
Maria In�s de Almeida afirma que “h� uma poesia ind�gena exalada da pr�pria paisagem mineira” e comenta o assassinato do indigenista Bruno Pereira.
A senhora � sogra do indigenista Bruno Pereira. O que representa para o pa�s o assassinato brutal de Bruno e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari?
Como a maioria das pessoas, reitero que esse assassinato representa para o Brasil inteiro, para n�s todos, independentemente de trabalharmos com ind�genas ou n�o, um sinal de alerta muito forte: n�s n�o estamos prestando aten��o no que os governantes, no que o Estado brasileiro, est� fazendo com a sociedade e com os nossos biomas.
Pois n�o � s� a Amaz�nia, mas tamb�m o cerrado, a Serra do Curral, a Serra do Cip�... Todos os biomas brasileiros est�o amea�ados e todas as lideran�as, como foi Bruno, que mant�m atividades de defesa desses biomas, est�o sendo mortas de uma forma ou de outra, assassinadas a mando do pr�prio Estado, pois se n�o � a mando, � por falta de prote��o, o que d� no mesmo. Ent�o, representa sinal de alerta que ou mudamos nossa vida, no sentido de levar a s�rio a quest�o ambiental, ou ent�o esse caos social que estamos vivendo vai crescer e ficar insustent�vel.
Como dizem os mitos ind�genas, o mundo acaba mesmo, o nosso mundo dos humanos, a nossa civiliza��o est� entrando em colapso. E a morte do Bruno foi t�o sentida, pois todo mundo escutou esse grito de alerta. E por outro lado, foi lindo o que ficou da imagem dele, o que legou aos meus dois netinhos, que v�o ter � o canto dele na floresta. S�o duas crian�as, de 2 e 4 anos.
Qual � a situa��o dos ind�genas sob o governo Bolsonaro?
Outro grito de alerta que precisamos prestar aten��o. O governo Bolsonaro, acompanho de perto o caso dos ind�genas do Acre, onde estou vivendo atualmente, est� colocando muito dinheiro na m�o de mission�rios evang�licos e de pol�ticos do interior para o convencimento, compra de votos e de apoio das lideran�as ind�genas.
Muitos est�o sendo enganados para entregarem suas terras. Est�o tentando convencer os ind�genas de que vida boa � dentro da sociedade de consumo. Que os modos de vida tradicionais significam pobreza. E o que est�o fazendo? Tentando convencer os ind�genas que devem trocar as suas terras por mercadorias, que devem deixar a explora��o de min�rio, de madeira, acontecer dentro dos seus territ�rios.
O que determina mesmo o ser �ndio � estar na sua terra. Se conseguirem manter as terras, acredito que essa quest�o das miss�es v�o e v�m. Os ind�genas j� tiveram tanto ass�dio de mission�rios religiosos de v�rias seitas e muitas vezes isso n�o afeta tanto, desde que a pol�tica do Estado n�o os leve a perder os seus costumes e a sua l�ngua. Mas o problema � que estamos tendo ass�dio massivo dos mission�rios evang�licos e a pol�tica de arrasar tudo do governo Bolsonaro.
Se esses povos perderem as suas terras, v�o para as cidades virar favelados. V�o deixar de ser �ndigenas As pr�prias lideran�as ind�genas dizem: as formas de vida dos povos ind�genas t�m a ver com os seus respectivos territ�rios. O Huni Kuin n�o vai conseguir viver como Huni Kuin fora da floresta amaz�nica, onde est� o rio que alimenta h� s�culos os seus ancestrais.
O que representa para a literatura ind�gena o dossi� tem�tico da revista da Academia Mineira de Letras, que, sob o t�tulo “Poesia Ind�gena de Minas Gerais”, integra a edi��o comemorativa dos cem anos da revista?
Um marco hist�rico da abertura da Academia Mineira de Letras para o que chamo em meus estudos de textualidades ind�genas: n�o se trata apenas da escrita, mas sobretudo dos textos que tradicionalmente, desde tempos imemoriais, os ind�genas v�m produzindo e transmitindo, os textos orais, os cantos, as dan�as, as pinturas, os grafismos, as formas n�o alfab�ticas de escrita.
Tudo isso comp�e o que eu chamo genericamente de literatura ind�gena. Isso representa n�o apenas abertura da academia para povos ind�genas – que ali�s acaba de eleger um acad�mico ind�gena –, como tamb�m para outras linguagens que n�o a escrita erudita. A academia est� se expandindo, para al�m de seus pr�prios muros, ampliando a sua abrang�ncia social. N�o � mais uma institui��o da elite intelectual, mas uma institui��o do povo mineiro, em sua diversidade.
Como foi o seu trabalho neste dossi�?
Procuramos frisar, desde o t�tulo “a poesia ind�gena de Minas Gerais”, ao inv�s de “a poesia ind�gena em Minas Gerais”, que h� uma poesia ind�gena que � exalada da pr�pria paisagem mineira, que vem da Mata Atl�ntica, dos rios, que vem do cerrado, que vem das Gerais, da quase caatinga do Norte de Minas.
Essa poesia que vem da paisagem est� nas l�nguas dos povos origin�rios, que nasceram nestas paisagens. E, por isso, a poesia � de Minas Gerais, � da paisagem e � transmitida pelas l�nguas e linguagens ind�genas. Estamos falando do sentido amplo do termo poesia, n�o apenas de versos, mas da po�tica.
Convidei Ailton Krenak para organizar esse dossi� comigo. Felizmente, ele aceitou, at� por causa de nossa hist�ria de trabalhar h� muitos anos juntos, por exemplo, nos “Di�logos Interculturais”, em 2006, e, antes, no programa de implanta��o das escolas ind�genas de Minas Gerais. Retiramos, para a Revista da Academia, Ailton e eu, uma antologia das publica��es de livros escritos pelos ind�genas de Minas Gerais.
Desde 1996, n�s, pesquisadores da UFMG, no n�cleo de pesquisa Literaterras, da Faculdade de Letras, estamos editando e publicando livros de autoria ind�gena nas v�rias l�nguas. Eu mesma coordenei, entre 2005 e 2013, um projeto financiado pelo FNDE/MEC de produ��o, edi��o e distribui��o de obras de autoria ind�gena no Brasil inteiro. Publicamos cerca de 130 t�tulos de autoria de ind�genas de todas as regi�es do Brasil.
Ailton Krenak assina, nesta revista, o texto in�dito “O livro da V� Laurita”. O que V� Laurita representa para a literatura ind�gena?
Eu sabia que Ailton Krenak tem este livro in�dito, escrito h� alguns anos, o “Livro da V� Laurita”. Ela foi uma figura representativa da poesia ind�gena de Minas Gerais, uma das guardi�s da l�ngua Krenak. Era professora de cultura, ensinou a l�ngua para os mais jovens e foi muito importante no processo da implanta��o da escola ind�gena na Terra Ind�gena Krenak, no munic�pio de Resplendor.
Achei que era uma oportunidade de homenagear essa figura hist�rica, important�ssima para Minas Gerais. Temos de reconhecer, que Laurita, ao falecer, � como se tivesse fechado uma grande biblioteca. Ela � sogra do Ailton, m�e da Irani, e como nas fam�lias ind�genas a matriarca assume o papel de m�e de todo mundo, tamb�m era m�e do Ailton, no sentido de fam�lia extensa.
Ent�o, era uma pessoa muito importante para todos os Krenak, era a grande refer�ncia, como percebi ao trabalhar, por muitos anos, na forma��o dos professores e na implanta��o da escola Krenak.