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Estado de Minas ROMANCE

Juli�n Fuks tra�a o mapa do romance

Autor de livros premiados como 'A resist�ncia' lan�a ensaio sobre a trajet�ria de um dos g�neros mais populares da literatura


20/08/2021 04:00 - atualizado 20/08/2021 08:02

Romance � tudo aquilo que escapa � defini��o de romance. Se h� uma caracter�stica do romance enquanto forma que prevalece em toda abordagem que se faz para tentar defini-lo � a de que n�o � poss�vel cont�-lo em quaisquer medidas. Ele sempre escapole pelas beiradas, num transbordamento que n�o cessa de se mostrar imperme�vel a defini��es.

O divertido nisso � que muita gente siga na tentativa de a�ambarcar, criar as fronteiras que deem alguma medida minimamente justa. O mais recente a fazer isso � o muito qualificado romancista Juli�n Fuks (autor de romances premiados como “A resist�ncia”), que acaba de publicar “Romance: hist�ria de uma ideia” (Companhia das Letras).

Na breve advert�ncia que antecede o estudo, ele postula que nenhum cr�tico, te�rico, historiador ou romancista “jamais escrever� a hist�ria do romance”. Depois, em clave humilde:“Sou apenas um romancista”. Para dizer, em suma, que tamb�m se apresenta para discutir a hist�ria dessa forma t�o sedutora. O fato de no Brasil serem raros os ficcionistas que se aventuram a escrever ensaios ou estudos de f�lego d� ainda mais subst�ncia para o esfor�o de Fuks. O romance, aventura-se ele, “talvez seja outra palavra que o sonho humano alimenta, mas que n�o h� ningu�m que explique e ningu�m que entenda”.

O principal e talvez o que mais se encontra no cerne do problema da tentativa de defini��o � a armadilha de tentar enxergar o romance como experimento realista, cujo recorte se d�, portanto, a partir do texto de Cervantes, ou seja, o in�cio do s�culo 17. A primeira parte do Quixote foi publicada em 1605. � o que reza e prega a tradi��o de estudos da forma romance, cujas principais refer�ncias (nesse recorte) aparecem no texto de Juli�n Fuks: Ian Watt e Georg Luk�cs, principalmente, com uma ligeira pincelada em Sandra Guardini Vasconcelos.

A sa�da estrat�gica de colocar todas as defini��es entre aspas e manter distanciamento c�tico n�o impede Fuks de arregimentar argumentos para tra�ar caminho s�lido no que seria trilha segura de defini��o do romance: ascens�o, apogeu, queda espetacular e reascens�o poss�vel. Num processo de pensamento que vai e volta a dar e desatar n�s, a certa altura ele escreve: “� poss�vel, como seria de se prever, que apogeu e crise n�o se distingam tanto assim, que a crise venha a ser uma forma extrema de apogeu”.

Escala grandiosa

Nesse ponto das macronarrativas da forma romance, a argumenta��o se sustenta bem. O risco que se corre, e se correm sempre riscos quando se se aventura a escrever a respeito do romance, � passar por cima de temas cruciais para a hist�ria. “O romance”, escreve, por exemplo, Thomas Pavel em “As vidas do romance”, “evoluiu de uma tens�o entre a tend�ncia de idealizar o comportamento humano e o desejo de censur�-lo”. �tico e elevado, de um lado.

De outro, rebaixado, voltado para as partes inferiores e ris�veis (mas que leva o riso a s�rio, por certo). N�o � toa, Steven Moore escreveu uma hist�ria alternativa do romance, que vai em dire��o de e para em 1600, ou seja, �s v�speras do que Cervantes e o realismo subsequente t�m para apresentar e que �, no fundo, apenas parcela da hist�ria. � pena que n�o se tenha conclu�do em portugu�s o projeto do lan�amento dos cinco volumes organizados por Franco Moretti sobre o romance — apenas o primeiro saiu pela extinta Cosac e Naify, “A cultura do romance”.

Na apresenta��o geral, Moretti decreta o romance a primeira forma simb�lica de fato mundial: “Uma f�nix que onde quer que se encontre sabe retomar o voo”. S�o vis�es e posturas que se multiplicam para tentar encontrar pelo menos as franjas do que � essa forma t�o male�vel. Nesse sentido, a decis�o de Fuks � relativamente conservadora e cautelosa, em geral. Colocar tudo sob suspeita, apontar a decis�o de fazer isso e depois tecer as an�lises que julgar convenientes. Em boa parte do texto, ele levanta aspas para dizer que o componente de provisoriedade � talvez o que se sobressai.

