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Estado de Minas VERSOS

Os versos de um mestre: Jacyntho Lins Brand�o estreia na poesia

Um dos tradutores mais respeitados do Brasil, professor em�rito da UFMG re�ne seus versos em um livro 'escrito pelo vi�s de uma percep��o pessimista do mundo'


01/10/2021 04:00 - atualizado 01/10/2021 08:05
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Jacyntho Lins Brand�o, ocupante da cadeira 25 da Academia Mineira de Letras: sonetos e versos livres (foto: Lucas Negrisoli/EM/D.A.Press)

Professor em�rito da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Jacyntho Lins Brand�o � um profundo conhecedor da poesia cl�ssica. Estudioso da literatura antiga, a erudi��o marca a escrita do pesquisador, romancista e tradutor. Um dos nomes mais respeitados do Brasil no campo liter�rio, aos 69 anos, ele se permitiu experimentar. Estreia na poesia com “Mais (um) nada” (Editora Quixote+Do), obra lan�ada em live da editora na segunda-feira (20/09), com a media��o do fil�sofo Eduardo Dolabela e participa��o do presidente da Academia Mineira de Letras, Rog�rio Tavares. Entre as virtudes do livro, como o apuro na forma e riqueza de ritmo, salta aos olhos a prova de amor � fam�lia que a obra reflete.

Jacyntho conta que prefere as formas fixas, como os sonetos, mas n�o temeu se arriscar nos versos livres. “A diversidade � uma virtude. A diversidade de temas e a diversidade de formas. N�o separo tema da forma. A forma constr�i o tema. Para express�o de cada ideia, cada afeto, � preciso buscar a forma adequada”, disse o autor em entrevista ao Pensar.

Embora escrito em 2019, o livro parece ter sido preparado para o momento de perda coletiva vivido pelo Brasil e o mundo. Nas palavras do autor, “um livro grave. Ele tem vi�s da percep��o do mundo, que � pessimista”. Jacyntho segue tradi��o desde os babil�nios, passando pelos livros sapienciais e os cl�ssicos gregos. “O livro traz reflex�o que se aplica a este momento de perda, reflex�o sobre o nada, a efemeridade das coisas humanas. Se isso colabora para dar perspectiva para o leitor, meu objetivo de escrever est� bem realizado”, afirma.

Para o fil�sofo Eduardo Dolabela, leitor dos textos acad�micos de Jacyntho, com a poesia, o professor desce ao submundo e, ent�o, retorna, com sabedoria e amor, para partilhar a experi�ncia. “‘Mais (um) nada’ � uma jornada po�tico-existencial que, de um ‘mergulho na obscuridade’, culmina em excelsa celebra��o da vida: ‘Colhe teu dia: vai: lan�a-te: voa’. Renovando, com humor e fina ironia, a tradi��o imemorial dos deuses, her�is e poetas ‘xam�s’, como Ishtar, Ulisses, Orfeu, Jesus, Dante, Baudelaire”, afirma Eduardo.

O t�tulo da obra dialoga com verso de Cec�lia Meireles e com uma observa��o feita pela poeta Ana Martins Marques, que escreve uma das ore- lhas. Est� dividido em sete partes.  A parte “Soneto partido” � dedicada ao filho Pedro Guadalupe, que morreu muito jovem, v�tima de acidente automobil�stico quando voltava de uma viagem de trabalho com o jornalista Ronaldo Lenoir, que tamb�m faleceu. Nesse poema, Jacyntho exp�e a vertigem que � perder um filho: “sem mar, me afogo no salgado/sem p�, sem f�, n�o tenho engenho ou arte”.

A parte “Sete sonetos sobre (0) nada” ele dedica ao filho Bernardo, tamb�m poeta. Os poemas de “Topografias” s�o dedicados ao filho Fernando, que � f�sico. Tamb�m escreve poemas para a mu- lher, a fil�sofa Magda Guadalupe, em “Co- nhecete*atimesmo”.

A escrita de Jacyntho est� ligada ao trabalho de professor e pesquisador, que atuou na carreira acad�mica durante 41 anos, escrevendo ensaios e fazendo tradu��es da literatura grega. Ele reco- nhece que, nessas quatro d�cadas de UFMG, dedicou pouco tempo para a fic��o. “De dez em dez anos, publiquei algo de fic��o. Agora, depois de aposentado, tenho dedicado mais tempo para escrever literatura”, afirma. 

