
Editada por Daniel Arelli, Gustavo Silveira Ribeiro e Victor da Rosa, a revista tem como patrono o pernambucano Sebasti�o Uchoa Leite (1935-2003), homenageado tamb�m com a publica��o de dois poemas in�ditos, um depoimento de Ricardo Aleixo e nos t�tulos das se��es que comp�em a edi��o do primeiro n�mero: “pequena est�tica” (poesia in�dita), “babil�nia” (poesia traduzida), “antim�todo” (ensaios”), “antilogia” (experimentos cr�ticos), “um olho que olha para dentro” (entrevistas), “gr�fico amador” (objeto-livro), “� espreita” (resenhas) e “a fic��o vida” (depoimentos).
“A Ouri�o quer ser um campo aberto, uma caixa de resson�ncia em que a quest�o possa ser colocada em toda a sua dimens�o de conflito e aporia. Em seu complexo conv�vio de fortaleza e desprote��o, amea�a e fragilidade, o animal que empresta seu nome � revista � tamb�m uma imagem para isso”, afirma o editorial. “Como no poema de Jo�o Cabral de Melo Neto ‘Uma ouri�a’, que nos deu a inspira��o para o t�tulo, a ouri�a ‘se fecha (convexo integral de esfera)’, e tamb�m ‘se eri�a (b�lica e multiespinhenta)’, ‘mas n�o passiva’ e ‘nem s� defensiva’ – ‘capaz de bote, de salto’, e tamb�m de se ‘desouri�ar”’, complementa, antes de lembrar: “O tema geral que livremente organiza este primeiro n�mero da revista – o verso de Maiakovski, arrancar alegria ao futuro – se compreende como uma rea��o ao presente.”
No primeiro n�mero, chama a aten��o a diversidade de colaboradores, com diferentes gera��es e nacionalidades. H� uma apresenta��o da produ��o chilena contempor�nea, um poema visual de Augusto de Campos, in�ditos de brasileiros como Luci Collin, Sofia Mariutti, Ana Martins Marques (“O ouri�o”, dedicado a Carlito Azevedo) e uma entrevista com o prol�fico portugu�s Manuel de Freitas, nascido em 1972 e que j� tem mais de 70 livros entre poesia, ensaio e tradu��o (a editora paulista Cors�rio-Sat� lan�ar�, ainda este ano no Brasil, “Jukebox”, do autor).
Abaixo, uma entrevista por e-mail com os editores da Ouri�o.



Como nasce a Ouri�o e como ela se insere na tradi��o mineira de revistas liter�rias?
Daniel Arelli: A ideia de fazer a Ouri�o surgiu de forma muito prosaica e espont�nea. A gente tinha um grupo de WhatsApp no qual convers�vamos basicamente sobre literatura, e a� surgiu a ideia. Acho que a gente partiu da percep��o de que hoje em dia h� poucas revistas impressas de poesia (n�o apenas em Minas, mas no pa�s), embora haja um bom n�mero de revistas digitais. Tamb�m achamos que seria interessante ter mais espa�o dedicado � cr�tica – n�o apenas � cr�tica liter�ria ou de poesia, mas tamb�m a isso que um dia se chamou de “cr�tica cultural” em sentido mais amplo.
Victor da Rosa: Se lembrarmos que Drummond foi um poeta que, antes de publicar seu primeiro livro, em 1930, fez um percurso nas revistas mo- dernistas, podemos ter uma dimens�o da im- port�ncia das revistas para a vida liter�ria de um pa�s. Provavelmente, ele n�o teria uma estreia em livro t�o poderosa se n�o fossem a circula��o e os debates que se faziam em torno das revistas mo- dernistas, n�o s� as mineiras. Ao mesmo tempo, em carta a M�rio de Andrade � �poca, Drummond dizia que aqui em Belo Horizonte “isso de revista n�o pega!”
Em todo caso – dizia ele – vamos fazer uma experi�ncia. A revista mineira durou s� tr�s n�meros, e quanto a isso somos mais ambiciosos. Seja como for, temos o Suplemento Liter�rio de Minas Gerais para provar que Drummond estava errado. Apesar de sobreviver por aparelhos, com todos os ataques que a cultura vem sofrendo no pa�s e no estado, o Suplemento � uma das publica��es liter�rias mais longevas do pa�s. Tomara que possamos tamb�m ter a vida longa de um Suplemento!
