
O bolsonarismo em disson�ncia cognitiva coletiva se aproxima de um momento traum�tico: o choque frontal com a realidade. A avalia��o � do ensa�sta Jo�o Cezar de Castro Rocha, professor titular de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), autor de livros como “Guerra cultural e ret�rica do �dio” (Editora Caminhos) e estudioso do comportamento da extrema direita no Brasil. Ele lembra que centenas de grupos de WhatsApp e Telegram mantidos para apoiar Jair Bolsonaro fizeram circular a not�cia falsa de que, ao final de m�ticas 72 horas ap�s a proclama��o da vit�ria eleitoral de Lula – encerradas nesta quinta-feira, 3 de novembro - as For�as Armadas agiriam e, por meio de um golpe, manteria Bolsonaro no poder.
“Como a profecia falhou, a primeira rea��o � a racionaliza��o do fracasso. � o que est�o fazendo quando tentam buscar justificativas em leituras das mensagens de Bolsonaro pretensamente cifradas. E o que acontecer� quando a profecia falhar outra vez? Creio que haver� uma di�spora da maioria. Restar� um n�cleo radicalizado que seguir� at� as �ltimas consequ�ncias”, considera o pesquisador, assinalando que esse n�cleo dever� ser criminalizado e responsabilizado: “A maior parte tender� a se afastar, porque profecias que n�o se cumprem em algum momento se esgotam: n�o � poss�vel eternamente racionalizar ou adiar a sua realiza��o”.
Confirmando a an�lise do pesquisador sobre a cria��o de uma realidade paralela, foram registradas nos �ltimos com rea��es extremas de apoiadores do atual presidente da Rep�blica, derrotado nas urnas no �ltimo domingo. Alguns vibraram, se ajoelharam e at� choraram com a leitura do “of�cio” que informava a “pris�o” de Alexandre de Moraes, - o que nunca ocorreu; anunciaram a “elei��o de Bolsonaro com 61% dos votos”, o que, por �bvio, tamb�m jamais aconteceu. Outros bolsonaristas tamb�m chegaram a orar, em rodovia federal, para um pneu ao centro do c�rculo da f�.
“Todos esses epis�dios s�o a demonstra��o concreta de que essas pessoas n�o est�o em erro. Mas recordando a distin��o de Freud, est�o em ilus�o, pois a ilus�o � sempre a proje��o do pr�prio desejo”, acredita Castro Rocha, em refer�ncia ao ensaio de psicologia social “O futuro de uma ilus�o”, em que o pai da psican�lise demonstra que o erro est� no campo do objetivo e pode ser demonstrado. Contudo, para compreender a sociedade, o importante � compreender a ilus�o, a proje��o de um desejo. “Quando estou diante da ilus�o, pouco importa se posso demonstrar para a pessoa iludida que do ponto de vista objetivo, h� um erro. Trata-se da proje��o de um desejo. E o desejo � de que as teorias conspirat�rias e as fake news que circulam na midiosfera extremista, e que s�o confirmadas pela r�dio Jovem Pan, sejam a verdade”, lembra o pesquisador.
Para Jo�o Cezar de Castro Rocha, na din�mica pr�pria desses movimentos messi�nicos, se h� um l�der que muito promete e nunca cumpre, o pr�prio l�der pode se tornar o bode expiat�rio dos seguidores. “Talvez estejamos assistindo a um momento dram�tico, em que os bolsonaristas se revelar�o mais radicais e corajosos do que o covarde presidente. O presidente � um covarde, que s� pensa em salvar a pr�pria pele e a fam�lia. O presidente est� usando a radicaliza��o dos bolsonaristas fanatizados pela midiosfera extremista para ter um poder de barganha maior e tentar obter algum tipo de imunidade jur�dica”, avalia o estudioso do comportamento da extrema direita.
A seguir, a entrevista de Castro Rocha com uma an�lise do que foi registrado no pa�s logo ap�s o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decretar a vit�ria de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), ainda na noite do �ltimo domingo.

