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Estado de Minas MAIS HIST�RIAS DE UMA MESMA F�

Hist�rias e li��es da B�blia em 'formato ap�crifos'

Considerados ap�crifos, evangelhos que n�o fazem parte do c�none oficial da B�blia ganham edi��o no Brasil


30/09/2023 04:00 - atualizado 30/09/2023 09:50
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Frederico Lourenço, da Universidade de Coimbra, Portugal
Frederico Louren�o, da Universidade de Coimbra, Portugal, tradutor de Evangelhos Ap�crifos (gregos e latinos), e foto da capa do livro. (foto: Companhia das letras/divulga��o)
A leitura da B�blia permite descobertas, leva a a reflex�es, conduz a outros tempos, traz conhecimento e eleva o esp�rito, independentemente da cren�a de quem tem o livro sagrado dos crist�os diante dos olhos. No Antigo Testamento e no Novo Testamento, est� a hist�ria do Povo de Deus, contada em 73 livros para os cat�licos e 66 para os protestantes. P�gina ap�s p�gina, de G�nesis ao Apocalipse, as narrativas demandam aten��o e estudos para melhor compreens�o da “Palavra”.

Mas h� tamb�m os livros ap�crifos, aqueles que n�o fazem parte do c�none oficial da B�blia e podem revelar mais sobre a hist�ria sagrada, incluindo aspectos sobre inf�ncia, adolesc�ncia de Jesus e apar�ncia f�sica na idade adulta, a vida de Maria, sua m�e, e de S�o  Jos�, o pai adotivo, e a Paix�o de Cristo.
 
Para mostrar novos �ngulos, alguns surpreendentes, chega �s livrarias “Evangelhos ap�crifos – gregos e latinos”(Companhia das Letras) resultado do trabalho de pesquisa e tradu��o do portugu�s Frederico Louren�o, doutor em l�nguas e literaturas cl�ssicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ambas em Portugal.
 
Segundo Frederico Louren�o, “a principal vantagem de ler os evangelhos ap�crifos � a realiza��o hist�rica de que, afinal, o cristianismo n�o nasceu coeso e unit�rio, mas sim variado e diversificado”.

A edi��o bil�ngue reproduz as fontes originais e traz coment�rios cr�tico-hist�ricos sobre in�meros temas. O pesquisador explica que at� a imposi��o de uma doutrina �nica no s�culo 4, circulavam, em paralelo aos evangelhos considerados can�nicos, outros textos que apresentavam a figura de Jesus Cristo sob diferentes perspectivas. Chamados de ap�crifos – entendidos muitas vezes como her�ticos, falsos —, esses evangelhos levam esse nome pela acep��o cl�ssica de Eur�pedes, Her�doto e do pr�prio Novo Testamento: s�o secretos, escondidos.
 
Uma parte se refere a ditos que Jesus teria proferido em contexto privado, apenas a seus ap�stolos. A outra parte, refere-se � biografia anterior ao Filho de Deus. Nesta edi��o, est�o reunidos evangelhos de Tiago, Tom�, Filipe, Maria, Pedro, Nicodemos, al�m de fragmentos sobre a inf�ncia e a paix�o de Cristo, a narrativa de Jos� de Arimateia, o relat�rio de Pilatos, entre outros.
 
“Muitos desses textos permaneceram desconhecidos at� a segunda metade do s�culo 20, e seu conte�do ainda suscita controv�rsia. No entanto, os evangelhos ap�crifos constituem um est�mulo para repensarmos, hoje, o cristianismo de forma menos dogm�tica e mais inclusiva.”
 
Leia, a seguir, a entrevista do professor Fre-derico Louren�o ao Pensar do Estado de Minas.
 
Minha primeira pergunta � exatamente a mesma que abre a “Nota introdut�ria” da obra: Porque � que o termo “ap�crifo” evoca, de imediato, os sentidos pejorativos de “falso” e de “her�tico”? Como o senhor escreve, nem toda a escritura ap�crifa � her�tica...

H� muitos textos nesta nova edi��o dos “Evangelhos Ap�crifos”que s�o perfeitamente ortodoxos. Os evangelhos sobre a inf�ncia de Jesus n�o contradizem a f� ortodoxa, embora relatem acontecimentos que n�o est�o no Novo Testamento. Os autores desses textos optaram por um estilo de narrativa que � muito parecido com os primeiros cap�tulos de Mateus (o can�nico, n�o o Pseudo-Mateus ap�crifo) e Lucas. Os evangelhos mais controversos s�o os de Tom� e de Maria Madalena, que nunca poderiam ter feito parte do Novo Testamento. Depois h� o caso curioso do chamado Evangelho Secreto de Marcos, que muitos estudiosos do cristianismo consideram uma falsifica��o. Eu pr�prio n�o tomo posi��o nessa controv�rsia, mas dou os elementos da quest�o aos leitores no coment�rio ao texto para eles poderem formar uma opini�o pr�pria.
 