Em todo caso – dizia ele – vamos fazer uma experi�ncia. A revista mineira durou s� tr�s n�meros, e quanto a isso somos mais ambiciosos. Seja como for, temos o Suplemento Liter�rio de Minas Gerais para provar que Drummond estava errado. Apesar de sobreviver por aparelhos, com todos os ataques que a cultura vem sofrendo no pa�s e no estado, o Suplemento � uma das publica��es liter�rias mais longevas do pa�s. Tomara que possamos tamb�m ter a vida longa de um Suplemento!
Gustavo Ribeiro: Ainda que n�o program�tica, a proximidade da Ouri�o com as revistas de poesia de vanguarda que surgiram em Minas Gerais, em Belo Horizonte em particular, � para n�s uma alegria. N�o deixa de ser, de um modo ou outro, uma forma de homenagem fundar agora uma revista de poesia e cr�tica que repete, � sua maneira, o gesto de Achilles Vivacqua (entre outros) e Affonso �vila. A Leite Cri�lo, dos modernistas dos anos 1920, e a Tend�ncia, dos artistas de vanguarda e dos intelectuais da d�cada de 1950, s�o alguns dos marcos da cultura liter�ria de Minas, assim como a Verde, de Cataguases, e outros projetos mais recentes – revistas que se abriram, desde Minas, � produ��o po�tica e art�stica brasileira e internacional, � reflex�o densa e provocativa sobre temas de amplo espectro.
Como foi definido o tema do primeiro n�mero? � poss�vel arrancar alegria ao futuro?
Daniel: O tema do primeiro n�mero surgiu logo no come�o do processo, quando decidimos que ir�amos tentar organizar a revista tematicamente. Acho que partimos da percep��o de que havia um vetor muito forte na literatura brasileira direcionado ao passado, � elabora��o e resgate do passado, e que o olhar po�tico para o futuro tendia a ser minorit�rio hoje. Talvez justamente porque o futuro n�o parece muito animador para a grande maioria das pessoas... Da� pensamos em fazer essa provoca��o a partir do verso de Maiakovski, “arrancar alegria ao futuro”, que nos faz lembrar de uma �poca em que se pensou a poesia como lugar de pensar mundos poss�veis, ainda por vir.
Por que a decis�o de ter como patrono Sebasti�o Uchoa Leite? Qual a contribui��o do pernambucano para a poesia brasileira?
Daniel: Escolhemos Sebasti�o Uchoa Leite como patrono da revista, em primeiro lugar porque somos leitores e admiradores do seu trabalho. Em segundo lugar, porque S.U.L., al�m de grande poeta, era tamb�m um cr�tico e tradutor da me- lhor qualidade, o que tinha tudo a ver com uma revista que seria de poesia e de cr�tica. E, por fim, acreditamos tamb�m que S.U.L. – como tantos outros poetas, na verdade – mereceria ser mais lido e discutido do que � hoje, raz�o pela qual quisemos lhe prestar essa pequena homenagem.
“N�o antevejo grande futuro para a poesia.” Os editores concordam com a opini�o do entrevistado, o portugu�s Manuel de Freitas?
Daniel: � muito dif�cil ter um veredito claro sobre o futuro da poesia. J� h� quase dois s�culos h� quem diga que n�o apenas a poesia, mas toda a arte, estaria com os dias contados porque nossas soci- edades est�o se tornando cada vez mais prosaicas e cerebrais, incompat�veis com certa concep��o tradicional de arte e poesia. Recentemente, discutiu-se muito entre n�s a quest�o da “morte da can��o” – at� cantautores c�lebres, como Chico Buarque, endossaram essa ideia. E, no entanto, a arte, a poesia e a can��o est�o a�, persistindo, embora sujeitas a muitas transforma��es. Acho que mais vale se perguntar como ser� o futuro da poesia – e a revista pode ser um lugar para se investigar isso.
Victor: Acho que � uma �tima provoca��o que vale mais pelo que podemos pensar sobre ela, e menos talvez que pelo que diz efetivamente. E talvez n�o seja uma resposta t�o pessimista quanto parece porque ele antev� um futuro, mas n�o um futuro “grande”. Nesse caso, podemos pensar tamb�m sua provoca��o pelo que tem de afirmativo: “Antevejo um pequeno futuro para a poesia”. Nesse caso eu concordaria perfeitamente. Acho que a poesia � o lugar do pequeno – da pequena dimens�o, dos pequenos gestos, dos segredos bem guardados.
