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Estado de Minas PENSAR

De volta ao presencial, mostra Cine BH traz Am�rica Latina como condi��o

S�o 17 longas-metragens de 10 pa�ses da Am�rica Latina, falados em diversas l�nguas, n�o somente em portugu�s e espanhol


23/09/2022 04:00 - atualizado 22/09/2022 23:31

Frame do filme 'Eami'
Filmes como o paraguaio "Eami", sobre povo que deve migrar de selva no chaco, est�o sendo exibidos pela primeira vez em telas brasileiras (foto: Paz Encina/Reprodu��o)

Ap�s dois anos em formato on-line, Belo Horizonte recebe novamente a CineBH, em diversos pontos da cidade. S�o 17 longas-metragens de 10 pa�ses da Am�rica Latina, falados em diversas l�nguas, n�o somente as oficiais das gram�ticas de matrizes ib�ricas (o portugu�s e o espanhol). A maior novidade da programa��o da 16ª Mostra CineBH � o segmento latino-americano chamado Continente. N�o � um nome qualquer. Pressup�e que existe, al�m de uma geografia nominada Am�rica Latina, composta de 20 pa�ses entre M�xico, na Am�rica do Norte, e o Uruguai, no Sul da Am�rica do Sul, outros la�os de aproxima��o. 

Por que enfatizar os cinemas da Am�rica Latina, mesmo mantendo uma programa��o predominantemente de filmes brasileiros? Como n�o realizar apenas mais um evento brasileiro concentrado no cinema latino-americano? De que modo encarar essa mudan�a no perfil do evento como atitude de responsabilidade com aud�cia? Como n�o tratar o cinema destas bandas como um universo de vulnerabilidades a serem defendidas porque s�o vulner�veis? Como n�o deixar de esperar arte mesmo quando esta arte tem um papel pol�tico menos ou mais incisivo em seu modo de se apresentar?

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S�o perguntas constantes e devem permanecer sendo feitas. Lidar com os cinemas latino-americanos significa de princ�pio encarar uma rede de contradi��es, complexidades, dificuldades, persist�ncias, filtros, conceitos, imprecis�es e desconhecimentos. O pr�prio conceito de latino e de latinidade j� seria suficiente para um extenso semin�rio. Estar�amos assumindo uma no��o europeia de matriz romana? N�o existem respostas f�ceis e �nicas na Am�rica Latina.

N�o existe muita coisa por aqui. Nem sequer um observat�rio do cinema da Am�rica Latina, com dados dos diferentes pa�ses e informa��es reunidos em um mesmo lugar. S�o raras as revistas e sites espec�ficos de cinema latino-americano. Alguns pa�ses ainda engatinham em suas organiza��es internas e institucionais de cinema. Estamos t�o perto e t�o longe, sobretudo quando se olha e se sente a partir do Brasil. Continua sendo uma miss�o, mais que profiss�o, fazer cinema em v�rios pa�ses.

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Somos latinos. Por qu�? H� muitas especificidades no interior de cada pa�s, multiplicidades culturais acima da no��o de unidade nacional ou continental, mas essas particularidades comp�em um bloco interconectado. H� familiaridade nas consequ�ncias a longo prazo dos processos colonizat�rios impostos por europeus, com explora��o de m�o de obra escrava para efetuar a depreda��o dos solos pela extra��o de min�rios e pelo cultivo de cana-de-a��car. 

Mostra Continente porque, se o nome une, n�o homogeneiza. N�o se trata de unidade �tnica ou de territ�rio geogr�fico. Am�rica Latina � uma condi��o estruturante em sua radical heterogeneidade. A latinidade � um mix cultural, �tnico e idiom�tico. Ser latino n�o � ser descendente de europeus de l�nguas latinas, como portugueses, espanh�is, italianos e franceses, mas integrar uma sociedade de afeta��es e fric��es culturais. Apesar da m�o pesada da coloniza��o ib�rica, os poderes nunca apagaram os desvios e resist�ncias.

Esse mix cultural � de longa data, desde mais de 2 mil anos, e tem origem na “contaminante” expans�o do latim como l�ngua de unidade das diferen�as ao longo do Imp�rio Romano, nas proximidades do marco zero crist�o e em seu primeiro s�culo, com adapta��es da l�ngua oficial �s particularidades de cada l�ngua local e de cada sotaque, assim criando um latim multifacetado, sem a rigidez do latim oficial. Portanto, se os europeus de l�nguas derivadas do latim n�o se consideram latinos, t�m raz�o. Latinos e latinas s�o as sociedades baseadas nas misturas nem sempre harm�nicas entre diferen�as 

A no��o de latino-americano que nos interessa, portanto, n�o � a de evoca��o geneal�gica dos colonizadores europeus, nem sequer o sentido pejorativo de cidad�o de segunda classe da geopol�tica, com sua coloca��o entre as sociedades mesti�as e atrasadas. Ser latino ou latina � ser fruto de um caldeir�o onde muita coisa foi misturada a gosto e a contragosto, criando uma zona de instabilidades c�clicas e um solo f�rtil de inven��es, justamente a partir da condi��o de habitante de uma terra dizimada em muitas circunst�ncias

No cinema latino-americano, sobretudo nas co-produ��es internacionais com fundos europeus, uma quest�o se imp�e com for�a, embora �s vezes naturalizada demais. Em nome da internacionaliza��o da produ��o, do financiamento e da exibi��o, h� risco de submiss�o aos padr�es da Europa rica. Ou de se comportar e criar como se a internacionaliza��o fosse uma batalha por uma senha de acesso. Uma internacionaliza��o da Am�rica Latina n�o pode se dar de fora para dentro, decidida mais uma vez pela Europa. Um dos caminhos alternativos s�o as parcerias cinematogr�ficas entre empresas e institui��es de diferentes pa�ses da pr�pria Am�rica Latina. 

O questionamento sobre quais os tipos de internacionaliza��o para os filmes da Am�rica Latina � complementado pelo questionamento sobre quais os tipos de latinidade implicada nesta internacionaliza��o. Percebe-se uma const�ncia de personagens enredados em quest�es violentas por diferentes raz�es. Alguns circulam bem pelos festivais com a exposi��o �s vezes espetacular das dores e dos sofrimentos. Tentamos nos desviar no processo de sele��o e programa��o desses casos nos quais os c�digos para obter a senha internacional s�o gritantes para lograr �xito na aceita��o. 

A programa��o acentua em sua arquitetura desvios mais evidentes e mais discretos em rela��o a essas senhas de acesso �s palmas dos europeus (franceses especialmente), resultado de um conjunto de diretores e diretoras em seus primeiros filmes e com menos de 40 anos na maioria dos casos. Parte dos filmes circulou por festivais importantes, outros circularam menos, v�rios tiveram apoios p�blicos nacionais, outros foram realizados � margem das institui��es do Estado. 

A maioria dos filmes est� sendo exibida pela primeira vez em telas brasileiras. � uma rara circunst�ncia prop�cia para se olhar com outros olhos essa produ��o que ora confirma alguns pressupostos de se viver por estes lados e ora surpreende por lidar com as situa��es narrativas sem lutar para parecer um filme de seu pa�s. Belo Horizonte tem assim um novo perfil de mostra de cinema para ser descoberto em suas sutilezas.


* Cleber Eduardo � cr�tico de cinema e curador da 16ª edi��o da mostra CineBH


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