A palavra “ap�crifo” pode ser entendida tamb�m como “secreto”, “escondido”. Por que os textos contidos no livro s�o considerados assim? O que existe neles que n�o p�de ser revelado?

Eu penso que os primeiros crist�os, no mundo grego, j� estariam pr�-dispostos a imaginar que Jesus n�o teria revelado toda a sua doutrina publicamente, porque o mundo grego estava cheio de cultos pag�os em que o “mist�rio” era fundamental, e os seguidores desses cultos estavam impedidos de revelar os segredos. As diferentes seitas do cristianismo (gn�sticas e outras), antes da uniformiza��o

da doutrina no s�culo 4, operavam segundo essa l�gica de s� elas estarem na posse dos en- sinamentos “escondidos”de Jesus. Os evange- lhos ap�crifos, em que isso se pressente mais,
s�o os de Tom� (encontrado em Nag Hammadi, no Egito) e o de Maria Madalena. Esse tem o fator surpreendente de apresentar uma mulher como a disc�pula a quem Jesus revelou sua doutrina mais secreta.
 
Certamente, a pesquisa para essa obra demandou muito tempo e f�lego, pois s�o quase 700 p�ginas, com textos em grego, latim e portugu�s. Como foi seu trabalho, e de que forma o senhor reuniu esses textos?

Fui imaginando este livro aos poucos, logo desde o momento em que me dediquei o estudo dos evangelhos can�nicos. Julguei necess�rio propor uma tradu��o dos evangelhos ap�crifos para o portugu�s, para os interessados na hist�ria do cristianismo verem as semelhan�as e diferen�as entre as duas categorias de evangelho. Fui lendo os textos e a bibliografia para poder ter uma ideia de como organizar minha edi��o. A princ�pio, pensei incluir apenas textos em grego, mas depois vi que havia tantos textos interessantes em latim que seria pena deix�-los de fora. Esforceime para conseguir entender um pouco de copta (justamente por causa dos evangelhos de Tom� e Maria Madalena, de que temos em copta um texto mais completo do que em grego), mas percebi que, na minha idade, j� � muito dif�cil aprender uma l�ngua nova. Fiquei-me somente por estes dois evangelhos na vers�o copta e n�o me aventurei a abordar o Evangelho de Filipe, a n�o ser o �nico fragmento em grego.
 
O que a leitura de “Evangelhos ap�crifos” traz de diferente para quem j� leu a B�blia, e o que acrescenta/ilumina para quem � crist�o, ateu ou agn�stico?

A principal vantagem de ler os evangelhos ap�crifos � a realiza��o hist�rica de que, afinal, o cristianismo n�o nasceu coeso e unit�rio, mas sim variado e diversificado. A unidade e a coes�o vieram com a imposi��o pol�tica da religi�o crist� no s�culo 4, devido ao apoio do imperador Constantino e dos seus sucessores. O clero mais pr�ximo do imperador obteve os meios para suprimir outras vers�es paralelas do cristianismo ent�o em voga: o cristianismo “certo”ficou a ser s� o catolicismo. Para quem l� a B�blia como crist�o, os Evangelhos ap�crifos mais ing�nuos sobre a inf�ncia de Jesus e de Maria n�o trazem nada que colida com a f� crist�: a mentalidade que lhes subjaz � a mesma que est� presente nos primeiros cap�tulos dos evangelhos can�nicos de Mateus e de Lucas. De resto, parece prov�vel que o Evangelho de Tiago e de PseudoMateus se tenham inspirado nas narrativas can�nicas sobre a inf�ncia de Jesus, acrescentando-lhe mais epis�dios e enredos. O agn�stico e o ateu se interessam por esses textos por motivos hist�ricos e, nesse �mbito, encontrar�o aqui elementos importantes. O mais significativo para mim � a presen�a t�o clara de �dio contra os judeus em muitos desses textos: esse �dio levaria a uma sucess�o confrangedora de trag�dias. Bem sabemos os crimes contra a humanidade que foram cometidos na Europa durante o nazismo.

Nas pesquisas para “Evangelhos ap�crifos”, o que mais o surpreendeu? Havia algo que o senhor nunca tinha lido?