Por exemplo, mesmo se entendendo que o romance � forma que se associa facilmente � ascens�o da burguesia como classe (e ociosa ainda por cima, portanto, com tempo para leituras), algumas aus�ncias s�o facilmente critic�veis no estudo de Fuks. Como situar nessa trajet�ria o experimento tanto de um Fran�ois Rabelais na Fran�a (e a nova e mais recente tradu��o de “Pantagruel e Garg�ntua”, lan�ada pela Editora 34, est� na pra�a para relembrar todos da centralidade acachapante desse livro e implicaria tratar com maleabilidade maior inclusive a distin��o did�tica que se faz entre romance e novel) como de um Laurence Sterne na Inglaterra (o seu “A vida e as opini�es do cavalheiro Tristram Shandy” � incontorn�vel.

Ainda mais porque � sistematicamente relegado em boa parte dos estudos, mas n�o s�: pela per�cia com que se apresenta como antirromance, o que o torna talvez o maior, sen�o o melhor romance do s�culo 18, por cima dos Daniel Defoe, dos Henry Fielding e dos Samuel Richardson de plant�o), ou ainda, como esquecer, no s�culo 19, a postura desafiadora e dif�cil do Marqu�s de Sade para al�m da postura pessoal libert�ria, mas com contribui��es para a forma (ou melhor, para o conte�do, no caso, inclusive com os perigos que isso acarreta) do romance? Claro, seria f�cil ficar apenas com as indica��es do que falta, porque sempre falta muito, mais do que � poss�vel comparecer. Fuks � o primeiro a reconhecer o pormenor essencial.

O melhor vem por �ltimo

No entanto, h� outro lado, bom e inovador, desse “Romance: hist�ria de uma ideia”, que se sobressai. Qual seja: a chegada al�m da segunda metade do s�culo 20. Em geral, os estudos param na primeira metade, tecem loas, o que � f�cil, �s inova��es de Marcel Proust, James Joyce, Thomas Mann etc. (outro esquecimento fatal: Kafka) e ignoram o que vem em seguida, como se a hist�ria do romance tivesse realmente se conclu�do em algum momento por ali.

O �ltimo cap�tulo, “A reascens�o poss�vel”, � de longe o melhor, justamente porque Fuks resolve esquecer por um momento a tradi��o e pensar com as pr�prias ideias e alguma l�gica — nunca � demais apreci�-la. Como se, por fim, estivesse seguro para dizer a que veio. Acredita na capacidade de o romance n�o ceder aos apelos que apontam seu esgotamento ou fim, o que n�o � exatamente novidade, mas enfim aposta na capacidade do romance de se renovar e mostra leitura acurada tanto do argentino Macedonio Fernandez nessa trajet�ria (na verdade, a t�tulo de precis�o, essa an�lise se d� no pen�ltimo cap�tulo, mas a ponte com esse �ltimo cap�tulo se sustenta, de todo modo), quanto das diabruras do nouveau roman franc�s (e infelizmente passa por cima da importante experi�ncia alcan�ada pelo grupo OuLiPo, tamb�m franc�s, o que � pena), do real maravilhoso latino-americano, para, por fim, desembocar no romance h�brido de W. G. Sebald e de J. M. Coetzee e extrair da� as potencialidades interessantes que o romance sempre reencontra no caminho de se renovar a cada vez em que � amea�ado de extin��o, ou seja, toda semana. A verdade � que a hist�ria do romance � t�o inesgot�vel que se parece com aquela met�fora borgiana: o mapa tem o tamanho do territ�rio.  

TRECHO
“Do paradoxo partimos, o paradoxo vimos reproduzir-se em tantos momentos, no paradoxo encontro meu caminho para encerrar este texto. Paradoxalmente, � pela depend�ncia extrema �s circunst�ncias de sua escrita que o romance se faz uma forma em muta��o constante, em evolu��o permanente, sujeita tanto �s convuls�es do presente quanto � passagem impreter�vel do tempo. T�o profunda � sua historicidade que quase se pode extrapolar o argumento e dizer que o romance se eterniza, j� que a hist�ria jamais se det�m e convoca um discurso que a acompanhe a cada nova d�cada,a cada novo s�culo. E t�o amorfo se faz o g�nero ao longo de todo esse processo que n�o ser� dif�cil chamar de romances os novos discursos que o tempo exigir.” 


“Romance: hist�ria de uma ideia”
Juli�n Fuks
Companhia das Letras
244 p�ginas
R$ 47,90


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