O que mais o impressionou na midiosfera bolsonarista ap�s a vit�ria de Lula nas urnas?Epis�dios como a rea��o �s not�cias falsas como a 'pris�o' de Alexandre de Moraes e o grupo que reza para o pneu no meio da estrada s�o a demonstra��o concreta de que essas pessoas n�o est�o em erro. Recordando a distin��o de Freud, eles est�o em ilus�o, pois a ilus�o � sempre a proje��o do pr�prio desejo
A nossa hip�tese de pesquisa para o diagn�stico se refor�a. H� um fen�meno in�dito, que � a produ��o de disson�ncia cognitiva coletiva deliberada, por meio das facilidades propiciadas pelo universo digital e pelas redes sociais. Isso � feito no circuito interno de uma midiosfera extremista, um circuito comunicativo, em cujo interior milh�es de pessoas s�o aprisionadas e passam literalmente a viver numa realidade paralela. Todos esses epis�dios que mencionei - a “pris�o” de Alexandre de Moraes, a “elei��o” de Bolsonaro, o grupo que reza para o pneu no meio da estrada, todos eles, s�o a demonstra��o concreta de que essas pessoas n�o est�o em erro. Mas recordando a distin��o de Freud, est�o em ilus�o, pois a ilus�o � sempre a proje��o do pr�prio desejo. Ent�o esse diagn�stico, infelizmente, revelou-se muito acertado.
Em sua avalia��o, haver� algum momento que essas pessoas v�o compreender que a elei��o acabou e que Jair Bolsonaro perdeu?H� uma produ��o de disson�ncia cognitiva coletiva deliberada, por meio das facilidades propiciadas pelo universo digital e pelas redes sociais. Isso � feito no circuito interno de uma midiosfera extremista, um circuito comunicativo, em cujo interior milh�es de pessoas s�o aprisionadas e passam literalmente a viver numa realidade paralela.
Neste momento nos encontramos pr�ximos a um momento traum�tico. O problema de todo movimento messi�nico � que o messianismo implica em abrir uma porta a um futuro que deve chegar. Quando o movimento messi�nico � de tipo milenarista, quando afirma o fim dos tempos ou possui uma data exata em que o acontecimento decisivo e redentor deva ocorrer, o momento traum�tico � quando a data chega, e esse evento decisivo n�o ocorre. Isso aconteceu hoje (quinta-feira, 03 de novembro) no Brasil. Havia as m�ticas 72 horas: como proje��o do desejo de Bolsonaro permanecer no poder por meio de uma ditadura, difundiu-se nos grupos bolsonaristas de WhatsApp, que havia um prazo m�tico, depois do qual se a convuls�o social permanecesse, as For�as Armadas seriam obrigadas a agir, movidas por uma leitura terraplanista do artigo 142 da Constitui��o. � uma l�gica de alienista. A profecia falhou.
Sim, o livro � sobre um caso em Chicago, de 1954, quando a dona de casa, Dorothy Martin, alegava receber supostas mensagens de extraterrestre de um planeta chamado Clarion. Em torno dela formou-se a comunidade dos 7 Raios, que acreditava que em 21 de dezembro de 1954, ocorreria um dil�vio de propor��es b�blicas destruiria boa parte da Terra. Mas um disco voador salvaria os adeptos da comunidade. Na anunciada data, o disco voador n�o pousou e tampouco ocorreu o dil�vio. Martin anunciou, ent�o, ter recebido novas mensagens do planeta Clarion de que o dil�vio n�o ocorrera pela quantidade de energia positiva concentrada pelos integrantes da fraternidade. Em outras palavras, em lugar da profecia fracassar, o fracasso da profecia foi racionalizada e os adeptos da seita se tornaram salvadores do mundo.
Ent�o, estamos neste momento de uma situa��o traum�tica para o bolsonarismo: a profecia falhou, as primeiras 72 horas j� passaram, a primeira rea��o � a racionaliza��o, � o que est�o fazendo quando tentam buscar justificativas em leituras “cifradas” das mensagens de Bolsonaro. E o que acontecer� quando a profecia falhar outra vez? Creio que haver� uma di�spora da maioria e um n�cleo radicalizado que seguir� at� as �ltimas consequ�ncias. Esse n�cleo precisar� ser criminalizado e responsabilizado. E a maior parte, tender� a se afastar, porque profecias que n�o se cumprem em algum momento se esgotam, pois n�o � poss�vel eternamente racionalizar ou adiar a sua realiza��o.
E o mais importante: o objetivo da extrema direita � manter sob ass�dio permanente �s institui��es, a inten��o � desacredit�-las, pois a sociedade n�o aceitar� que desacreditadas, imponham freios e contrapesos � puls�o totalit�ria fundamentalista do bolsonarismo. Agora h� um segundo passo poss�vel, que est� no livro de Leo Festinger. Houve tanta cobertura da imprensa sobre o caso Martin, que se os organizadores da seita tivessem sabido explor�-la, n�o seria o final mas um novo come�o da seita, com uma expans�o do n�mero de membros pela pura exposi��o. Ent�o a m�dia n�o deve dar destaque a esses atos golpistas. Deixa isso para a Jovem Pan, pois o p�blico � da bolha.