A poesia surge como experi�ncia in�dita. “� sempre bom ter coisas novas para fazer. A linguagem da poesia � bem diferente da experi�ncia em prosa, mesmo a ficcional, pela necessidade, concis�o de achar a palavra certa para cada ponto que est� sendo escrito. A palavra certa do que se quer dizer, pensando, inclusive, no impacto que isso ter� no leitor”, diz. Jacyntho destaca o papel dos leitores para completar o sentido dos versos. “A poesia � mais precisa, mas � mais aberta. Ela deixa que a obra fa�a sentido de um modo mais diversificado relacionado com a evid�ncia e expe- ri�ncia de quem l�.”
Mais (um) nada
Mais (um) nada (foto: Reprodu��o)

“Mais (um) nada”
• Jacyntho Lins Brand�o
• Quixote DO
• 88 p�ginas
• R$ 30

Poemas selecionados

Pro�mio

Sempre pensei poesia
Mas nunca versos escrevi:
Aquilo da coisa fria
Que baixa, noite do dia
Este dia eu j� perdi
Sempre pensei poesia
Mas nunca quase escrevi:
Minha vida � incompleta
Momento algum subsiste
Pra que ser alegre ou triste?
Sem metro haver que conserte
Quem somente n�o � poeta
Sempre pensei poesia
Escrev�-la pouco quis
Tristeza, g�udio se havia
Disso escapei por um triz
Escrevo n�o, sendo contente
Escrevo n�o, quando arrasado
Escrevo n�o, conscientemente
A quem diz: minto, digo: mente
Pois s� escrevo atrasado
Hoje quero � mais mudar-me
E vou fazendo este tanto
Sem plano, nenhum alarme
Sem saber fazer portanto
Desfazer-me a vida veio
Sem alarde, desencanto
Fico eu partido ao meio
Cada metade em mim arde
Quando baixa a coisa fria
Dia, tarde, noite escura
Sem achados, s� procura
Incompleta a vida fia
E s� poesia me resta
E s� poesia me apresta
E s� poesia me atesta
S� poesia me molesta
S� poesia

Sete sonetos sobre (o) nada 

III

aos trinta comecei este poema
pois muito e mais dois tantos sim queria
falar da experi�ncia que vivia
como se experi�ncia j� houvera
aos sessenta revi o meu poema
pois algo e pouco mais ent�o havia
do tempo, a dizer, que transcorria
posto pra mim em sua face austera
aos noventa desfio s� lembran�as
farrapos sem mem�ria em meu poema
de quem pouco a dizer se afian�a
e quando aos cento e vinte enfim me alcan�a
n�o ter nada a dizer que valha a pena
conquisto a bem buscada aventuran�a

Soneto part’ido

Ao Pedro
aquele que partiu e que me parte
a dia a dia: vou despeda�ado
sem mar, me afogo a seco no salgado
sem p�, sem f�, n�o tenho engenho ou arte
que caminho te tem arrebatado?
caminho em que nada se comparte
� lua, ou a teu sol, v�nus ou marte
� terra, a fundo, a mundo, a nada, a fado
lembran�as s� te n�o far�o presente
nem te pensar � coisa que me farte
estou aqui e lido co’o ausente
s� me resta fazer a minha parte:
desejo como s� quem perde sente
e a ti partido s� me resta amar-te

Marca d’�gua

Das marcas de nascen�a que carrego
– Uma mancha no dorso ningu�m v�
Um nariz adunco que –
Mais d�i a marca d’�gua que nesta alma
Que n�o sei qu�
Das marcas de nascen�a que me marcam
A mais funda eu sei que desconhe�o
Aquela que me vem desde o come�o
De n�o sei quando
Pra mim quando nem mesmo quando havia
Nem fim, nem come�o e o que h� no meio
Essa marca da falta que me veio
Marcou-me onde
Falta de qu�, quando e o que se esconde
Falta por que meu corpo n�o responde
Falta de mim, ard�ncia, falta expressa
N�o sei por qu�
Das marcas de nascen�a em mim impressas
Cabe�a esguia, m�os de mo�a – � o que pergunto –
Mais o nariz adunco – do conjunto
Que me marca
A marca de nascen�a que me abarca
Pura falta pra mim � uma senten�a
Falta pura de que simples presen�a
J� me encal�a
O desejo de viver

Antibandeira

O teu seio que em minha m�o
esteve nunca, o meu poema
trunca! n�o h� Plat�o que o diga,
de modo que se o siga:
a n�o ideia do seio de ningu�m.


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