitude, tempe- ratura externa, velocidade, hor�rio de chegada”. Seu nome � Jim Kripps. Ao seu lado est� a esposa, Tessa Berens, pele escura, “de origem caribenha, europeia e asi�tica”, que publica poemas com frequ�ncia em revistas liter�rias.

Enquanto ele fixa o olhar no monitor, ela escreve “algumas das coisas” que os dois, quase neur�ticos, observaram na viagem. Apesar das telas e anota��es memorial�sticas, existe uma superf�cie l�quida que envolve o casal, impedindo que entrem em contato. Iguais, mas estranhos.

Pouco antes de chegar aos Estados Unidos, contudo, uma turbul�ncia desliga a aeronave e for�a um pouso de emerg�ncia. Eles ainda n�o sabem, mas se trata de um fen�meno global: o mundo est� submerso em um apag�o tecnol�gico.

Por sua vez, em terra firme, assistindo ao Super Bowl do ano de 2022, Diane Lucas, uma professora, e Max Stenner, um apostador compulsivo, recebem Martin, ex-aluno de Diane. O casal est� h� 37 anos “num estado de rotina massacrante, duas pessoas t�o grudadas uma na outra que um belo dia uma vai esquecer o nome da outra”. A princ�pio, � mais uma noite comum, o trio despejando suas idiossincrasias uns nos outros, mas em determinado momento “aconteceu alguma coisa.

As imagens na tela come�aram a estremecer. N�o era uma distor��o visual comum, tinha profundidade, padr�es abstratos que se dissolviam seguindo um pulso r�tmico, uma s�rie de unidades elementares que pareciam avan�ar e depois recuar. Ret�ngulos, tri�ngulos, quadrados. Eles ficaram olhando e escutando. Mas n�o havia nada para escutar.”

Apesar da extens�o, “O sil�ncio” traz quest�es que j� haviam sido tratadas em obras anteriores de DeLillo. Est�o ali a Am�rica traumatizada de “Homem em queda”, o futuro da humanidade presente em “Zero K”. Uma das chaves para compreender o romance – embora seja exagerado cham�-lo assim – est� logo no in�cio, quando os di�logos de Jim e Tessa dentro do avi�o s�o descritos como meras fun��es “de um processo automatizado”. As horas gastas cortando o ar entre a Europa e a Am�rica do Norte n�o passam de “frases podadas, meio que autoembutidas, passageiros, pilotos, comiss�rios de bordo, todas as palavras esquecidas no momento em que o avi�o pousa na pista e come�a a taxiar infinitamente rumo a uma ponte de embarque desocupada”.

F�sica e tecnologia


 Mais tarde, durante uma caminhada de Max, lemos uma curiosa diatribe contra os celulares, descritos como aparelhinhos que deixam as pessoas absortas, mesmerizadas. Apesar da obviedade e de um prov�vel conservadorismo, DeLillo � sagaz o suficiente para conseguir diluir em dois casais e um intruso as suas pr�prias obsess�es, sem que fiquem caricatas.

O mesmo n�o acontece com os di�logos. Embora interessantes, as falas de Martin e todas as discuss�es envolvendo f�sica e tecnologia esbarram num cansa�o evidente. Aos 83 anos, o norte-americano n�o parece dar mostras de querer desenvolver os grandes temas. Frases de impacto se esticam pelas 106 p�ginas e pouqu�ssimo complemento � lhes dado. A contund�ncia, no entanto, permanece.

Em tradu��o de Paulo Henriques Britto, a hist�ria cont�m um esqueleto s�lido, que reflete as principais inquieta��es de nosso tempo. Se obras como “Homem em queda” atestavam a possibilidade de Deus aparecer no c�u a qualquer momento, ainda que as pessoas vivessem lutando “guerras mortas, guerras santas”, aqui n�o h�   transcend�ncia. A efemeridade da vida regida pelas big techs transforma a humanidade num zool�gico prestes a implodir.

O apag�o – e o consequente sil�ncio – n�o passam de um sintoma; o que DeLillo parece demonstrar com seu apo- calipse em tom menor resume-se a tr�s perguntas muito simples, feitas pela mulher da cl�nica para onde v�o Jim e Tessa ap�s o pouso de emerg�ncia: “Cad� a nossa autoridade pra controlar os nossos equipamentos seguros, nossas capacidades de encripta��o, nossos tu�tes, trolls e bots? Ser� que tudo no ciberespa�o est� sujeito a distor��o e roubo? E tudo que a gente pode fazer � ficar maldizendo a nossa sorte?”

O tom deixa claro o esquema teatral que se repetir� ao longo da narrativa, e abre caminho para que DeLillo jogue tamb�m com a s�tima arte – que, como diz Max, � “uma maneira de fugir”. A divaga��o a respeito do que se perde num voo lembra muito o final de “Blade Runner”, e a �ltima parte do livro, por si s�, remete aos mon�logos de “Persona”, de Bergman.

Ao final, o que existe – se resiste – � uma hist�ria de perdas e reconstru��es abortadas. Deslocamentos, mundos paralelos, tudo aparenta o brilho inequ�voco de uma tela preta, a voz baixa de um ser esquisito que finalmente chega � superf�cie – e finalmente pode dar o “abra�o despreocupado que assinala o fim da civiliza��o mundial”.

*Mateus Baldi � escritor e jornalista. Criou a Resenha de Bolso, voltada para a cr�tica de literatura contempor�nea.

TRECHO DO LIVRO

“Ali, no voo, boa parte do que um c�njuge dizia ao outro parecia uma fun��o de algum processo automatizado, coment�rios gerados pela pr�pria natureza da viagem de avi�o. Nada das falas derramadas das pessoas em quartos, em restaurantes, onde os movimentos s�o expansivos s�o contidos pela gravidade, falas flutuantes. Todas aquelas horas sobrevoando oceanos ou imensas massas continentais, frases podadas, meio que autoembutidas, passageiros, pilotos, comiss�rios de bordo, todas as palavras esquecidas no momento em que o avi�o pousa na pista e come�a a taxiar infinitamente rumo a uma ponte de embarque desocupada.

S� ele se lembraria de parte daquilo, pensou ele, no meio da noite, na cama, imagens de pessoas dormindo envoltas em cobertores fornecidos pela companhia a�rea, parecendo mortas, a comiss�ria alta perguntando se podia servir mais vinho na ta�a dele, o voo chegando ao fim, o aviso de apertar os cintos seno apagado, a sensa��o de libera��o, os passageiros de p� nos corredores, esperando, os comiss�rios na sa�da, tantos agradecimentos e movimentos de cabe�a, os sorrisos de um milh�o de milhas.”

“O sil�ncio”
.De Don DeLillo
.Tradu��o de Paulo Henriques Britto
.Companhia das Letras
.110 p�ginas
.R$ 49,90


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