Gustavo: Creio que a pr�pria obra do Manuel de Freitas, poeta, editor e tradutor muito consciencioso, pode ajudar a compreender a dimens�o (e o paradoxo) desse diagn�stico. Se a grandeza liter�ria do passado hoje se confunde com os n�meros de vendas de livros ou com a distribui��o de likes nas redes sociais, se a qualidade de um poeta parece tantas vezes perigosamente pr�xima do elitismo e das f�rmulas vazias de uma cultura de superf�cie, os versos de Freitas e os livros editados por ele s�o o avesso disso.
Escritos e publicados quase �s sombras, em tom menor, e voltados para os res�duos do mundo e para lugares e personagens apagados, a poesia do autor, e de tantos outros, em Portugal e em toda parte, continua a ser feita e a pulsar, lan�ando um olhar agudo sobre as coisas, se inscrevendo como um discurso � margem, uma esp�cie de antimercadoria fundamental. Se h� futuro, n�o sei, e o pr�prio Freitas n�o afirma categoricamente sim ou n�o. Mas se houver, � poss�vel que passe por essa condi��o cr�tica e menor, de recusa � espetaculariza��o geral da vida.
Escritos e publicados quase �s sombras, em tom menor, e voltados para os res�duos do mundo e para lugares e personagens apagados, a poesia do autor, e de tantos outros, em Portugal e em toda parte, continua a ser feita e a pulsar, lan�ando um olhar agudo sobre as coisas, se inscrevendo como um discurso � margem, uma esp�cie de antimercadoria fundamental. Se h� futuro, n�o sei, e o pr�prio Freitas n�o afirma categoricamente sim ou n�o. Mas se houver, � poss�vel que passe por essa condi��o cr�tica e menor, de recusa � espetaculariza��o geral da vida.
O que pode a poesia no presente do Brasil? E o que pode uma revista de poesia?
Ouri�o: Ainda n�o sabemos bem o que pode uma revista de poesia hoje, mas o nosso objetivo � derrubar o atual presidente.
Dois poemas
Sebasti�o Uchoa Leite
“Vinde �guas”
Ou metais alcal�nicos
Por dentro
Lavar as v�sceras
Envenenadas
Em sorvos
De fios de prata
De alma lavada
Com o corpo
Seco e oco
Sem nada
Limpo
***
Manuel de Freitas
“1979, Leonard Cohen”
Era bem claro, nessa noite,
o quanto a sua m�sica
se afastava de other forms
of boredom advertised as poetry,
den�ncia que se mant�m v�lida.
N�o ser�o b�ssolas duradouras
– tudo, enfim, falece –,
mas s�o palavras que nos protegem
da avalanche dos dias e dos meses,
destas poucas horas a que chamamos nossas.
Uma maneira de voltar a morrer?
Talvez,
quando at� nas cinzas encontramos lume.

“Ouri�o”
Revista de poesia e cr�tica cultural. N�mero 1 – “arrancar alegria ao futuro”
Edi��o de Daniel Arelli, Gustavo Silveira e Victor da Rosa
Design de L�o Passos
Edi��es Macondo
192 p�ginas
R$ 42 (pr�-venda at� o dia 22)
Pode ser comprada pelo site edicoesmacondo.com.br/livrarias
Quem participa da edi��o
Alain Badiou, Ana Martins Marques, Andr� Vallias, Augusto de Campos, Carlito Azevedo, Carlos Orfeu, Carolina Anglada, Cecilia Vicu�a, Celia Pedrosa, Clarice Filgueiras, Daniel Arelli, Diego Vinhas, Dirceu Villa, Eduardo Sterzi, Eduardo Veras, Enrique Lihn, Esther Tellemann, Fabiana Carneiro da Silva, Fabiano Calixto, Francesca Cricelli, Francine Ricieri, Fr��a �sberg, Golgona Anghel, Guillaume M�tayer, Gustavo Silveira Ribeiro, Hans Magnus Enzensberger, Jean-Marie Gleize, J�lio Casta�on Guimar�es, La�s Araruna de Aquino, Leila Danziger, Lenora de Barros, L�gia Diniz, Luci Collin, Manuel de Freitas, Marcos Siscar, Mari Ruggieri, Mar�lia Garcia, Nat�lia Agra, Patr�cia Lavelle, Patr�cia Lino, Patti Smith, Pedro Lemebel, Pollyana Quintella, Ra�l Zurita, Renato Negr�o, Ricardo Aleixo, Ronald Polito, Sebasti�o Uchoa Leite, Simone Homem de Melo, Sofia Mariutti e Victor da Rosa.