O que pode ocorrer com o l�der messi�nico desses movimentos quando as profecias anunciadas nunca se cumprem?Na din�mica pr�pria desses movimentos, se h� um l�der que muito promete e nunca cumpre, o pr�prio l�der pode se tornar o bode expiat�rio.
Na din�mica pr�pria desses movimentos, se h� um l�der que muito promete e nunca cumpre, o pr�prio l�der pode se tornar o bode expiat�rio do movimento. Talvez estejamos assistindo a um momento dram�tico, em que os bolsonaristas se revelar�o mais radicais e corajosos do que o covarde presidente. O presidente � um covarde, que s� pensa em salvar a pr�pria pele e a fam�lia. O presidente est� usando a radicaliza��o dos bolsonaristas fanatizados pela midiosfera extremista para ter um poder de barganha maior e tentar obter algum tipo de imunidade jur�dica. Mas para fazer isso ele est� destruindo a vida de muitas pessoas. Muitas delas n�o se recuperar�o da vergonha do fracasso e muitas delas enfrentar�o pesadas consequ�ncias do ponto de vista jur�dico.
Os oficiais da Pol�cia Rodovi�ria Federal e das pol�cias militares estaduais que bateram contin�ncia para os atos golpistas dever�o ser expulsos de sua corpora��o. Muitos empres�rios que apoiaram ter�o de se explicar. � um movimento organizado: tem sistema de som com microfone nos bloqueios, h� uma log�stica de retaguarda, comida, �gua, telefones, contato permanente entre eles. Quem est� financiando? N�o � espont�neo. Quais s�o os empres�rios que est�o financiando? Ent�o a fam�lia Bolsonaro deseja usar as manifesta��es para obter alguma vantagem jur�dica.� um movimento organizado: tem sistema de som com microfone nos bloqueios, h� uma log�stica de retaguarda, comida, �gua, telefones, contato permanente entre eles. Quem est� financiando? N�o � espont�neo.
O presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deseja usar para barganhar o Or�amento secreto. Os partidos do Centr�o desejam usar para aumentar as negocia��es no futuro governo. Todos est�o usando as manifesta��es em interesse pr�prio. Quem no final vai ficar na ponta sem prote��o?
Os manifestantes org�nicos. Tirando uma minoria fanatizada, a grande maioria vai retirar agora o seu apoio a Bolsonaro, que ser� simbolicamente sacrificado. Ele j� fez isso em 7 de setembro de 2021, quando levou uma massa de pessoas para se fosse o caso, os manifestantes estavam dispostos a se sacrificar para impor uma ditadura. Bolsonaro voltou atr�s, assinou uma carta constrangedoramente escrita por Michel Temer e teve de ligar para pedir desculpas a Alexandre de Moraes. Agora, Bolsonaro j� voltou atr�s e pediu �s pessoas: “N�o pensem mal de mim”.
Qual o prop�sito dos atos dos bolsonaristas que bloquearam estradas e sa�ram �s ruas para protestar contra a elei��o de Lula?A extrema direita pretende manter o cotidiano da sociedade em permanente ass�dio para provocar ondas artificiais, com o prop�sito de transform�-las em realidade pol�tica e colonizar nosso pensamento. Vamos nos libertar. O governo de transi��o j� come�ou. � um movimento de uma minoria, que n�o tem condi��o objetiva de dar golpe e est�, cada vez mais, lan�ada ao rid�culo.
A extrema direita pretende manter o cotidiano da sociedade em permanente ass�dio para provocar ondas artificiais, com o prop�sito de transform�-las em realidade pol�tica e colonizar nosso pensamento. Vamos nos libertar. O governo de transi��o j� come�ou. � um movimento de uma minoria, que n�o tem condi��o objetiva de dar golpe e est�, cada vez mais, lan�ada ao rid�culo: primeiro celebraram a “pris�o” de Alexandre de Moraes, depois celebraram a “vit�ria de Bolsonaro com 61% dos votos”, depois rezaram para um pneu no meio de uma estrada. Ent�o � preciso celebrar a vit�ria da frente ampla da democracia, inundar as redes sociais e nosso imagin�rio com projetos de reconstru��o do pa�s, que pode, agora, se tornar a vanguarda mundial da preserva��o ambiental. Se isso acontecer, o Brasil muda, poder� obter recursos em propor��es inimagin�veis. Vamos celebrar. N�o vamos nos tornar ref�ns de uma minoria radicalizada, lobotomizada, que s� quer viver numa midiosfera extremista. Vamos fazer o contra-movimento de alegria, amor, utopia.