Quando parti para o trabalho neste livro j� conhecia todos os textos. A minha maior surpresa foi deparar com o contexto em que Epif�nio de Salamina, no s�culo 4, cita o fragmento grego do Evangelho de Filipe. As outras edi��es que conhe�o dos Ap�crifos omitem esse contexto, em que Epif�nio afirma que o Evangelho de Filipe era o favorito de uma seita crist� em que os homens tinham sexo com outros homens, aparentemente sem verem nisso uma contradi��o com a doutrina crist� por eles seguida. Achei isso interessante, porque se debate hoje se um homem que est� num relacionamento sexual com outro homem pode ser cat�lico praticante e receber os sacramentos. Pelo visto, houve crist�os nos primeiros s�culos do cristianismo que j� tinham encontrado uma solu��o para esse problema. Tamb�m � preciso ver que alguns crist�os gn�sticos se opunham ao sexo procriativo, mas aceitavam atos sexuais sem finalidade procriativa. O cristianismo ortodoxo que se imp�s depois viu a situa��o ao contr�rio: o
�nico sexo permitido tem de ter finalidade procriativa.
 
Quando se leem os textos, n�o � dif�cil ficar imaginando como seria a B�blia com todos esses evangelhos. H� textos que entram em choque com os textos can�nicos?

Sim, mas tamb�m h� textos can�nicos que entram em choque com outros textos can�nicos. A B�blia s� � uma colet�nea de textos com coer�ncia e unidade de doutrina na mente dos crist�os conservadores, que se servem dos sofismas da apolog�tica para “demonstrar” que n�o h� contradi��es na B�blia. Os Evangelhos can�nicos t�m passagens que s�o contradit�rias entre si; o mesmo se aplica �s cartas de Paulo.
 
O senhor explica que “o Novo Testamento” cont�m cartas paulinas que provavelmente n�o foram escritas por Paulo. O que distingue a escritura ap�crifa da can�nica?

A ideia de que as cartas transmitidas de Paulo n�o foram todas escritas pelo ap�stolo estabeleceu-se no s�culo 19. Atualmente, aceita-se que sete delas foram escritas por Paulo, mas mesmo essas est�o sujeitas a v�rias d�vidas. Abordo esse problema na introdu��o ao volume do Novo Testamento (na Companhia das Letras) que cont�m as cartas de Paulo.
 
Os textos ap�crifos falam sobre a inf�ncia e a adolesc�ncia de Jesus, um per�odo que fica “escondido” nos textos can�nicos. Por que essa fase da vida de Jesus � quase “um segredo”?

Pessoalmente, n�o penso que tenha sido um segredo, porque me parece mais prov�vel que essas hist�rias sobre a inf�ncia tenham sido inventadas bastante tempo depois da vida terrena de Jesus. O mais prov�vel � que ningu�m sabia ao certo como tinha sido a inf�ncia de Jesus: o fato de Mateus (can�nico) achar que Jesus nasceu em Bel�m, porque os pais eram mun�cipes dessa cidade, e que foram depois morar em Nazar� mostra que pouco se sabia sobre Jos�, Maria e Jesus (dado que Lucas dir� que eles eram moradores de Nazar� antes de Jesus ter nascido). Um dos Ap�crifos diz que eles eram moradores de Jerusal�m. Paa mim, o Evangelho que nos leva mais perto do Jesus "real" � o de Marcos, que nada nos diz sobre a inf�ncia de Jesus, porque provavelmente nem Marcos sabia alguma coisa sobre esse tema. O que temos sobre a inf�ncia de Jesus nesses textos � certamente inventado.
 
O senhor diz que esses “textos marginalizados” ajudam a vislumbrar “o modo fascinante e diferenciado como as v�rias gera��es entenderam e veneraram a figura de Jesus”. Acredita que ainda h� muito para ser descoberto e estudado?

H� sempre a esperan�a de que se encontre o texto completo do Evangelho de Maria Madalena. N�o seria imposs�vel que aparecesse numa expedi��o arqueol�gica no Egito, por exemplo. Ningu�m esperava que aparecessem os manuscritos judaicos do Mar Morto, nem que se encontrassem os textos crist�os de Nag Hammadi, em 1945. A qualquer momento podem surgir novos textos dos prim�rdios do cristianismo. N�o acredito que novos textos venham a alterar o entendimento do cristianismo ortodoxo, mas podem trazer novas facetas para o entendimento dos outros cristianismos que existiram em paralelo como aquele a que depois se chamou "o certo", o ortodoxo.
 
O senhor considera os textos ap�crifos mais inclusivos? Maria Madalena, por exemplo, � chamada de disc�pula.

Maria Madalena e Salom� recebem o estatuto de disc�pulas em alguns evangelhos ap�crifos. Isso me parece imensamente inclusivo. � preciso ver que a palavra "disc�pula" nunca ocorre nos evangelhos can�nicos.
 
Frederico Lourenço, Evangelhos Apócrifos
Frederico Louren�o, tradutor de Evangelhos Ap�crifos (gregos e latinos), e foto da capa do livro. (foto: Divulga��o)
 
 
 “EVANGELHOS AP�CRIFOS”
Tradu��o de Frederico Louren�o
Companhia das Letras
680 p�ginas
R$ 74
R$ 154,90/e-book: R$: 49,90


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